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Dedo de prosa: Guido Mantega “Brasil supera impactos da crise”

É esta a análise que faz a partir da entrevista com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, concedida à Revista Rural. Apesar da crise, deflagrada em setembro de 2008, o desempenho da economia brasileira foi considerado satisfatório, ante aos saldos registrados em países com mercados considerados mais sólidos como o dos Estados Unidos.

A partir dessa conversa com o personagem capaz de regular a economia do Brasil e ainda administrar as contas públicas, reinaugura-se a seção “Dedo de Prosa”. No comando do Ministério da Fazenda desde 27 de março de 2006, Mantega tem sido a referência do governo de Luís Inácio Lula da Silva para a manutenção da economia brasileira.

Entre as passagens de Mantega pela administração pública, pode se destacar o comando do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – cargo para o qual foi designado em janeiro de 2003 e exercido até novembro de 2004 – e a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – a qual exerceu até março de 2006.

Revista Rural – Com a proximidade do fim de 2009, qual a avaliação que o senhor faz sobre os impactos no Brasil da crise dos Estados Unidos? Quais setores da economia foram mais afetados?

Guido Mantega – A crise foi a mais forte desde 1929. Em um ano, as bolsas de valores registraram perdas de US$ 30 trilhões. A crise, que atingiu o auge após a quebra do Lehman Brothers, provocou escassez global de crédito, além de recessão, desemprego e deflação nos EUA, gerando uma crise de confiança na principal economia do mundo, provocando “efeito manada”. Porém, ações ousadas dos governos estancaram a quebradeira dos bancos, que poderia levar a turbulência a uma dimensão ainda maior. No Brasil, a indústria de um modo geral foi bastante afetada pela retração econômica. Em especial, podemos citar os segmentos que atuam no mercado externo, incluímos o agronegócio e o setor automobilístico, além da construção civil, pois são dependentes de recursos internacionais e de matérias-primas importadas. A escassez e o encarecimento do crédito internacional também afetaram outros segmentos, como as pequenas e médias empresas. Apesar disso, com a melhora do cenário global, a indústria nacional já está se recuperando, ainda que lentamente. O governo agiu de forma a reduzir os impactos da crise global na economia e os setores afetados reagiram positivamente.

Rural – Em especial, no setor agrícola, quais foram as ações adotadas pelo governo?

Mantega – No caso específico do setor agrícola, o governo atuou fortemente para assegurar a liquidez necessária ao financiamento da safra, com antecipação de desembolsos do Banco do Brasil, alocação de recursos adicionais de mais de R$ 20 bilhões e aumento do crédito direcionado, tanto dos depósitos à vista quanto da poupança rural, bem como linhas especiais para agroindústrias e cooperativas agropecuárias. Em outra frente, ampliamos programas do BNDES voltados para aquisição de bens de capital, liberando mais recursos e reduzindo as taxas de juros. Para garantir o financiamento do investimento e da produção, mantivemos a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) em 6,25% ao ano, além de liberar mais dinheiro para capital de giro destinado para pré-embarque de exportações e empréstimos ponte.

Rural – E quais os setores que sobressaíram, diante da crise financeira?

Mantega – Um dos setores mais preservados diante da crise foi o de bens de consumo duráveis, pois a partir das medidas anticíclicas, incluindo as desonerações, o governo manteve a oferta de crédito para que a população continuasse a ter poder de compra e a roda da economia funcionasse, com manutenção do emprego e da renda.

Rural – Estimular o consumo foi a medida encontrada pelo governo para não ceder à crise, com uma possível recessão no País. Esse foi o motivo pelo qual o governo optou pela isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre os carros e que ainda continua para a chamada linha branca. Que balanço que se pode fazer a partir dessa medida? Quanto girou o consumo no País? Quanto foi injetado na economia? A medida, de certa forma, prejudicou os cofres públicos?

Mantega – Essa foi uma medida acertada, que se não tivesse sido tomada levaria o Brasil a registrar crescimento negativo esse ano, como alardeado por vários analistas no auge da crise. Felizmente, o País não enfrentou recessão e ainda vai crescer cerca de 1% em 2009, graças à política anticíclica do governo federal. As ações fiscais e as desonerações custaram aproximadamente R$ 25 bilhões. O que foi injetado na economia corresponde ao impacto que a redução dos impostos provocou nos preços. Ou seja, o consumidor está pagando menos para adquirir produtos que tiveram as alíquotas do IPI reduzidas. No total, os gastos com investimos e desonerações representaram no Brasil o equivalente a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto a China gastou 13% e os EUA 6,7% dos respectivos PIB. Com relação aos impactos nos cofres públicos, cabe lembrar que o próprio caráter das medidas implica dizer que elas não são perenes e se revertem em manutenção do consumo, até que a economia possa andar com as próprias pernas. O aumento dos gastos com a política anticíclica não levou o Brasil ao endividamento. Ao contrário de outros países, o Brasil está saindo rapidamente da crise e com uma situação melhor, com a dívida crescendo menos, cerca de 2%, contra aproximadamente 50% dos EUA. Além disso, nosso déficit nominal em 2009 será um dos menores entre os países do G-20. Sairemos com uma situação fiscal forte.

Rural – Recentemente, conversando com um produtor de arroz de Uruguaiana (RS), foi citado justamente que essa medida teve seus méritos, mas que não é essencialmente uma praxe da política nacional (baixar tributos). Segundo ele, o que o governo busca sempre é disponibilizar crédito, que deve ser pago posteriormente. E ele indaga: “Se a atividade não remunera, como a conta vai ser paga depois?”. Diante disso, especificamente para o setor do agronegócio brasileiro, qual a política econômica mais realizada? É a disponibilidade de crédito? Quanto à desoneração sobre o custo de produção, que políticas econômicas são desenvolvidas?

Mantega – O setor agropecuário demanda financiamento em quantidade suficiente, disponível no momento adequado e a taxas de juros compatíveis com a rentabilidade da atividade. Durante o período da crise, reduziu-se substancialmente a oferta de financiamentos pelo setor privado, em especial pelas tradings, em função das restrições de liquidez enfrentadas pelas empresas. Isso representou uma maior demanda por financiamentos com recursos controlados do crédito rural na safra 2008/2009. Em função disso, uma das prioridades do governo federal foi garantir a oferta de crédito para o setor. Além do financiamento, o governo federal mobilizou diversos instrumentos no âmbito da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) como instrumento de proteção ao produtor rural e suas cooperativas em relação às oscilações do preço dos produtos. Esses instrumentos incluíram aquisições de produtos, financiamento de estocagem pelos produtores e pelas agroindústrias e subvenções para o escoamento dos produtos das regiões produtoras até os mercados consumidores. Para se ter uma ideia do alcance dessa política, entre 2008 e 2009, foram destinados R$ 1,1 bilhão para garantia de preços aos produtores de algodão; R$ 400 milhões destinados à aquisição e lançamento de contratos de opção de venda de arroz; cerca de R$ 2 bilhões para garantia de preços e apoio ao escoamento de milho; R$ 1,1 bilhão para contratos de opção de trigo; e cerca de R$ 2 bilhões para garantia de preços de café. Outros produtos importantes também vêm recebendo apoio governamental, com destaque para o feijão e o leite. Além dessas ações, o governo tem atuado no sentido de garantir a renda da atividade agropecuária por meio da ampliação dos recursos destinados à subvenção ao prêmio ao seguro rural. Também está em fase final de negociação no Congresso Nacional o Projeto de Lei que cria o Fundo Catástrofe, que contará com subsídio público e deverá estimular a ampliação do seguro no âmbito rural. No caso da agricultura familiar, vale destacar inovações recentes, como a autorização para cobertura de créditos de investimento pelo Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro); a ampliação do limite do “Proagro Mais”, destinado à cobertura da renda esperada do empreendimento financiado; e a inclusão de novas culturas e atividades no Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar (PGPAF).

Rural – O dólar está em queda gradativa desde fevereiro deste ano, prejudicando as exportações brasileiras. Que tipo de quadro econômico que se pode traçar a partir desse fato? Há alguma saída para que o produtor brasileiro não se sinta desestimulado em exportar?

Mantega – Há atualmente no País um cenário cambial com menos volatilidade, graças às ações tomadas pelo governo, com dólar estabilizado na casa de R$ 1,70. Nós estávamos sofrendo um fluxo muito forte de capital estrangeiro, principalmente na bolsa e esse fluxo foi atenuado pelas medidas de IOF (aplicação de alíquota de 2% sobre investimento externo de curto prazo) que nós tomamos. Além disso, esse excesso de dólares no mercado está sendo absorvido pelo Banco Central. Para os exportadores, além da redução do custo de financiamento pré-embarque e pós-embarque do BNDES, estamos fazendo medidas também que reduzem o custo do investimento. Por exemplo, neste ano, nós reduzimos as taxas para aquisição de equipamentos agrícolas que caiu para 4,5% no Finame, com equalização do Tesouro. Portanto, o exportador que estiver adquirindo estas máquinas a um preço reduzido terá mais competitividade porque poderá oferecer o produto a um preço menor.

Rural – Quanto à saúde das contas do governo, qual o balanço que pode fazer até o momento? Gastou-se mais? Quanto das dívidas externa e interna foram pagas?

Mantega – A situação da dívida líquida do setor público está sob controle. No ano passado ela caiu para 36% do PIB, mesmo em um ambiente de alta volatilidade. A situação da dívida permite que o Tesouro Nacional tenha uma estratégia mais cautelosa de gerenciamento, evitando se refinanciar a preços muito mais altos. A gestão da dívida reduziu significativamente o seu risco, permitindo que o Brasil passe por crises externas com resultados positivos. Além disso, este ano, mesmo com a ação anticíclica no enfrentamento da crise, vamos cumprir a meta de superávit primário (economia que o governo federal faz para pagar os juros da dívida), com a possibilidade de abatimento dos investimentos do Projeto Piloto de Investimento (PPI). Não são apenas perspectivas, mas resultados fortes, que mostram que o País tem fundamentos sólidos. É bom lembrar que nossas reservas internacionais permanecem no patamar de US$ 200 bilhões. Somos hoje credores em dólares. O aumento das reservas internacionais é uma estratégia do Banco Central para garantir um “colchão” de proteção e reduzir o impacto de crises internacionais que possam levar a uma fuga de dinheiro do Brasil. Elas mostram também que o País tem dinheiro para pagar sua dívida externa, o que reduz as chances de um calote, tranquilizando os credores. Quanto aos gastos do setor público, o Tesouro Nacional trabalha para melhorar a qualidade dos gastos. Em outubro, por exemplo, constatamos um aumento das despesas de capital e queda nas despesas de custeio, que era uma meta perseguida ao longo de todo o ano. Além disso, tenho um projeto antigo no qual gostaria de reduzir o custo da folha de pagamento sem reduzir salário, naturalmente, reduzindo os encargos, que são muito elevados no Brasil. Só que esse projeto foi comprometido pela crise que tivemos esse ano que reduziu a nossa arrecadação e nos obrigou a fazer desonerações. Então, esse ano nós procuramos fazer mais desonerações, estimulando o consumo diretamente.

Rural – Sobre o crescimento econômico do País, qual é saldo esperado para este ano? Qual é a perspectiva que se faz para o próximo ano, 2010?

Mantega – Em 2009, trabalhamos com o PIB positivo em cerca de 1%, seguido de crescimento de 5% em 2010. Já em 2011, nossa expectativa é de que o País retome o ciclo de crescimento, interrompido no último trimestre de 2008 e ao longo de 2009. Ou seja, em 2011, o Brasil voltará a registrar taxa de crescimento acima de 5%.

Rural – Após sete anos do governo do Partido dos Trabalhadores, qual é o legado que se deixa à economia brasileira? Caminhamos a passos mais sólidos para sermos um País mais forte economicamente e de referência mundial?

Mantega – Após sete anos no governo, podemos afirmar que estamos deixando como legado um novo ciclo de desenvolvimento econômico. A crise internacional trouxe exatamente o reconhecimento de que o País está mais forte economicamente, e se torna mais e mais uma referência em termos de crescimento sustentado para o resto do mundo. Estamos tomando as medidas necessárias para incentivar o crescimento e, especialmente, para fortalecer os investimentos, de forma a dar estrutura para o Brasil competir nos mercados internacionais, além de fortalecer simultaneamente o mercado interno e a distribuição de renda.

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