Essa discussão ainda vai dar muito “pano para manga” na ovinocultura. Rendendo-se a predominância rebanho Santa Inês no país, outras raças de corte vem se apresentando como a parceria ideal para o cruzamento com ela. Os criadores do Santa reagem e dizem que o bom mesmo é o “Santa Inês puro”.
A criação de cordeiros no Brasil cresce ano a ano, mas ainda sofre com a ausência de uma cadeia produtiva adequada em muitas regiões, com mão de obra qualificada e a ausência de modelos para seguir. Há três anos, matrizes Santa Inês eram vendidas a preços astronômicos, já que a raça era considerada ideal para a criação em todas as regiões brasileiras, exceto a Região Sul, que poderia criar raças lanadas.
Com o passar dos anos, se observou que o cruzamento industrial com raças como o Texel, Sufolk, Dorper, Hampshire Down, poderia trazer grandes benefícios a produção de carne. Com isso, boa parte dos criadores passaram a optar por reprodutores dessas raças, buscando incrementar o rebanho. Mas há quem resista ao F1 e se mantenha na produção com o puro Santa Inês, achando que em alguns anos os criadores perceberão que o cruzamento entre raças traz alguns problemas atrapalhando a produtividade.
Esse é um dos problemas enfrentados pela categoria, já que não há modelos de criação a seguir. Os rebanhos para corte sofrem muita especulação de raças e o cruzamento pode ou não, ser uma boa para o produtor.
Segundo o Presidente da Associação de Criadores de Ovinos, Paulo Schwab, o principal obstáculo é a falta de estruturação de todas as frentes que compõem a ligação entre criadores e consumidor. “Seguramente, a maior dificuldade é termos bons criadores, que consigam quantidade e qualidade, frigoríficos adaptados ao abate de cordeiro, transporte adequado e carcaças bem finalizadas e padronizadas para que a ovinocultura deslanche no Brasil. Assim, diminuiríamos substancialmente a importação da carne uruguaia”. Atualmente, 80% da carne de cordeiro consumida no País provêm do Uruguai.
Alguns frigoríficos específicos para cordeiro começaram o abate, mas ainda é muito pouco para atender a demanda, já que há apenas nos Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Calcula-se que 90% dos animais abatidos no Brasil não provêm de abatedouros oficiais, esse número diminui para 75% no RS, mas ainda é considerado elevado pelo próprio presidente da Arco.
Mudança de conceito
Acreditava-se que as raças lanadas não poderiam ser boas produtoras de carne em regiões quentes, como Goiás ou Pará, mas atualmente os cruzamentos dessas raças com a Santa Inês tem sido cada vez mais utilizados. “Tenho notícias de cabãnha no Estado do Pará que adquiriu animais Texel, do Rio Grande do Sul, e estão muito contentes com os resultados”, afirma Enio Müller, presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Texel – BrasTexel. A lã serve como um isolante térmico, diminuindo a intensidade do frio e do calor, o que contribuiria para a adaptação desses animais em regiões tão distintas.
Em outras propriedades, a raça Dorper foi a que melhor se adaptou, como é o caso da Fazenda Pedra Bela, do produtor Nelson Guerra Varella. O produtor realizou testes com Dorper e Texel, e acabou optando por utilizar apenas uma raça. “Entre as duas, achei que a Dorper me trouxe mais resultados, contando a produtividade, adaptabilidade, quantidade de lã, enfm. Hoje tenho seis reprodutores machos white Dorper e outros seis Dorper para cruzamento com as matrizes Santa Inês”, afirma.
Opinião unânime entre criadores e especialistas é a de que não existe raça ideal, mas sim a mais adaptada para os seus interesses e para a sua fazenda. No caso de Varella, o criador tinha apenas Santa Inês puro para produção de carne, mas com o tempo percebeu que o frigorífico pagava mais por animais F1, além deles serem mais precoces. “Foi uma constatação lógica, já que os frigoríficos pagam mais pelo borrego mestiço, cerca de R$ 0,60 por quilograma (kg), além de eles irem ao abate em apenas quatro meses, sendo metade do tempo mamando e o restante confinados”, conclui o produtor.
Segundo o presidente da BrasTexel, todas as raças são importantes para a ovinocultura de corte e cabe ao produtor saber qual é a melhor e mais produtiva para o seu rebanho, levando em consideração aspectos técnicos e não escolher com o coração. Ainda segundo Müller, o que a raça Texel deve fazer é divulgar os bons resultados na área de cruzamento industrial, porque a qualidade do rebanho já é conhecida de todos.
Nelson está confiante para o futuro, segundo ele, se produzisse o dobro de animais, venderia tudo. A produção vem aumentando ano a ano: em 2008 teve 737 partos; em 2009 foram 926; e para 2010 são esperados 1.200 cordeiros.
Em outra propriedade, também na cidade de Pedra Bela, a 114 km da capital, um rebanho com 900 fêmeas da raça Texel vem apresentando bons resultados ao produtor. A Fazenda 3 Sinos também confina os borregos nos últimos meses, usando silo de sorgo produzido no local. Já o pasto para o restante do rebanho possui azevem, aveia e trevo no inverno, e piquetes com tifton, coast cross e vaqueiro no verão. As únicas que recebem ração são as fêmeas pós-parto, para melhor recuperação e prepará-las para o próximo ciclo.
“Trabalhamos exclusivamente com Texel porque é uma raça muito boa e que se adaptou muito bem a nossa propriedade. Além de finalizar o animal, também produzimos plantel PO, porque acreditamos muito no potencial da raça para os próximos anos”, afirma Leandro Navarro, o veterinário e administrador da fazenda.
A raça vem apresentando crescimento maior nas regiões Norte e Nordeste, e deverá continuar sendo o pólo de maior desenvolvimento da raça em termos de quantidade de reprodutores machos.
Já na Fazenda Mov Dorper, a criadora Vilma Barbosa Gomes trabalha exclusivamente com Dorper de elite. Iniciou a produção em 2004, através de rebanho Santa Inês, mas assim que cruzou com um Dorper, passou a investir cada vez mais na raça sul-africana. Hoje possui 300 animais, sendo 70 PO e o restante receptoras, as chamadas barriga de aluguel ( a criadora utiliza a tecnologia da transferência de embriões nos animais). As receptoras são ¾, meio sangue e poucas são Santa Inês pura. “Continuo importando genética da África, porque é o berço da raça e lá a seleção está a frente da nossa”, comenta Gomes. Para ela, foi no final de 2008 que os produtores de cordeiros começaram a perceber a necessidade de realizar o F1 para incrementar o rebanho.
A preocupação maior de Vilma é criar parâmetros de qualidade do animal assim como no gado leiteiro. “Para quem vem de um rebanho leiteiro, como eu, trabalhar com parâmetros que classifique a qualidade seria ótimo para os ovinos”, afirma.
Outra raça utilizada nos cruzamentos industriais atualmente é a suffolk, que está apresentando crescimento de animais nos últimos anos. Assim como qualquer outra raça, a suffolk não tem números para determinar o aumento, mas sabe-se através dos especialistas que trabalham no campo. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Criadores de Ovinos Suffolk – ABCOS, Teófilo Garcia, há poucos criadores de animais puros, apesar do mercado estar demandando reprodutores. “Existe procura de animais para rebanhos especificamente no Mato Grosso e em São Paulo, mas há poucas opções porque a genética da raça está na mão de poucos criadores”, comenta. Segundo o gerente de produtos de caprinos e ovinos da Alta Genetics, Sergio Ribeiro, a demanda de suffolk em 2009 foi concentrada em Mato Grosso, mas não é a raça mais procurada atualmente. “Santa Inês e Dorper são as duas mais procuradas hoje em dia, seguidas de Texel. Para 2010, vãos investir em novos animais de Texel, porque acreditamos em uma demanda maior para a raça neste ano”, completa. Para se ter uma ideia do domínio do Santa Inês como procura, 80% do sêmen vendido na área de ovinos foi Santa Inês em 2009, sendo outros 15% Dorper. Para Marcelo Roncoletta, gerente de ovinos da CRV Lagoa, o Dorper tem se beneficiado do marketing da raça, e é comercializado um pouco acima do mercado.