Confinar bois sem volumoso, com baixo consumo alimentar e ainda obter ganho de peso privilegiado e rendimento de carcaça: isso é possível?
Uma pesquisa realizada e comprovada pela empresa goiana Agrocria, de nutrição animal e sementes, em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG) e a Universidade São Marcos, de São Paulo, provou que é possível confinar oferecendo uma dieta sem volumoso, com excelente ganho de peso a um custo baixo. Um sonho de dez entre dez pecuaristas.
Divulgado em março deste ano, a pesquisa validou uma técnica pouca explorada no País: a utilização da dieta de alto concentrado para confinamento. O estudo, que faz parte da tese de doutorado de Hélio Lourêdo, da Escola de Veterinária da UFG, reuniu uma equipe de técnicos para por em xeque-mate as antigas questões relativas à cadeia produtiva da carne.
O experimento realizado na Fazenda Barreiro, localizada no município de Silvânia (GO), reuniu 24 machos Nelore, com 30 meses de idade e peso inicial de 360 quilos (kg), em baias cobertas. Divididos em grupo, os animais receberam dietas diferenciadas (em um período de 90 dias cada um), todas sem volumoso. Como resultado: ganho de peso médio de 1,8 quilo por animal por dia (kg/cabeça/dia) e excelente conversão alimentar (5 kg de matéria seca por quilo de peso vivo).
Das dietas, a equipe conseguiu selecionar três tipos: dieta 1, exclusivamente à base de sorgo moído, caroço de algodão, casca de soja e núcleo peletizado (complemento alimentar fonte de proteínas, vitaminas e sais minerais); dieta 2, contendo esses ingredientes mais 11% de bagaço in natura de cana (BIN); e, dieta 3, composta por 85% de milho-grão inteiro mais 15% de núcleo peletizado. Por fim, a que apresentou resultados excelentes foi a dieta 3, pois apresentou maior ganho de peso: 1,83 kg/cabeça/dia contra 1,37 kg/cabeça/dia do lote tratado com a dieta 1, e 1,80 kg/cabeça/dia dos animais tratados com a dieta 2.
Como toda a dieta, em que há riscos de distúrbios digestivos e que requer bastante cuidado no período de adaptação, o comportamento digestivo dos animais foi observado durante o experimento para avaliar o tempo gasto na ruminação, que funciona como medida efetiva da dieta. Segundo os especialistas, nas dietas de alto concentrado, a oferta de fibra aos animais é fundamental. Por isto, os técnicos ofereceram ao gado fontes de fibras que favoreceram a mastigação, pois ao mastigar o animal produz saliva, um protetor natural do rúmen, que ajuda a evitar a acidose. “Durante a pesquisa, uma das dificuldades em oferecer a dieta sem volumoso foi à adaptação”, explica o médico veterinário Flávio Castro, diretor técnico da Agrocria. “Um boi que está no pasto comendo uma alimentação à base de celulose, mantém no rúmen microrganismos essenciais para a sua digestão. Ao modificar esta dieta, o animal refuga o cocho, pois o rúmen dele não está adaptado. O seu sistema digestivo, até então é regulado para o preenchimento total do rúmen. No experimento, levamos os animais para o pasto, oferecemos braquiária no período de adaptação, entre 15 a 20 dias, com a finalidade de o animal mudar aos poucos à dieta. Oferecemos também ração (com consumo de 1,2 a 1,4% do peso vivo do animal) e durante a adaptação, o pasto acabou e o boi já estava comendo a dieta, sem volumoso”, destaca Flávio.
No sistema, os animais são mantidos a pasto com lotação de 30 a 40 cabeças por hectare. O objetivo da alta taxa de lotação é permitir a disponibilidade de forragem, apenas durante a adaptação dos animais à nova dieta. Após o período, os animais permanecem no pasto (piquete) ou em currais de confinamento. A partir daí, é importante ressaltar que não haverá mais forragem disponível. Com isto, são feitos dois tratos diários e o consumo de alimento gira em torno de 8,5 kg/cab/dia (2% de peso vivo) da nova dieta.
Com esta nova pesquisa, os especialistas provaram que o milho-grão, além de ser uma boa opção para a engorda no confinamento, é uma dieta democrática, por sua disponibilidade no mercado em relação aos outros produtos, como bagaço de cana ‘in natura’ e pelo baixo preço. “O experimento mostra que é possível oferecer dietas com alto concentrado, do tipo ‘alto grão’, como o milho. Nesta opção, o custo dependerá do preço do grão no mercado, que ainda assim é vantajoso”, explica o responsável pela pesquisa, Hélio Lourêdo.
Opção economicamente viável
Para a equipe técnica, a vantagem desta dieta é propiciar de vez, que dez entre dez pecuaristas adotem o sistema. Além dos resultados positivos em termos de ganho de peso e conversão alimentar, o confinamento a pasto (como ficou conhecida a pesquisa) requerer pouca estrutura. “Essa é a alternativa viável para o pequeno, o médio e o grande criador, e apresenta inúmeras vantagens. Uma delas é que não há a necessidade de grande volume de mão-de-obra, implementos e máquinas, o que facilita a adoção por parte dos pecuaristas. A nossa intenção é criar também opções para os produtores, especialmente em regiões onde há pouca disponibilidade de volumoso. A mistura da dieta total também é prática. É claro, que necessita de apoio técnico para não haver contratempos”, diz Lourêdo.
Em relação aos custos, o experimento aponta que no confinamento convencional, o pecuarista gasta em média até R$ 300 reais por animal. “Neste sistema que nós chamamos de confinamento a pasto, o produtor não precisa de grandes estruturas para confinar. Se o pecuarista quiser começar a confinar agora, ele pode. Então, o que ele precisa? Milho, e em algumas regiões com vocação agrícola, é mais barato. A mistura, que pode ser feita com uma simples pá e colocada no cocho e oferecer água. Este sistema é muito bom e está acessível para qualquer um. O custo é baixo”, diz o médico veterinário, Flávio Castro.
No confinamento a pasto, o pecuarista pode: 1) confinar no piquete, acima de 26 cab/ha em média; 2) confinar em currais próprios com 25 cm de cocho, por cabeça; 3) obter lotes uniformes com bom desempenho e acaba-mento adequado. “Muitos perguntam se estamos fazendo o semiconfinamento. Nós, não estamos fazendo. No semiconfinamento são utilizados de um a dois bois por hectare, onde existe pasto disponível o tempo todo. É oferecido de 1,3% de concentrado e a ração é farelada. O ganho de peso em médio é de 700 a 900 gramas”, explica Castro. “No confina-mento a pasto, é possível confinar 40 animais, ou seja, 20 bois a mais por área, com a intenção que a forrageira acabe, já em 20 dias, e a taxa do consumo do milho aumente. No sistema, os animais também comem 2%, sendo que o milho é inteiro e o ganho de peso é em média de 1,7 entre 1,8 kg. Quer resultado prático e melhor que este?”, indaga Flávio Castro.
Tira Teima
Durante o experimento foram confinados um lote de 60 bois em um período de 70 dias. Os animais entraram pesando 360 kg e após 84 dias (um período até maior ao convencional), com a dieta de alto grão, a média chegou a 480 kg. “Os números poderiam ser maiores uma vez que as chuvas de março atrapalharam a engorda”, diz o médico veterinário, Flávio Castro.
Em média foram 40 bois por hectare, com uma média de ganho de peso de 1,8 kg/cab/dia. No semiconfinamento, os animais alcançam 1,5 kg/cab/dia. “É normal dentro deste sistema, ver as forrageiras brotando e o gado não come. À primeira vista o pasto está rasteiro, mas percebemos na pesquisa que a pastagem está feia devido ao pisoteio dos animais. Outra dúvida é quanto a este pisoteio, o receio dos produtores é que acabam matando o pasto. Durante a pesquisa provamos que as fezes e urina funcionam como adubos orgânicos. Após 21 dias, a pastagem está vistosa novamente”, conta o médico veterinário, Flávio Castro.
A Revista Rural viajou a convite da Agrocria para realizar a reportagem e conhecer o projeto.