Todos os indicadores econômicos apontavam para que o Brasil, em outubro de 2005, se consolidasse como forte produtor e exportador de lácteos, mas a alta taxa de juros, o câmbio desfavorável, distorções na cadeia produtiva do leite e as tímidas presenças governamentais – que dão apoio à comercialização – levaram o segmento à nova crise.
Os bons resultados alcançados pela cadeia produtiva do leite em 2004, quando o País, pela primeira vez foi superavitário na balança comercial, levaram os produtores a investirem na melhoria dos índices de produtividade, produção e qualidade do leite, o que gerou expectativa para o ano seguinte.
Em 2008, coincidência ou não, este mesmo cenário se repete. Os produtores de leite reagiram com precaução à alta dos preços da commodity e não estavam dispostos a perder a chance de se consolidar com os ganhos acumulados em 2007. E apesar de terem apostado no aperfeiçoamento da sua atividade, gerando resultados positivos para a balança comercial, eles enfrentam, neste segundo semestre de 2008, uma crise de preços pagos pelo leite, extremamente baixos. Porém, se somado a crise financeira mundial que para alguns já chegou ao campo, e a incoerência de atuação de alguns elos da cadeia, a produção leiteira em algumas regiões, como no Sul do País, entrou em colapso.
Os preços do leite chegaram instáveis na entressafra (período que vai de abril a outubro) e na época que coincidiu com a crise financeira mundial. E até o momento há dúvidas sobre a manutenção dos preços pagos ao produtor. Sendo assim, as vendas de lácteos ainda alimentam a esperança de que seja mantido o equilíbrio do mercado e, com ele, a capacidade para que muitos continuem investindo na melhoria e no aumento da produção.
De acordo com especialistas do setor, mesmo com previsões de baixa nos preços do leite, até agora os valores médios foram os melhores de anos recentes, o que animou os produtores a investirem. Na opinião do presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite, Jorge Rubez, a crise do mercado financeiro poderá atingir o mercado de leite, porém, em menor proporção se comparado às outras cadeias produtivas. Uma vez também que os produtores dependem muito mais do mercado interno. “Infelizmente, exportamos hoje apenas 3% da produção nacional de leite. O que aconteceu neste ano é que acenaram para o produtor que ele podia elevar a produção, isto ocasionou um aumento da produção em 16% no primeiro semestre, sendo que o consumo caiu 7,8%. Uma das causas da queda do consumo foi provocada pela inflação de outros alimentos, como arroz e feijão. Deve-se lembrar que o leite concorre com outros tipos de alimentos. Isto prejudicou o pecuarista que começou a desacelerar a sua produção”, diz.
De acordo com Rubez, neste momento, existem dois problemas internos, mais agravante e que sempre atingiram o produtor de leite, que sofre rapidamente a qualquer movimentação do mercado. “O primeiro, é a falta de dinheiro, ou seja, crédito para quem realmente necessita. O crédito rural funciona bem, mas na prática não chega a quem mais precisa, nestes momentos”, argumenta. O segundo, de acordo Jorge Rubez, é que há vários programas direcionados ao produtor, porém, faltam recursos e investimos para que estes projetos cheguem até as mãos de todos.
Já na opinião do membro do Conselho Diretivo da Associação Brasileira dos Criadores do Gir Leiteiro, Eduardo Falcão, a tal comentada crise financeira mundial é especulativa. Para ele, hoje o produtor sofre muito mais com o mercado interno. “No segundo semestre, o que ocorreu foi um decréscimo no preço do leite pago ao produtor. Isto acontece todos os anos, no período de safra e entressafra. O que vimos é que muitas vezes pode ser especulação das próprias indústrias querendo baixar o preço e querendo obter um lucro maior, arrecadar com a sobra do produto. O leite tirado hoje tem que ser comercializado hoje, por isso, o produtor não sabe o preço que a indústria pagará. Acredito que deveria haver uma união dos produtores para estabelecer a venda de forma coerente”, conta ele. “Neste momento, com o aumento do dólar, o produtor reduzirá o custo de produção e, conseqüentemente, produzirá com maior eficiência”, acentua Falcão.
Pontos Semelhantes
O diretor executivo da AgriPoint Consultoria, participante do Conselho Administrativo da Láctea Brasil e coordenador do site MilkPoint, Marcelo Pereira de Carvalho, lembra que há algum tempo o preço do leite estava “ladeira abaixo”, mas que nos últimos meses o preço estava melhorando e chegou a custar mais de R$ 1,00, o litro. “As baixas ofertas mundiais, temperadas por uma demanda, trouxe um aumento significativo da produção interna, em comparação ao ano passado. O momento era positivo e talvez o melhor da história. Porém, houve excesso de oferta no mercado e os preços caíram atingindo de US$ 4,3 mil para US$ 2,5 mil. Com a forte retração de preços, os custos não acompanharam e o produtor colocou o ‘pé no freio’”, garante.
Para Carvalho, o mercado interno enfrenta situações distintas e talvez a mais agravante à crise externa. “Quando chegamos no assunto de preços pago ao produtor, as expectativas são de preços menores, na faixa de 70 a 60 centavos de real por litro, com pouca retração de oferta. Já no Sul do País e em Minas Gerais, os preços caem mais, devido ao excesso de produção. Como estes produtores tem dificuldades para ingressarem em outros mercados, como São Paulo, por causa de políticas estaduais, resulta em preços pagos muito baixos”, avalia. “No Sul, ainda tivemos também problemas com a Argentina que ingressou fortemente no mercado brasileiro. Mas, este não foi o fator determinante para prejudicar o produtor brasileiro. Em contrapartida, este contou com a alta do dólar, que o auxiliou a reduzir esta demanda de produtos estrangeiros”, comenta.
Na opinião do diretor será um ano difícil. “Ninguém sabe dimensionar sobre a crise. O impacto no setor lácteo poderá ser menor, sim. Os preços poderão se regularizar. Entretanto, neste momento é preciso ter cautela. Será um ano que não permitirá grandes vôos para o produtor, que deverá otimizar custos”, argumenta.
Produtor de leite há 11 anos, com fazenda na região de Leopoldina (MG), Enismar Evangelista de Resende detém um plantel de 80 fêmeas, entre vacas holandesas e Jersey-holandesas, das quais produzem cerca de 1,6 mil litros por dia. Ele calcula que recebeu, no primeiro semestre deste ano, 0,76 centavos de real por litro, valor maior que o obtido no ano anterior. “Mas agora o mercado está ruim, por causa desta crise, mas a perspectiva e que nos próximos 60 dias, os preços melhorem. Esperamos receber mais do que R$ 0,50 centavos, que nos pagam hoje. Já estamos com isto fazendo as nossas economias, reduzindo custos, empregados e ficando no limite para produzir”, comenta o produtor.
Ponto de vista das indústrias
As indústrias também dão o tom da conversa quando o assunto é a crise financeira. “Nós, como empresa, acreditamos que o mercado poderá melhorar nos próximos meses”, diz o consultor comercial da Sulinox Ordenhadeiras, Jorge Leite.
O consultor é otimista sobre o futuro do mercado lácteo, perante a crise. “O mercado leiteiro está recessivo, contraiu-se um pouco devido à crise financeira, o ano político e somando-a isto, as verbas destinadas aos bancos ainda não vieram e o nosso público que é o produtor rural ficou na pendência dos financiamentos. Mas, prevemos uma reviravolta neste processo o produtor poderá retomar seus investimentos”, argumenta. “Hoje, o produtor investe pouco e com cautela”, acentua Leite.
Para Fernando Falco, diretor executivo do Grupo Vigor, a crise financeira não demonstrou sua potencialidade no mercado lácteo. Segundo ele, em 2007 os produtores brasileiros viveram situações atípicas. “Aconteceram grandes adequações no setor. Grandes empresas adquiriram outras de portes menores, surgindo até novas fusões no mercado lácteo. Os preços do leite e o maior poder de compra dos consumidores criaram um cenário favorável para o produtor. A Nova Zelândia e Austrália, grandes produtores de leite, tiveram no ano uma oferta muito baixa, devido à seca daqueles países, o que propiciou uma demanda maior de produto para o mercado”, conta.
Segundo Falco, as empresas como o Grupo Vigor, que atua no setor de lácteo e alimentício, continua com a previsão otimista de crescimento. “O poder aquisitivo dos consumidores para bens duráveis já se vê numa queda acentuada. Perante a situação, muitas empresas tentam reduzir os seus custos. Mas, na questão de consumo alimentício acreditamos que não haverá redução significativa”, conta. De acordo com ele, o que falta neste período é apenas uma organização interna do setor agropecuário. Mas, segundo suas previsões, mesmo diante do cenário desfavorável, a produção nacional poderá crescer. “Uma vez que o País apresenta condições favoráveis. Algumas cadeias produtivas poderão lucrar com a alta do dólar, no caso da exportação. Por outro lado, o produtor pode se adequar barateando o custo de produção, para ter o retorno justo, principalmente o produtor do Sul do País”.
O diretor executivo aposta que como sua produção é constante, o efeito da recessão ainda não foram sentidos entre os produtores. “O problema já vinha acontecendo, o leite sobrou no mercado interno, derrubando o preço do litro”, menciona. Falco acredita que como a soja e o milho têm impacto grande no custo do leite a longo prazo o pecuarista também terá o seu custo de produção reduzido. Outro ponto é que o consumo de leite e derivados no País, em comparação aos outros países, ainda é pouco, o que reduz o aproveitamento do leite que sobra no mercado, o que impediria a baixa de preços.