Agricultura

Tomate: o lado negro da mosca branca

Lavouras de tomate são atacadas pelo inseto que pode transmitir virose, proliferar fungos, prejudicar frutos, folhas e o rendimento da lavoura. Entre as diversas pragas encontradas nas lavouras brasileiras uma muito conhecida é a mosca-branca, que está presente em diversas culturas importantes como soja, feijão, algodão e no tomate.

Nesta última, o problema se agrava porque o inseto é o vetor do geminivírus, uma virose que pode deixar a planta improdutiva, afetando o desenvolvimento do pé e dos frutos, podendo até matá-la. A mosca-branca, denominada biótipo B, tira o sono dos produtores desde 1991, ano em que chegou ao País, por possuir uma genética diferente da mosca-branca, biótipo A.

A espécie do tipo B se desenvolve muito mais rápido e é mais resistente aos produtos químicos. Este biótipo pode ter um ciclo de vida completo (ovo, eclosão, desenvolvimento e reprodução) em apenas 10 dias, caso o clima esteja apropriado: temperatura alta e umidade relativa do ar baixa. Já o frio e a alta umidade podem triplicar o ciclo da mosca, se estendendo por um mês, mas ainda assim é considerado um período curto de reprodução. “Na verdade, a temperatura é mais importante do que a umidade do ar. Por isso que no Sul do País os produtores não sofrem com a mosca, mesmo em locais mais secos”, explica Tiago Teodoro Alcântara, engenheiro agrônomo da Agristar, empresa produtora de sementes.

O problema da mosca-branca atinge as três maiores regiões produtoras de tomate do Brasil em área, o Sudeste, o Centro-Oeste e o Nordeste. Segundo dados de 2008, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção do Sudeste ficou em 1.442.780 toneladas (t) em 22.442 hectares (ha), e a do Centro-Oeste, em 835.988 t em 10.486 ha. Juntas, as regiões produzem mais de 67% do total no País, que é estimada com um total de 3.356.456 t em 56.275 ha. Já o Nordeste sofre muito com o inseto devido ao clima quente e seco, como mostram os números do IBGE: em 12.878 ha de terra plantados, foram colhidas 517.453 t, enquanto na Região Sul foram colhidas 552.161 t em 9.440 ha.

Os cinco estragos da mosca-branca

Além de ser vetor do geminivírus, uma virose que ataca o tomateiro, a mosca-branca injeta um uma toxina ao se alimentar do fruto, que pode causar o surgimento de fungos na parte externa e uma isoporização [consistência de um isopor] de parte do interior do fruto. O mesmo fungo pode aparecer na folha quando o inseto se alimenta da folha. O quinto problema que a mosca-branca traz ao pé é a concorrência ao se alimentar da seiva do tomateiro.

As moscas podem causar danos diretos e indiretos ao tomate, e a ação como vetor do geminivírus é considerada a pior. Caso o inseto se reproduza com outro que possui o vírus, ele o contrai e acaba passando para o seu descendente também. “O ciclo de vida é muito rápido e a transmissão entre os insetos e as plantas também é muito facilitada, o que torna a propagação muito rápida”, afirma Alcântara. Quando o inseto se alimenta da folha, ele pode transmitir ou ser infectado, dependendo de quem hospeda o vírus, tornando a transmissão muito fácil.

A partir do momento em que a planta é infectada pelo vírus, ela se torna extremamente vulnerável a qualquer outra doença. “Podemos fazer uma comparação ao que o HIV causa no ser humano. A pessoa soropositivo fica muito mais debilitada e a chance de adoecer é muito maior se comparado a de uma pessoa saudável. Além disso, ao adoecer, a planta não possui força suficiente para combater a doença”, explica o agrônomo.

Para a engenheira agrônoma da Embrapa Hortaliças, Geni Litvin Villas Bôas, o germinivírus é o maior problema do tomateiro. “A vulnerabilidade da planta é muito ruim, porque assim ela pode contrair diversas enfermidades e a sua produção ficará comprometida”, explica.

Pior do que contrair a doença durante o desenvolvimento, é contrair o vírus nos primeiros 30 dias após ser plantada na lavoura. “Essa é a época mais crítica para o tomateiro. Caso a planta seja infectada pelo vírus, ela pode até morrer, ou, no mínimo, acaba produzindo muito pouco”, explica a engenheira agrônoma da Embrapa Hortaliças. “Nós falamos que a planta ‘trava’. Ela simplesmente não cresce, não se desenvolve e nem produz tomates”, explica Alcântara, da Agristar.

Passados os primeiros 30 dias, a planta que contrair o vírus apresentará deficiências na produção, diminuindo da quantidade e do tamanho dos frutos. “Percebe-se que as folhas do pé ficam amareladas e encarquilhadas devido à ação do geminivírus”, aponta Alcântara, da Agristar.

Além de vetor de vírus, a mosca também atrapalha a lavoura de tomate de diversas formas. Como o inseto se alimenta da seiva da planta, ele se torna um concorrente por alimento, diminuindo a produtividade do pé. Outro problema sério é quando o inseto se alimenta do próprio tomate. “Ao se alimentar, a mosca-branca libera uma toxina no interior do fruto e a região acaba ficando ‘isoporizada’, ou seja, não amadurece, ficando verde”, explica Villas Bôas. Esse tipo de ataque leva grande prejuízo aos produtores que destinam os frutos às indústrias processadoras, porque para se fazer os molhos de tomate e produtos industrializados, como o ketchup, os frutos precisariam estar bem vermelhos, o que não acontece com a região afetada pela mosca.

Além de deixar a região isoporizada, a toxina favorece a proliferação de um fungo, conhecidamente como Fumagina. Ele deixa a região externa do fruto preta e apesar de não ser impróprio para o consumo, deixa o tomate com baixo valor comercial.

O mesmo fungo pode surgir no pé do tomateiro, quando a mosca libera a toxina ao se alimentar das folhas. Quando o fungo se desenvolve, acaba bloqueando a capacidade de absorção da luz solar, evitando a fotossíntese pela folha.

Controle

Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos produtores para controlar a praga é que existem mais de 500 hospedeiras possíveis e, entre elas, a erva daninha. “A soja é hospedeira, o algodão também, então a mosca acaba mantendo o ciclo de vida facilmente porque sempre há uma lavoura próxima”, afirma Tiago Alcântara. Uma forma de combate é eliminar todos os restos culturais após a colheita dos tomates. “Se o produtor conseguir destruir as ervas daninhas e não deixar o pé na lavoura, é o melhor que ele pode fazer para quebrar o ciclo e destruir os hospedeiros do vírus”, explica. A forma mais indicada é queimar os restos culturais, assim a mosca e o geminivírus só apareceriam na próxima safra se fossem levados pelo vento.

Após anos de prejuízos às lavouras brasileiras, o governo federal instituiu a medida normativa nº 24, em 2003, que obriga os produtores a deixarem a lavoura sem produção durante dois meses, na tentativa de quebrar o ciclo da mosca e diminuir significativamente a população do inseto.

Mas a maneira mais indicada para controle é o uso de produtos químicos. “Não há outra forma a não ser usando defensivos. Mesmo utilizando inseticidas, as moscas continuam na lavoura, então se não usasse seria bem pior”, explica Villas Bôas. “Tem muita lavoura que tem de andar de boca fechada, porque senão você acaba engolindo diversas moscas”, comenta Alcântara. Fator importante é a rotatividade dos produtos químicos para que a mosca-branca não se torne resistente a nenhum princípio ativo.

Outro fator importante é a utilização de variedades híbridas, que apresentam maior resistência ao vírus. “Os grandes produtores só utilizam variedades híbridas, mas continuam utilizando os defensivos, porque não existe nenhuma que tenha 100% de resistência. A Embrapa está elaborando uma variedade mais resistente, mas isso ainda deverá demorar cerca da dois anos”, explica a engenheira agrônoma da Embrapa Hortaliças. Tiago Alcântara concorda com Villas Bôas na utilização dos híbridos e comenta uma antiga crença. “Nem todos os produtores utilizam híbridos porque os primeiros que foram lançados no mercado não apresentavam boa produtividade, mas hoje não há comparação ao analisar lavouras com sementes híbridas e as convencionais. Percebe-se que a planta híbrida é maior e possui, no mínimo, a mesma quantidade de frutos que a convencional”, explica.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *