Grande volume de chuva diminui a produtividade da cultura do arroz na Região Sul do Brasil. Produtores estimam grandes perdas, mas mantém a esperança na elevação dos preços.
O elevado número de chuvas na Região Sul do País, resultado do fenômeno meteorológico El Nino, atrasou o plantio de arroz, provocou perdas na lavoura devido às enchentes e deverá ser o grande responsável pelo aumento do preço do grão. Inicialmente, as perdas são estimadas em 25% da safra do Rio Grande do Sul (RS), que representa 60% da produção nacional – com 7,5 milhões de toneladas (t) – entre os 12,9 milhões de (t) do País na safra passada.
Caso a chuva não volte a inundar as terras sulinas, a previsão de colheita do Estado é de 5,62 milhões de t. Essa queda na produção não é exclusividade brasileira. Argentina, Uruguai e Paraguai também sofreram com o El Niño. O fenômeno ocorre em tempos em tempos, mas não há uma regularidade. Na prática, ele se dá quando as águas do Oceano Pacífico esquentam, no litoral do Peru, e o aumento de vaporização da água do mar sobrecarrega as nuvens, que acabam despejando as chuvas nas terras do sul da América do Sul. O fenômeno começou em novembro de 2009 e deve acabar apenas no final deste semestre, apesar da intensidade de atuação dele perder força no final do verão – no meio de março.
Atraso na semeadura
Ironicamente, algumas regiões atrasaram o plantio devido ao excesso de chuvas e outras devido a escassez dela. Em setembro e outubro, a região e fronteira oeste do RS não tinha água suficiente para plantar. Já as terras centrais do Estado sofreram com o excesso de chuvas em novembro. “Com o alto volume pluviométrico da época, muitos produtores não conseguiram terminar de plantar a colheita na hora certa. Cerca de 60% foi plantado na época ideal, mas o restante ficou para ser semeado até o final de dezembro, que não é a melhor época”, explica o engenheiro agrônomo do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), Guilherme Thon.
Alguns produtores não conseguiram nem finalizar a semeadura de tudo o que estava planejado, como Carlos Augusto Simoneti, que tem propriedades no Paraguai e em Uruguaiana (RS). “As chuvas não nos deixou plantar a lavoura adequadamente em setembro e outubro, e fomos plantando quando as chuvas paravam. Mas chegamos a ficar com 10% da lavoura simplesmente sem semear no Paraguai, porque passou a época limite de plantio. São 400 hectares a menos de plantação, o que significam 3.200 toneladas a menos de produção, que representam 650 sacas. Supondo a venda de cada saca a R$ 30,00, que é um valor bem abaixo do esperado para esse ano, são R$ 19.500 em arroz”, contabiliza. O atraso do plantio gera queda na expectativa de produtividade, já que se planta uma cultivar de ciclo curto, com menor poder de produção.
Inundações e perdas
Além de atrapalhar a época de plantio, a chuva causou enchentes em diferentes épocas e locais. Entre os dias 3 e 5 de janeiro ocorreram as maiores precipitações na região de Agudo (RS), quando caiu uma ponte que atravessava o Riu Jacuí. Segundo a Defesa Civil, 14 cidades decretaram estado de emergência no Rio Grande do Sul, quando cinco pessoas morreram com a queda da ponte.
Mas antes mesmo dessas chuvas em Agudo, grandes precipitações pluviométricas se desenvolveram em Uruguaiana, em dezembro de 2009, destruindo parte da lavoura de arroz da região. O produtor Carlos Augusto perdeu 10% da lavoura com plantas que apodreceram ou ficaram danificadas fisicamente pela água. Além disso, o produtor estima que a lavoura que restou perderá 20% de produtividade de sua capacidade esperada.
Já o produtor Alfredo Martini, também de Uruguaiana, teve perdas estimadas em 30% da lavoura. Acabou replantando nas áreas atingidas, mas não espera muita produtividade. “Cerca de 30% da lavoura foi destruída pela água e tivemos de replantar. Estamos 60 dias atrasados do prazo ideal de semeadura. Além disso, imagino queda de 30% na produtividade das plantas que restaram porque foram danificadas de alguma maneira e, além da planta estar debilitada fisicamente, o excesso de chuvas aumentou o ataque de fungos e pragas”, completa.
Em Agudo, o problema foi no início de 2010, quando choveu pouco mais de oito vezes do que o esperado. “A média de chuva em Agudo é de 238 mililitros (mm) em janeiro, e no Norte do Estado é de 380 mm. Nos dias 3, 4 e 5 choveu simplesmente 2 mil mm. Isso fez alagar toda a região, inclusive o Rio Jacuí, deixando as lavouras submersas por quase uma semana, dependendo da área”, afirma Guilherme Thon, do Irga.
Um caso de grandes perdas em Agudo é o de Paulo Prochnow, que plantou 60 hectares em área de várzea da cidade. “Perdi 12 hectares de lavoura nas chuvas de dezembro e replantei. Mas com a água que caiu no início de janeiro, perdi 40% da plantação. Do restante, estimo uma queda entre 20 e 50%. Não tive muitos parâmetros para chegar a uma conclusão. Se for de 20%, estaria extremamente feliz, mas na verdade acredito que perderei cerca de 35%”, analisa o arrozeiro.
Os produtores com terras situadas na beira dos rios da região também foram muito afetados, já que a correnteza prejudica a planta. Foi o caso de Eldo Ari Kansburg, que tem a lavoura localizada à margem do Rio Jacuí, onde teve a queda da ponte. “Em Agudo, 98% da cidade ficou debaixo da água por dias, mas os 2% de terras altas estão lindas, tudo verde. Tive um prejuízo entre 20 e 25% na lavoura esse ano, até agora. Mas o que restou está com a produtividade afetada. Aqui, a média esperada era de 11 kg/ha, e a média estadual é de 8kg/ha, mas se chegar a 4,8 kg/ha neste ano em minha propriedade, ficaria muito feliz”, conclui o arrozeiro, que tem 100 hectares plantados na região.
Além dessas terras, Kansburg possui outros 900 hectares em Cachoeirinha do Sul, junto com os filhos. Lá, a chuva também causou grandes estragos, mas o produtor fez o replantio fora da época limite, dia 15 de janeiro. “Devido à alta no preço do arroz nessa safra, estamos plantando agora, e mesmo que a produtividade seja pequena, acreditamos que valerá a pena. O maior custo já estava feito, já que a terra estava preparada, as sementes e o adubo comprados e a terra já estava arrendada”, afirma.
Preço da saca de 50 kg
Especialistas e produtores esperam aumento do valor da saca de arroz, que no dia 15 de janeiro foi comercializada a R$ 32,72, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Avançada (Cepea), revelando alta de quase 10% em apenas 11 dias, já que no primeiro dia útil do ano, dia 04, era vendida a R$ 29,79.
Além da expectativa de safra ser cada vez menor, devido à semeadura atrasada e as enchentes, outro fator importante é o panorama internacional do grão. O El Niño atua em toda a Região Sul da América, e as mesmas condições do Rio Grande do Sul ocorreram em países vizinhos como Uruguai, Paraguai e Argentina. Estima-se que a queda de produção na região, aliada com a queda da Índia e o aumento da importação das Filipinas, faça com que o preço internacional do grão suba rapidamente.
Outro fator que influencia o preço é a grande parcela de terras com replantio, aumentando os custos do produtor, segundo Carlos Augusto Simoneti, de Uruguaiana. “Ao replantar, você aumenta o custo da lavoura, e isso terá que ser pago lá na frente. O mercado está obrigado a subir o preço devido a todos os fatores e acredito que apesar da diminuição de produtividade, teremos um valor acima do que é pago em safras normais”, diz. Outro produtor que acredita na elevação de preço nos próximos dias é Eldo Kansburg, de Agudo. “Imagino que a saca deva ultrapassar a barreira dos R$ 40,00, porque foram muitos estragos neste ano e já andei sabendo de gente vendendo a saca acima dos R$ 35,00, no litoral”.
Para o superintendente de gestão de oferta da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Carlos Eduardo, tem mais um fator, que aliado a todos esses, faz com que o preço suba fortemente, que é o pico da entressafra. “Basicamente, temos quatro fatores, entre eles, a expectativa de safra menor devido a perdas decorrentes de atraso de plantio e perdas nas enchentes. Outro fator é o mercado externo com baixa oferta e por último o pico da entressafra. Tudo isso influencia e resulta em aumento de preço. Estamos atentos a isso em entraremos em ação caso o preço suba acima do esperado”.
Expectativa de safra
O último relatório sobre a expectativa de safra divulgado pela Conab mostra queda da safra de arroz em 4,5%, em relação a 2008/2009, mas a Companhia confirma que esses dados estão defasados, já que não contempla as enchentes do início de 2010. O próximo relatório só deve sair durante fevereiro, informando uma queda maior na produção.
Vale lembrar que o El Niño não acabou e pode causar mais estragos na safra, principalmente, porque caso a chuva volte na época em que os grãos já estão formandos. Nesta época, as chuvas podem causar maiores prejuízos, mesmo que seja em menor quantidade, já que o grão está exposto. Segundo o especialista do Irga, Guilherme Thon, caso a inundação do início de 2010 tivesse se dado em fase de pré-colheita, a perda poderia ter sido de 100% da lavoura. “Em estágio final da lavoura a planta fica muito mais suscetível e poderia ocorrer perda total dos grãos em algumas propriedades de Agudo, onde a enchente persistiu em até uma semana em algumas localidades”.
Alguns arrozeiros ainda estão apreensivos quanto às próximas chuvas, já que tem mais de 30 dias até o início da colheita, que vai de março a início de maio. Os produtores lembram da safra 1997/1998, quando chuvas, provenientes do El Niño, caíram em fevereiro, devastando grande parte das lavouras. Na época, as lavouras já estavam com o grão na planta e, apesar das chuvas terem sido em menor quantidade em comparação com as dessa safra, as chuvas causaram maiores perdas de produção.
O produtor Alfredo Martini, de Uruguaiana, lembra muito bem como foram as enchentes naquele ano e tem receio de que o clima volte a devastar o restante da lavoura. “Lembro de 1998, quando as chuvas destruíram minha lavoura, e sei que nada impede daquela tragédia se repetir esse ano. O El Niño não acabou e ainda vamos passar quase dois meses vulneráveis a chuva e com o arroz já no pé”.