O Brasil poderia lucrar 54% a mais com o couro do gado se a cadeia incentivasse o produtor a ter mais atenção com a pele do animal.Além de maior criador de gado, o Brasil é o País que mais desperdiça dinheiro por não se preocupar em cuidar da pele do rebanho.
Estima-se que o País deixa de faturar US$ 1 bilhão por ano devido aos defeitos nas peles dos animais. O que muitos pecuaristas não sabem é que, em algumas situações, o cuidado com essa parte externa significa não só melhor couro, mas também maior ganho de peso. Em um País onde existem cerca de 200 milhões de cabeças de gado, e que exportou, em 2008, US$ 5,3 bilhões em carne bovina, poderia arrecadar muito mais com a pele do animal.
Em 2008, o volume recebido com as exportações do couro brasileiro foi de US$ 1,85 bilhão. Isso significa que o Brasil poderia lucrar 54% a mais com a atividade caso fosse dada mais atenção à qualidade da pele do rebanho nacional. Um dos motivos da falta de preocupação com o assunto é a ausência de incentivo dos frigoríficos. “Se eu levar um animal sem nenhuma marca de carrapato para o abate, o frigorífico não paga nada a mais por isso. Então não vale a pena eu me preocupar durante toda a criação para chegar na hora e não ser recompensado”, afirma Issao Iguma, pecuarista da Fazenda Continental, de Mato Grosso do Sul.
Grande parte das marcas nos animais provenientes de arranhões em arame farpado, batidas em troncos e o próprio manejo dos animais com varas – em alguns casos, pontiagudas – feitos pelos peões podem prejudicar a engorda. “Não há necessidade de estressar o animal, quanto mais tranquilo for o manejo, melhor. Muitas vezes, uma ripa quebrada pode estar machucando os animais”, explica Mariana de Aragão Pereira, pesquisadora da área de couros da Embrapa Gado de Corte, em Campo Grande (MS). “Na verdade, o maior problema no Brasil é a marcação do animal com ferro quente em locais indevidos”, destaca Pereira. Tradicionalmente o brasileiro faz a marcação no lombo do boi, mas segundo os especialistas, o local ideal seria nas patas abaixo de uma linha imaginária da barriga. Outros locais possíveis são o cupim e a cara. Já outro método seria usar os brincos.
Além da pele, esse manejo incorreto com o animal também prejudica a carne. “No frigorífico, antes da pesagem é retirada toda parte de carne que apresenta algum tipo de marca e é claro que se tira um pedaço grande devido a um pequeno pedaço de carne marcada”, explica Renato Andreotti, pesquisador da Embrapa Gado de Corte.
E não é só no momento do abate que o pecuarista leva o prejuízo. Além do estresse, os problemas com parasitos interferem no crescimento e na engorda do animal, já que sem esses agentes a engorda tem melhor resultado. “Se você for na fazenda conversar com o peão, ele sabe te dizer exatamente como deve ser feita a lida do gado para não marcar o couro. Mas ele não faz da maneira certa e nem mesmo o patrão exige isso”, afirma Andreotti, que atualmente desenvolve um trabalho sobre os carrapatos.
O rastro deixado por esses parasitos e enfermidades sobre a pele do boi é o outro grande problema. Pode ocorrer por berne, mosca-do-chifre, carrapato, dermatite, sarna, piolho e bicheira. Nas três primeiras (berne, mosca-do-chifre e carrapato), as lesões se fecham após tratamento do animal, mas é uma marcação permanente que acompanhará o gado até o momento do abate. Já no caso da bicheira é pior, porque uma vez que a ferida é aberta, nunca mais se fecha.Recompensa no mercado O primeiro frigorífico a iniciar um programa de remuneração aos pecuaristas que cuidam da pele do gado foi o Independência. “No ano 2000 nós vimos a necessidade de melhoria de qualidade do couro e sabíamos que a saída seria premiar o pecuarista pela qualidade”, conta Adriano Resende, gerente corporativo de mercado de couro do Independência. “Então criamos um mecanismo que nos possibilita saber a qual produtor pertence cada animal abatido e assim o couro recebe uma qualificação e consequentemente uma premiação”, destaca.
A classificação é dividida em oito categorias. De 1ª a 7ª, mais a “R” (refugo). “Em nossos registros temos o couro da 4ª linha com pouquíssimos casos. Da 5ª somam 20%. Da 6ª e 7ª com 30%. Os “R’s” são mais 20%”, explica Resende. Apesar de parecer muito pouco, o gerente do frigorífico garante que houve mudanças nos pecuaristas para buscarem melhorar a qualidade na pele dos animais. “Nesses nove anos, nós percebemos que os pecuaristas que sempre abateram com o Independência procuraram melhorar o controle de parasitos nos rebanhos para que atinjam melhores premiações no couro. E eles acabam recebendo melhores resultados na engorda do animal também, já que cresce mais saudável. Além do controle parasitário, também passam a marcar o boi nas áreas que não prejudicam o couro”, afirma.
O frigorífico possui uma equipe técnica para auxiliar os fazendeiros a evoluírem no trato do gado. O curtume do Independência tem capacidade para trabalhar com 10 mil peças por dia, produzindo 50% de wet-blue (a pele que passou apenas pela primeira etapa da industrialização) e 50% semi-acabado. “A ideia ao criar a premiação também foi de conseguir um couro de melhor qualidade e assim ter um diferencial no mercado”, explica Resende, que garante que a média de pagamento por cabeça era de R$ 3,50. Agora, a empresa reajustou a tabela e esse número deve cair, mas os pecuaristas continuarão recebendo pela qualidade da pele do animal.
Combate mais eficiente ao carrapato A unidade da Embrapa Gado de Corte, de Mato Grosso do Sul, realiza uma pesquisa que abrange as oito bacias leiteiras do estado para auxiliar o produtor no combate ao carrapato. “A idéia é que no futuro se deixe de usar toda essa química usada hoje em dia no tratamento de carrapatos e passe a ser adotado o controle por meio de vacina, medicamentos fitoterápicos, bactérias, fungos e tecnologias que ajudam parcialmente como rotação de pastagens”, explica Renato Andreotti, que comanda a pesquisa.
Atualmente uma equipe de 50 técnicos está dividida em 50 municípios para coletar amostras de carrapatos e enviar a sede para análise laboratorial. Elas serão avaliadas e deverá identificar qual o tratamento deve ser realizado para melhor combater o problema na propriedade. “Quando se faz o controle químico, você está selecionando carrapatos que são resistentes e em cinco ou seis anos você acaba tendo carrapatos muito resistentes. A nossa idéia é constatar a qual substância química o carrapato está resistente e sugerir um outro medicamento”, explica Renato Andreotti, pesquisador da Embrapa Gado de Corte.
Os carrapatos não afetam apenas a pele do animal, eles também podem causar outras doenças como a tristeza parasitária bovina e a entrada de larvas pelos orifícios. Como o período mais favorável ao desenvolvimento dos carrapatos está chegando, que é a seca, o produtor pode entrar em contato com os pesquisadores para que seja feita a pesquisa na propriedade. O trabalho da Embrapa não foca exclusivamente o rebanho leiteiro de Mato Grosso do Sul, pecuaristas de gado de corte de qualquer parte do Brasil poderão ser atendidos pela equipe, basta entrar em contato pelo site www.carrapatos.cnpgc.embrapa.br.