A lista de doenças na lavoura de soja passa de 40 no País, e o produtor deve se pautar num manejo adequado de controle para não obter prejuízos ao bolso.
Fungos, bactérias, nematóides e vírus são os causadores das 46 doenças da cultura de soja no País. Esse número – entre outras questões relacionadas ao cultivo do grão – foi apresentado na 30ª Reunião de Pesquisa de Soja da Região Central do Brasil (RPSRCB), realizada em agosto de 2008, em Rio Verde (GO). Segundo os pesquisadores, o número continua aumentando com a expansão do grão para novas áreas e como consequência da monocultura. A importância econômica de cada doença varia de ano a ano e de região para região, dependendo das condições climáticas de cada safra.
Em termos de estimativas, as perdas anuais de produção por doenças podem girar em cerca de 15% a 20%. Algumas, entretanto, podem ocasionar perdas de quase 100%.
Nesse sentido, o estado de alerta do produtor para a ocorrência de qualquer infecção na lavoura deve ser constante. A prevenção e as medidas de controle logo no início de surgimento ajudarão no desenvolvimento da cultura e, consequentemente, nos ganhos do grão.
“Devido a grande quantidade de doenças existentes no País, e os ataques que cada uma delas faz à planta, é difícil se observar a olho nu a incidência de doenças na lavoura”, diz o pesquisador da Embrapa Soja, Ademir Assis Henning. “Há algumas que é possível ser observadas, mas o ideal é que o produtor busque sempre o auxílio de uma assistência técnica, seja de cooperativas ou particulares para uma análise de como está a lavoura. Assim como nós vamos ao médico para saber se estamos doentes, o mesmo tem de ser feito com a lavoura da soja”, aconselha.
Uma medida que ganhou muitos resultados no controle de doenças foi o vazio sanitário da soja, que se caracteriza por um período de 60 a 90 dias, sem plantas vivas dessa espécie no campo. Essa prática foi inicialmente implantada no inverno de 2006 na região dos cerrados, em Mato Grosso, Goiás e Tocantins. Com a garantia de resultados, todas as regiões produtoras de soja do País também aderiram ao vazio sanitário. O objetivo era reduzir a quantidade de infecção da ferrugem nos cultivos da safra de verão. Sem a planta, os fungos causadores das ferrugens asiática e americana, Phakopsora pachyrhizi e Phakopsora meibomiae, respectivamente, não sobrevivem, garantindo maior sanidade à safra subsequente.
Além do vazio, para a prevenção, ou redução das perdas por doenças, os pesquisadores da Embrapa Soja recomendam o uso de sementes certificadas, vindas de lavouras sadias, beneficiadas adequadamente (livre de torrões, restos de culturas e estruturas de patógenos) e tratadas com fungicidas apropriados.
O controle fitossanitário, segundo os especialistas, se baseia inicialmente em cultivares resistentes, pois se torna a forma mais econômica e – por isso – de melhor aceitação pelo agricultor. Só que para muitas doenças ainda não há variedades resistentes, como para o mofo branco, o tombamento e a podridão radicular de rizoctonia. Ou ainda, o total de cultivares resistentes é limitado, como no caso de nematóides de galhas e nematóide de cisto. Por isso, a convivência econômica com as doenças depende da ação de vários fatores dentro de um sistema integrado de manejo da cultura. Para ajudar a melhor identificá-las, e saber o procedimento adequado a cada uma, confira algumas das principais doenças da lavoura atualmente.
Doenças de final de ciclo
A mancha parda, o crestamento foliar de cercóspora e a mancha púrpura da semente (causadas respectivamente pelos fungos Septoria glycines e Cercospora kikuchii) podem causar reduções de rendimento em mais de 20%. Ambas doenças ocorrem na mesma época e, devido às dificuldades para avaliá-las individualmente, são consideradas como o “complexo de doenças de final de ciclo”.
A incidência delas pode ser reduzida por meio da integração do tratamento químico das sementes e a rotação da soja com espécies não suscetíveis, como o milho e a sucessão com o milheto. Desequilíbrios nutricionais e baixa fertilidade do solo tornam as plantas mais suscetíveis, podendo ocorrer severa desfolha antes mesmo de a soja atingir a meia grana (estádio de desenvolvimento R5.4, o qual compreende o enchimento dos grãos já na ‘metade’). Confira na tabela ‘Fungicidas recomendados para controle das doenças de final de ciclo’ as dosagens de cada produto. A ocorrência de veranico (estiagem durante a estação chuvosa, com dias de calor intenso e insolação) durante o ciclo da cultura reduz a incidência dessas doenças, não sendo preciso a aplicação de fungicidas.
Mancha “olho-de-rã”
Identificada pela primeira vez em 1971, a doença causada pelo fungo Cercospora sojina chegou a causar grandes prejuízos na Região Sul e nos cerrados. Atualmente está sob controle devido ao uso de cultivares resistentes, sendo raramente observada. Devido à capacidade do fungo em desenvolver raças (25 raças já foram identificadas no Brasil), é importante que, além do uso de cultivares resistentes, haja também a diversificação regional de cultivares, com fontes de resistência distintas.
O uso de cultivares resistentes e o tratamento de sementes com fungicidas, de forma sistemática, são fundamentais para o controle da doença e para evitar a introdução do fungo ou de uma nova raça em áreas onde a doença não esteja presente.
Oídio
Causada pelo fungo Erysiphe diffusa sin. Microsphaera difusa, desde a safra 1996/1997 a doença tem apresentado severa incidência em diversas cultivares em todas as regiões produtoras, desde os Cerrados ao Rio Grande do Sul. As lavouras mais atingidas podem ter perdas de rendimento de até 40%.
Entre os sintomas, destaca-se a cobertura de uma fina camada branca parecida como tufo ralo de algodão que pode vir a cobrir toda a parte aérea da planta (essa seria a forma visível do próprio fungo, que é denominada cientificamente por micélio). Com o tempo, a coloração branca passa para um castanho-acinzentado, dando a aparência de sujeira em ambas as faces da folha. A infecção severa compromete a fotossíntese da planta, as folhas secam e caem prematuramente, dando à lavoura aparência de soja dessecada por herbicida.
O método mais eficiente de controle do oídio é através do uso de cultivares resistentes. Nos estágios iniciais da doença indica-se usar preferencialmente o enxofre (2 quilos de ingrediente ativo por hectare). O momento da aplicação depende do nível de infecção e do estágio de desenvolvimento da soja. A aplicação deve ser feita quando o nível de infecção atingir de 40% a 50% da área foliar da planta como um todo.
Mela da soja
Ocorre principalmente em Mato Grosso, Maranhão, Tocantins e Roraima, causando reduções médias de produtividade de 30%, e pode chegar a 60%. A doença se desenvolve bem em temperaturas entre 25°C e 30°C com a umidade relativa do ar acima de 80%. Chuvas frequentes e bem distribuídas faz tão bem à lavoura quanto ao fungo. Toda a parte aérea da planta é afetada, principalmente as folhas do terço médio, surgindo inicialmente lesões encharcadas, de coloração pardo avermelhada a roxa, evoluindo rapidamente para marrom-escura a preta. As lesões podem ser pequenas manchas ou tomar toda a folha, em forma de murcha ou podridão mole.
O controle é eficiente com a adoção de medidas integradas, que envolve práticas como semeadura direta, nutrição equilibrada das plantas (com potássio, enxofre, zinco, cobre e manganês), rotação de culturas não hospedeiras do fungo, redução da população de plantas, eliminação de plantas daninhas e palhada de soja, e controle químico. A utilização de cobertura morta do solo, através do sistema de semeadura direta, é uma das medidas mais eficientes de controle.
Cancro da haste
É provocada pelo fungo Diaporthe phaseolorum var. meridionalis. Uma vez introduzido na lavoura através de sementes e de resíduos contaminados em máquinas e implementos agrícolas, o fungo multiplica-se nas primeiras plantas infectadas e, posteriormente, durante a entressafra, nos restos de cultura. Iniciando com poucas plantas infectadas no primeiro ano, a doença pode causar perda total, na safra seguinte. O clima chuvoso também favorece a disseminação dele.
Quanto mais cedo for a infecção da doença e mais longo for o ciclo da cultivar, maiores serão os danos. Em infecções tardias (após 50 dias da semeadura) e em cultivares mais resistentes, haverá menos plantas mortas, com a maioria afetada parcialmente. Dessa forma, o controle mais viável da doença se baseia no uso de cultivares resistentes a ela. Também servem de apoio o tratamento de semente, a rotação ou a sucessão de culturas, a semeadura com maior espaçamento entre as linhas e entre as plantas e adubação equilibrada.
Antracnose
É uma das principais doenças da soja nas regiões dos Cerrados, causada pelo fungo Colletotrichum truncatum. Sob alta umidade, ele causa apodrecimento e queda das vagens, abertura das vagens imaturas e germinação dos grãos em formação. O fungo também infecta a haste e outras partes da planta, causando manchas castanho escuras. A alta infestação da doença nos Cerrados é atribuída à maior precipitação e às altas temperaturas, porém, outros fatores como o excesso de população de plantas, cultivo contínuo da soja, estreitamento nas entrelinhas (35-43 cm), uso de sementes infectadas, infestação e dano por percevejo e deficiências nutricionais, principalmente de potássio, são também responsáveis pela maior incidência da doença.
O controle, nas condições dos Cerrados, só será possível através de rotação de culturas, maior espaçamento entre as linhas (50 a 55 cm), população adequada (250.000 a 300.000 plantas/ha), tratamento químico de semente e manejo adequado do solo, principalmente, com relação à adubação potássica. Não há fungicidas registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para controle da doença.
Seca da haste e da vagem
É uma das doenças mais tradicionais da soja e, anualmente, pode ser responsável pelo descarte de grande número de lotes de sementes. Os agentes causadores da doença são fungos Phomopsis ssp. O maior dano dele é observado em anos quentes e chuvosos, nos estádios iniciais de formação das vagens e na maturação, quando ocorre o retardamento de colheita por excesso de umidade. Em solos deficientes em potássio, há sério abortamento de vagens. O fungo se torna inviável com o armazenamento das sementes sob condições de ambiente. Já câmaras frias mantêm por mais tempo a viabilidade do Phomopsis sojae e de Phomopsis spp. O controle do fungo é eficiente com o tratamento de sementes.
Mancha alvo e podridão da raiz
Surtos severos têm sido observados, desde as zonas mais frias do Sul às chapadas dos Cerrados. Cultivares suscetíveis podem sofrer completa desfolha prematura, apodrecimento das vagens e intensas manchas nas hastes. Através da infecção na vagem, o fungo atinge a semente e, desse modo, pode ser disseminado para outras áreas. A infecção pode resultar em necrose, abertura das vagens e germinação ou apodrecimento dos grãos ainda verdes. A podridão de raiz causada pelo fungo Corynespora cassiicola é também comum, principalmente em áreas de semeadura direta. Todavia, severas infecções em folhas, vagens e hastes, geralmente não estão associadas com a correspondente podridão de raiz. A podridão de raiz é mais frequente e está aumentando com a expansão das áreas em semeadura direta. O controle deve ser feito por variedades resistentes.
Podridão parda da haste
De desenvolvimento lento, a doença mata as plantas na fase de enchimento de grãos. O sintoma característico é o escurecimento castanho escuro a arroxeado da medula da planta, em toda a extensão da haste e seguida de murcha, amarelecimento das folhas e frequente necrose entre as nervuras das folhas. A doença não produz sintoma externo na haste.
Observações preliminares têm indicado a existência de cultivares comerciais com alto grau de resistência na Região Sul. A doença ainda não foi constatada na Região Central do Brasil, estando restrita aos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Para evitar a introdução da doença nos Cerrados será necessária a adoção de medidas preventivas, como o tratamento com fungicidas das sementes introduzidas daqueles três estados e a limpeza completa dos caminhões, máquinas e implementos agrícolas vindos também daqueles estados. Em áreas afetadas indica-se a rotação com milho ou a semeadura de cultivares de soja que não tenham sido afetadas na região.
Podridão branca da haste ou mofo branco
É uma das mais antigas doenças da soja, ocorrendo em diversas regiões produtoras, porém merece preocupação com a expansão da soja para as regiões altas dos cerrados. Os primeiros sintomas são manchas aquosas que evoluem para coloração castanho-clara e logo desenvolvem abundante formação de micélio branco e denso. Em poucos dias, o micélio transforma-se numa massa negra e rígida, o esclerócio, que é a forma de resistência do fungo. Uma vez na lavoura, o patógeno é de difícil erradicação devido à ampla gama de hospedeiros e a longa sobrevivência dele no solo.
Como medidas de controle, recomenda-se evitar a introdução do fungo na área utilizando semente certificada livre do patógeno; em campos de produção de semente, caso a doença esteja bem difundida, é preciso condená-lo para a produção de sementes; porém, se a doença estiver localizada em baixadas, deixar 15 metros de bordadura colhendo apenas o restante do campo para semente; acompanhar o beneficiamento da semente passando pela pré-limpeza (máquinas de ar e peneira), separador espiral (para remover os esclerócios) e finalmente pela mesa de gravidade ou densimétrica (acabamento). Se mesmo assim, durante o exame de pureza, no laboratório, for constatada a presença e um esclerócio em 500 gramas de semente, o lote deverá ser condenado como semente. Além de todos esses cuidados, semente proveniente de campos suspeitos, ou com a presença de mofo branco, devem obrigatoriamente ser tratadas com mistura de fungicidas (de contato associado aos sistêmicos) contendo benzimidazóis (thiabendazole, carbendazin ou tiofanato metílico). Em áreas de ocorrência da doença, fazer a rotação ou sucessão de soja com espécies não hospedeiras como milho, aveia branca ou trigo; eliminar as plantas hospedeiras do fungo; fazer adubação adequada; aumentar o espaçamento entre linhas, reduzindo a população ao mínimo recomendado, para evitar o acamamento e facilitar a ventilação e a penetração dos raios ultravioletas do sol.
Nematóides de galhas
O gênero de nematóide Meloidogyne compreende um grande número de espécies. Entretanto, M. incognita e M. javanica são aquelas que mais limitam a produção de soja no Brasil. Nas áreas onde ocorrem, observam-se manchas em reboleiras (áreas de plantas mortas) nas lavouras, onde as plantas de soja ficam pequenas e amareladas. As folhas das plantas afetadas apresentam manchas cloróticas (amareladas) ou necroses entre as nervuras. Às vezes, pode não ocorrer redução no tamanho das plantas, mas, por ocasião do florescimento, nota-se intenso abortamento de vagens e amadurecimento prematuro das plantas atacadas. Em anos de veranicos, na fase de enchimento de grãos, os danos tendem a ser maiores. Nas raízes das plantas atacadas observam-se galhas em números e tamanhos variados, dependendo da suscetibilidade da cultivar de soja e da densidade populacional do nematóide.
Para culturas de ciclo curto como a soja, todas as medidas de controle devem ser executadas antes da semeadura. Ao constatar que uma lavoura de soja está atacada, o produtor nada poderá fazer naquela safra. Todas as observações e todos os cuidados deverão estar voltados para os próximos cultivos na área. O primeiro passo é a identificação correta da espécie de Meloidogyne predominante. Com essa informação se traçará um programa de manejo adequado.
As medidas de controle mais eficientes são a rotação ou sucessão com culturas não ou más hospedeiras e a utilização de cultivares de soja resistentes. Se a espécie M. incognita for a predominante, podem ser semeados o amendoim ou milho resistente. O método de controle mais econômico, barato e de fácil assimilação pelos agricultores é o uso de cultivares resistentes.
Nematóide de cisto
É uma das principais pragas da cultura. O agente Heterodera glycines penetra nas raízes da planta de soja e dificulta a absorção de água e nutrientes, o que acarreta porte e número reduzido de vagens, clorose e baixa produtividade. O sistema radicular (raízes) fica reduzido e infestado por minúsculas fêmeas do nematóide. Após ser fertilizada pelo macho, cada fêmea produz de 100 a 250 ovos, armazenando a maior parte deles no corpo. Quando morre, o corpo dela se transforma numa estrutura dura, um cisto, cheio de ovos, resistente à deterioração e à dessecação e muito leve, que se desprende da raiz e fica no solo.
O cisto pode sobreviver no solo, na ausência de planta hospedeira, por mais de oito anos. Assim, é praticamente impossível eliminar o nematóide nas áreas onde ele ocorre.
As estratégias de controle incluem a rotação de culturas, o manejo do solo e a utilização de cultivares de soja resistentes, sendo ideal a combinação dos três métodos. O uso de cultivares resistentes é o método mais econômico e eficiente, porém, seu uso exclusivo pode provocar pressão de seleção de raças, devido à grande variabilidade genética do parasita.
Nematóides das lesões radiculares
O Pratylenchus brachyurus está bem disseminado no País, contudo, quase não existem estudos sobre os efeitos do parasitismo dele em outras culturas. No caso da soja, especialmente no Brasil Central, as perdas têm aumentado muito nas últimas safras. O nematóide foi beneficiado por mudanças no sistema de produção e a incorporação de áreas com solos de textura arenosa (índice maior de 85% de areia).
O comportamento das cultivares brasileiras de soja em áreas infestadas não tem indicado a existência de materiais resistentes ou tolerantes. Todavia, avaliações em casa-de-vegetação têm mostrado que as mesmas diferem muito com relação à capacidade reprodutiva do parasito. Cultivares com fator de reprodução (FR) menor, ou seja, que limitam a multiplicação dos nematóides, são as mais indicadas para semeadura em áreas infestadas. Considerando que na maioria das lavouras afetadas, normalmente, as populações do parasito são muito elevadas, o uso da cultivar de soja mais resistente deve ser sempre precedido de, pelo menos, um ano de rotação com uma espécie vegetal não hospedeira, como espécies de Crotalária, uma planta que serve na adubação e fixação de nitrogênio no solo.