Geração de empregos e rentabilidade no mercado: como as flores cultivadas no Brasil por pequenos e médios produtores surpreendem o setor agrícola. A floricultura brasileira é hoje uma atividade econômica importante no agronegócio do País.
Nos últimos dez anos, registra-se um significativo crescimento da produção de flores na maioria dos Estados brasileiros, com destaque para os da Região Nordeste. O potencial de expansão da atividade voltada para o mercado interno é enorme e oferece oportunidades promissoras, para quem tem um bom produto, assim garantem os especialistas.
No País, por exemplo, a elevação da renda da população em geral, o apelo ambiental com práticas de conservação do meio ambiente e a facilidade no acesso aos produtos foram fatores que evidenciaram o consumo de flores, que é ainda muito baixo em relação aos países desenvolvidos. Além disto, existe no mercado eventos que elevam a iniciativa de consumo, como a maior exposição de flores e de plantas ornamentais da América Latina, a Expoflora, realizada anualmente em Holambra (SP).
No mês de setembro, o evento recebeu 300 mil visitantes, nos 17 dias de duração. Além de atrair um grande público, a Expoflora é considerada uma vitrine para os produtores de flores e plantas ornamentais de Holambra, que aproveitam o evento para lança-mento de novas espécies. Embora conte apenas com 10 mil habitantes, o município, considerado a cidade das flores, é responsável por cerca de 40% do comércio nacional de flores e plantas ornamentais e 80% das exportações brasileiras. “É relevante ressaltar que nós [mercado brasileiro] crescemos até mais que a China. O mercado interno vem crescendo em média de 10 a 12%. Apenas neste ano, chegamos a 8%, devido à crise econômica. Só que para 2010, a previsão é voltar aos 10%”, menciona Kees Schoenmaker do Grupo Terra Viva e presidente do Instituto Brasileiro de Floricultura (Ibraflor).
Aliás, o Grupo é um dos pioneiros na produção de flores e plantas ornamentais na região. Seus fundadores, o casal holandês Klaas e Gemma Schoenmaker (pais de Kees) chegou ao Brasil em 1959, em companhia de seus 11 filhos. Na bagagem, a família trouxe sementes de gladíolos, origem das primeiras mudas de plantas, que foram semeadas nos 50 hectares (ha) de terras que compraram. Neste meio século, a empresa expandiu suas terras para 12 mil ha nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Ceará e, no exterior, no Paraguai e Holanda. “Lembro que há exatos 50 anos, estávamos no Porto de Santos e não sabíamos sequer falar uma palavra em português”, lembra Kees Schoenmaker.
Com a força destes imigrantes holandeses, a floricultura brasileira firmou-se como um importante setor da economia nacional, principalmente, a partir de 1988, quando a Cooperativa Agroindustrial Holambra iniciou um arrojado programa de reestruturação visando abastecer o mercado externo. Na época, a Holanda, maior produtor mundial de flores, vinha enfrentando questionamentos de ambientalistas da Alemanha, e ajudou os conterrâneos no Brasil a se consolidar neste mercado. Assim, o Veiling Holambra, como é conhecida a cooperativa, se transformou num ponto de comercialização, e tornou-se uma das maiores centrais de atacado do País, com compras de milhares de flores por meio de leilões eletrônicos. Lá, todos os dias (às 6 da manhã), as plantas e flores desfilam em carrinhos diante da plateia de compradores.
Por toda essa infraestrutura, o cultivo de flores e plantas veio para ficar e garantir a certezas de comercialização de produtores, como Victor Schiavon Villa Nova, um dos proprietários do Grupo Swart. Aliás, ele e mais 378 produtores, só da região de Holambra, ocupam uma área de 106 hectares (ha) em estufas. No Grupo Swart, por exemplo, a família iniciou a cultura há 18 anos, com a produção de kalanchoe, também conhecida como flor da fortuna. “Hoje, além desta variedade, também cultivamos rosas, no sul de Minas Gerais, em Andradas, e nos últimos anos, na Serra da Ibiapaba, no Ceará. As duas culturas são os carros-chefes da nossa produção”, acentua Villa Nova. “O que falta no Ceará é apenas um incentivo para a exportação, principalmente com a infraestrutura do aeroporto, pois do resto, tudo é favorável como o clima e os baixos custos de produção”, explica.
Só em rosas são 40 mil hastes (unidades) por dia. De kalanchoe, o grupo produz 80 mil vasos por semana. Em datas comemorativas, como Dia das Mães, Dia dos Namorados e Finados, os números aumentam 20%. “Hoje está virando costume dar flor, um presente inusitado e alegre. Quem não gosta de ganhar uma flor?”, pergunta. “Como trabalhamos com luz, podemos fazer programação para essas datas no qual há o aumento de consumo. Se não controlar na luz vai ter uma semana com muita flor e outra semana sem nada. Se errar na mão da programação fica complicado”, diz Villa Nova.
Com a demanda de produzir em grande quantidade, há cinco anos, a família investiu em tecnologia nas instalações e na mão de obra. Hoje, no Grupo são 160 funcionários que cuidam de toda a estrutura. Lá, todas as estufas são automatizadas. As flores recebem temperatura, água e fertilizantes, na medida certa. “Sem investimento, sem know-how é impossível sobreviver neste mercado”, conta. Para este ano, o Grupo Swart mostrou ao mercado a novidade do kalanchoe dobrado. A variedade, desenvolvida por profissionais dinamarqueses, é resultado de um melhora-mento da espécie kalanchoe blossfeldiana, em que se conseguiu em diferentes cores e maior quantidade de pétalas. “Todo este diferencial é garantido por meio de empresas da Dinamarca e da Holanda. São mil mudas por variedade, que aqui são multiplicadas”, diz.
Em busca de garantir a qualidade do produto, a cada seis meses as matrizes (kalanchoe e rosas) são renovadas. Tudo, segundo o produtor, para assegurar um “material limpo”, ou seja, sem contaminantes. “É indispensável, mantermos esta parceria e ter a disponibilidade de material genético, com isto, conseguimos trazer sempre algo inovador para o mercado”, ressalta. No entanto, para ter estas novidades, o produtor paga os royalties devidos (existe uma lei de Proteção de Cultivares, que possibilita a chegada de novas variedades estrangeiras, hoje são mais de 80 delas na praça) para a empresa responsável por disponibilizar a genética. “O valor é baixo, se baseia no que se vendeu e não no que se plantou. O royalty é vantajoso. Com isto, temos certeza da boa qualidade e mercado garantido. E se não fossem as novidades, nós não estaríamos vendendo”, pontua Villa Nova.
O valor da qualidade
Na cidade de Holambra, que enriqueceu com as flores, existem espaços para todos, devido ao incentivo de elos na parte comercial. “Entretanto, muita gente desistiu no meio do caminho. Aqueles que atuaram sozinhos encontraram dificuldades, por isto, a importância das associações e da cooperativa. O que a gente vê quando se fala em associação é de suma importância, principalmente, quando se trata de pequenos produtores. Vimos que até grandes empresas estão se associando às grandes cooperativas para atuarem de forma mais forte neste mercado”, aponta o presidente da Ibraflor, Kees Schoenmaker.
De acordo com ele, é interessante que o produtor tenha um bom produto e com boa durabilidade. “No ramo de flores de corte é assim, todos precisam estar focado naquilo que se propôs a vender. O mercado está cheio de oportunidades, mas não adianta ser mais um”, diz. “Atualmente, não faz nenhuma diferença ser grande ou pequeno. O que se destaca é a qualidade deste produto”, pontua.
Pelo menos este foi o foco de uma outra propriedade rural de descendência holandesa, que tem no espetáculo de cores e variedades de 25 crisântemos seu grande atrativo. De acordo com o proprietário, Laurens Springer Berenschot, a plantação de crisântemo foi escolha da família e um dos cultivos pioneiros, em Holambra. “O clima é perfeito para a cultura e há grande procura”, conta Laurens Berenschot.
A propriedade Crisântemo Pedra Grande, além de investir no cultivo, nos últimos anos, abriu suas portas para integrar o Roteiro Rural da cidade de Holambra. Lá, o turista pode conhecer as etapas de produção e ainda adquirir flores e plantas diretamente do produtor. Há 15 anos, grande parte das flores produzidas lá, é destinada para Belém (PA), Bahia, Minas Gerais e São Paulo. São quatro mil vasos semanais. “Atual-mente, 60% dos nossos negócios são destinados para as funerárias”, diz o proprietário, que explica também que o seu mercado cresceu, justamente, pelo leque de opções de pontos de vendas. “Antigamente, as flores só se compravam nas floriculturas. Hoje, elas podem ser encontradas em vários pontos de vendas, que vai desde um simples mercado, passando por grande rede de varejo e até via Internet”, descreve.
Ao contrário das propriedades de Holambra, a Crisântemo Pedra Grande não aderiu ao sistema de cooperativa, mas apostou fortemente nas parcerias. “Desde que começamos a produção, já vendemos para os parceiros certos. Mas, aconselho para quem ingressar neste mercado, entrar pelo sistema de cooperativa”, diz Berenschot.
Hoje na propriedade são 12 funcionários que garantem a produção de 70 mil vasos de flores, nos períodos de picos. “Apesar do adubo e da embalagem encarecem o produto, a nossa margem do lucro fica por conta do volume comercializado. Atualmente, o custo de produção gira em torno de R$ 2,30 e é vendido a R$ 2,60”, informa o proprietário.
Em ação conjunta
Há um ditado que diz, “a união faz a força”, e dele saem muitos frutos, ou melhor, flores. Foi o que aconteceu com a Associação de Agricultores Familiares de Holambra (AAFHOL). Há nove anos, 12 famílias se uniram para adquirir 24 mil metros quadrados de terras e as tornarem produtivas. Porém, faltava capital para investir. Foi então que com a parceria do governo federal, os associados ingressaram num programa, criado para financiar os trabalhadores rurais e toda a infraestrutura básica, ajudando na fixação do homem no campo, o chamado Banco da Terra. “A partir daí, compramos a área e dividimos as prestações entre as famílias. Hoje, a produção de flores em vaso em estufas e plantas ornamentais são as principais rendas de muitas famílias, que aqui trabalham com esposas e filhos, numa gestão bem familiar”, diz José Benedito Dainezi, o tesoureiro da AAFHOL e dono de uma das propriedades.
Aliás, o sítio de José Dainezi, Flora Diamante, possui 2,4 ha – sendo apenas 0,6 ha de área produtiva – assim como as demais da associação, toda a produção é entregue para a Cooperativa do Veiling. E o segredo para garantir mercado, diz Dainezi, é a diversificação do produto, assim como a grande parte dos associados, que totalizam mais de 400 variedades de flores e plantas ornamentais. Lá, na Flora Diamante, por exemplo, há Celosia (mais conhecida como crista de galo), Arruda, Amor-Perfeito e as “meninas dos olhos”: a Gérbera. São duas estufas e um viveiro que favorecem a produção entre dois e três mil vasos. “As variedades que hoje comercializamos são bem empregadas em paisagismo”, explica Dainezi. Porém, aponta o produtor, o caminho nem sempre são de flores. Para agilizar a produção, a família optou por adquirir mudas de parceiros, para apenas focar no desenvolvimento e na produção final. “Nesta cultura é preciso ter paciência. A gente tem de estar preparado o tempo todo para os imprevistos. Hoje, a grande dificuldade no cultivo é o alto investimento em genética e a aquisição de infraestrutura”.
Mas, há outros fatores que às vezes esbarram no caminho dos pequenos produtores. Segundo Dainezi, hoje, a maior dificuldade é ter grande produção, feito este realizado por grandes empresas. Porém, há segmentos diferenciados em que o pequeno produtor pode ingressar, principalmente, com aquelas culturas que exigem um ciclo longo. “Ao contrário das grandes empresas que mantém uma produção rápida, curta e de grande escala”, conta. “Muitas vezes, é difícil o consumidor entender o valor do preço final do produto [da flor]. Mas, a partir do momento que ele conhece um pouco mais sobre o cultivo, garanto a você que ele passa a valorizar mais o produto, o produtor e o valor pago”, explica Dainezi, que também recebe os turistas na sua propriedade, que também aderiu ao Programa Roteiro Rural, na cidade de Holambra.