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Cooperativismo: a mãozinha que faltava!

No semi-árido brasileiro o sol é forte, a temperatura é alta e a chuva é pouca. Apesar disso, a região planta e colhe, cria e abate. Com o uso de tecnologias simples e muita persistência, os sertanejos mostram que é possível produzir alimentos em terras de seca.

Há 15 anos atuando nas regiões do semi-árido brasileiro, o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa) – uma organização não-governamental sediada em Juazeiro (BA) – acumulou experiência para se tornar uma referência no uso de tecnologias alternativas. Como papel principal, está a busca por soluções eficazes para a população destas localidades, desenvolvendo políticas públicas a vários municípios, garantindo acesso destas famílias principalmente à água, fator determinante para qualquer desenvolvimento.

Em duas cidades destas regiões, por exemplo, o Irpaa junto à população foi capaz de mudar a legislação municipal. Os administradores de Curaçá e Uauá (BA) foram obrigados a reservar de 1% a 3% do orçamento do município para a realização de obras destinadas a garantir recursos hídricos. No município de Uauá – a 415 quilômetros de Salvador –, uma das principais dificuldades identificadas foi a necessidade de construir uma cisterna em cada escola da rede municipal, pois a falta de água provocava o cancelamento das aulas. E neste caso, a equipe do Irpaa participou dando suporte técnico para a obra.

No entanto, a solução para estas regiões não ficou só na construção de poços, cisternas ou barragens subterrâneas de água para abastecer as casas e as escolas nestes municípios, muitas vezes passou pelo incentivo à agricultura familiar, que representa hoje 45% da mão-de-obra do semi-árido. “O fornecimento de água, que veio com a construção das cisternas, mudou a realidade do sertanejo. As mulheres, por exemplo, gastavam metade do seu dia buscando água para o próprio consumo. Imagine, fazer qualquer outro avanço na agricultura, sem água”, menciona coordenador geral do Irpaa, José Moacir dos Santos.

A água que faltava mudou a rotina da população. Agora, eles podiam cultivar nas terras, que até então eram secas, gerando alternativas de renda e aproveitando mais o que o sertão dava: as frutas nativas. Com isto, os pequenos agricultores destes municípios investiram na irrigação e nas frutas que eram desperdiçadas. Na verdade, eles as transformaram em doces e geléias, frutas como, o umbu (espécie típica da caatinga do Nordeste – que floresce do Ceará ao Norte de Minas Gerais – e que produz frutos em janeiro e fevereiro). E também seguiram a cartilha dos princípios da agroecologia, incentivados e integrados a um projeto desenvolvido pelo Instituto da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa) e outras organizações não-governamentais (ONGs).

Como o cultivo das frutas é sem agrotóxico, atraiu o gosto de consumidores especialmente interessados em adquirir produtos saudáveis, e a maioria dos produtores conseguiu obter uma renda em média superior a um salário mínimo mensal. Hoje, alguns conseguem a proeza de tirar mais de dois salários mínimos – quantia extraordinária numa região em que a regra é o agricultor não possuir renda própria.

Lá, no meio do Sertão da Bahia – nos municípios de Canudos, Uauá e Curaçá, desde 1997 – por exemplo, um grupo de agricultoras e agricultores familiares buscou no seu trabalho a perspectiva do desenvolvimento sustentável, contribuindo para o fortalecimento da agricultura familiar e visando à produção ecológica e economicamente viável. E a idéia rendeu bons frutos. Depois de alguns anos de experiência, em 2004, surgia a então a Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaça, no Estado da Bahia (Coopercuc). Com o apoio das ONGs foi criada uma linha de produtos, que incluía além do umbu, outros frutos nativos da Caatinga, entre eles, o maracujá do mato e a manga. E mais recentemente, o maracujá convencional e a goiaba. “Antigamente, tínhamos frutas, como o umbu para o próprio consumo e parte era vendido nas feiras populares. Não valorizávamos a nossa natureza, a nossa riqueza, a terra. Cheguei até a queimar muitos pés de umbuzeiro, pois quase não tinha utilidade. Ficavam frutas caindo dos pés. Mas, agora não. Planto sempre que posso, mais um pé”, conta o sócio fundador da Coopercuc, Seu Isaías Ribeiro da Silva.

Mudaram a mentalidade do produtor, segundo ele, aos poucos surgiu a idéia, vinda de algumas mulheres da comunidade, como a Dona Judite (doceira de mão-cheia), em produzir doces para vender. “Muitas mudanças aconteceram após o beneficiamento das frutas. Hoje, fazemos aquilo que gostamos e temos uma boa renda. A gente valoriza nossa terra e agradecemos por este grande aprendizado. Você vai ver, não tem nenhuma fruta caída no chão”, diz Seu Isaías.

Ao valorizar as frutas da Caatinga, 230 famílias atualmente estão envolvidas na produção cuidadosa de doces orgânicos, sucos, geléias, compotas e polpas, que compõem a linha Gravetero. “A população percorreu um longo caminho até a construção das 13 mini-fábricas nas comunidades e uma fábrica central em Uauá, possibilitando maior qualidade e aumento do volume produzido pelos grupos. Aos poucos, os produtores começaram até exportar para a França, em 2005, por meio da Alter Eco (ONG) e para Áustria, neste ano. A Alemanha e a Espanha também já tiveram contato com os sabores da Coopercuc, que possuem o selo FLO Fair Trade e Certificação Orgânica, concedida pelo Chão Vivo”, conta o representante comercial da Coopercuc, Ademario Oliveira Domingos. “Desde a inauguração da cooperativa, as vendas aumentaram ano a ano e chegamos até 40%, a mais nas vendas, nos últimos três anos. As exportações cresceram, tudo graças à divulgação dos nossos produtos”, diz o sócio fundador da Coopercuc, Seu Isaías Ribeiro da Silva.

Na perspectiva de estabelecer novos negócios, parcerias e garantir a conquista de novos mercados nacionais e internacionais, os trabalhadores têm participado de capacitações e intercâmbios. “Os números apresentam a evolução de um trabalho sério e que traz, na bagagem, um valor social indiscutível”, completa Seu Isaías.

Segundo o representante comercial, Ademario Oliveira Domingos, os valores sociais vão além dos mais experientes agricultores, começa também pelos jovens da comunidade que dão continuidade ao trabalho deixado pelos pais e avós. “Eles estão mais atuantes. Têm novas idéias, produzem, vendem e prospecta novos horizontes. Eles se sentem mais motivados a permanecer mais na comunidade”, diz.

Hoje o carro chefe da Gravetero é o doce de umbu em calda, e a Coopercuc tem capacidade de produzir 320 toneladas por ano de frutas processadas, sendo que, 35% a 40% deste montante são exportados. Atualmente, a Coopercuc está preparada para atender ao mercado interno e externo, mas produz apenas 250 toneladas.

Porém, a proposta é muito mais que a divulgação das riquezas que existe no cerrado, é também desenvolver a oportunidade de gerar negócios. “Com a venda do umbu, o que é recolhido pelos funcionários da cooperativa, gera aos produtores um complemento mensal de 100 a 200 reais. Esta quantia é muito pequena, se comparada, mas faz uma enorme diferença. No entanto, os agricultores estão, agora, menos vulneráveis à vontade dos governantes para o custear a produção e a compra dos equipamentos utilizados no preparo do doce de umbu”, menciona Ademario Oliveira Domingos.

Além disto, cerca de 70% da safra vai para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que usa os produtos fabricados pela cooperativa em programas de segurança alimentar no Nordeste e que as repassa para as prefeituras, para o preparo da merenda escolar, por exemplo. Mas o objetivo dos diretores da Coopercuc é diminuir a participação da Conab e aumentar as vendas para empresas. Na França, a compota é vendida em redes de supermercados parceiros da Alter Eco. Os produtos são vendidos a um preço levemente superior aos das grandes marcas. O doce de umbu, por exemplo, é vendido a três euros – alguns centavos a mais do que as geléias de framboesa da prateleira ao lado.

De acordo com o representante comercial da Coopercuc, as organizações não governamentais acreditam no potencial do trabalho desenvolvido na região do semi-árido nordestino. “O Irpaa tem dificuldade para comercializar os produtos no mercado interno, mas o pessoal ainda estudando a possibilidade de revenda nas cidades próximas dos três municípios de origem dos produtos”, conta Domingos.

A área que compreende o programa do Irpaa é grande. Em Uauá e Canudos são três mil km² cada uma e em Curaçá são seis mil Km². Entre Uauá e Curaçá existem ao todo seis comunidades (Brandão, Serra Grande, Caladinho, Marruá, Serra de Cana Brava e Serra da Besta) formando a maior concentração de pessoas trabalhando.

SERVIÇO – Para associar-se à Copercuc é preciso ser produtor rural e morar na região. E passar por um curso de capacitação sobre beneficiamento de frutas e sobre cooperativismo entre outros. Em 2004 eram 33 associados, atualmente são 59 e o Irpaa já contabiliza 21 comunidades ativas, com 250 pessoas trabalhando diretamente na produção.

O “Ouro” do Sertão

Pode parecer esquisito, mas uma planta é a cara do sertão e que tão parecida se acostuma à seca e ao solo raso com uma baixa fertilidade. E o cajueiro, que tem as frutas amarelas ou vermelhas, de onde se retira a polpa, considerado apenas um pedúnculo que serve para unir a castanha ao galho da árvore. Ela, sim, é o verdadeiro fruto, que com a sua extração transformou a realidade de muitas famílias. Tanto que anos mais tarde, foi a razão da fundação da Associação Comunitária de Barreira do Ceará (ACB), em 1986 e hoje contempla 20 mini-fábricas de caju, (que por meio delas, espantaram os atravessadores). Exportando há oito anos para países, como os Estados Unidos, a ACB agrega 120 sócios, agricultores familiares da cidade de Barreira (que na média mantém propriedades entre dois a 20 hectares).

A Associação, conhecida pela comunidade como PaRural, foi uma iniciativa do Governo do Estado do Ceará, por meio do Projeto São José e com o financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para a construção das fábricas. Nos últimos anos, a associação teve o apoio da Agricultura Familiar Agroecologia e Mercado (AFAM). Hoje, a ACB atua no beneficiamento da castanha de caju. Suas atividades geram 800 empregos, realizando uma produção sustentável, operando dentro dos princípios e conceitos do comércio justo. Seus produtos estão em processo de certificação orgânica e de comércio justo, mas já conseguiu fortalecer a atividade tão importante para a agricultura familiar nordestina. “Barreira é um município essencialmente rural, em busca de melhores condições, muitos produtores, principalmente, os jovens migravam para a área urbana. A região fortemente conhecida como produtora do caju, vendia castanha ‘in natura’ apenas para o mercado local, sem valor justo devido à safra. Nos últimos anos, já existia uma redução de até 40% na produção dos cajueiros”, comenta o coordenador de Projetos e Geógrafo, Iram Pereira.

“A Associação trouxe o incentivo à agricultura familiar. Além disso, a comunidade eco-produtiva da ACB também representa um importante papel na área social fornecendo educação e serviços de saúde para a comunidade local. Sem mencionar que a exportação de castanha tem sido a força matriz do desenvolvimento econômico social de inúmeras famílias de agricultores familiares que produzem de forma sustentável”, conta Pereira.

O pai de Rodrigo Silva, por exemplo, nunca na vida tinha dado à devida importância para um pé de caju. Quando criança, a fruta que despencava e hoje compõe parte da alimentação escolar. Lá, agora existe o beneficiamento de caju que com o apoio da prefeitura do município, muitos produtores fabricam doces, geléias e cajuínas. “Mudou muito após a associação. Antes não havia incentivo. Hoje, a ACB tem capacidade de beneficiamento de até 20 mil toneladas de amêndoas por dia, sendo hoje beneficiadas apenas três toneladas por dia”, diz satisfeito o jovem produtor, Rodrigo Silva.

No município de Barreira (CE), Rodrigo acumula o ofício de cajucultor e de secretário da Associação Comunitária. Segundo ele, tudo que é colhido é encaminhado para a mini-fábrica que proporciona cálculos bons de fazer. De cada cinco quilos da castanha retira-se um quilo de amêndoa. Os mercados a qual se destina o produto são: Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul.

Desde 90, Sr. Francisco (Nozinho) Julião dos Santos é um dos sócios fundadores da Associação Comunitária de Barreira. Lá, na região ele tem seus três hectares destinados aos cajueiros. Para Sr. Nozinho, o problema maior antes da associação era o preço. “Na época de safra, havia muita concorrência. Agora não, temos outros caminhos, como o mercado de exportação. Hoje é possível atingir mais que um salário mínimo”, diz satisfeito.

Em 2007, foi processada uma tonelada de castanha ‘in natura’, por dia, sendo no ano todo um total de 264 toneladas, produzindo, com isso, 52 toneladas de amêndoas de castanha de caju. Dessas 40% foram vendidas no mercado interno e 60% seguiram para o exterior.

Na perspectiva de melhorar as condições de produção e qualificar ainda mais o trabalho, tem se elaborado diferentes projetos. Os produtos da ACB estão em processo de certificação para o orgânico. “É o sonho de todos ver a certificação, com isto, podemos abrir novos mercados para todos nós. Saberemos que a castanha vai embora, e terá comercialização certa, em contraponto, o jovem permanecerá no campo. Sem perder sua raiz”, enfatiza Iram Pereira.

Expo Sustenta

Graças à sua presença em feiras internacionais e nacionais, os produtos da Coopercuc e da ACB, ganham fama e mercado nos países europeus. O umbu ainda está por aqui e se transforma e se divide – por meio das mãos habilidosas das mulheres destas comunidades – em conserva, doces em pastas, sucos e geléias. Assim como as castanhas.

Hoje, eles compõem o cenário de grandes empreendimentos que foi mostrado ao público, entre os dias 23 a 25 de Outubro, durante a Feira da Exposustentat, em São Paulo. O espaço reservado para a região nordeste, denominado “Caatinga Cerrado”, trouxe 28 projetos, representando 6.300 famílias e oferecendo produtos como: castanhas, frutas e derivados, óleos fitoterápicos, fitocosméticos, mel, artesanatos, entre outros. “Hoje, os homens do sertão estão aprendendo a conviver com a seca. Para muitos agricultores isso significa usar sementes mais adequadas ao clima, armazenagem de água para o período de escassez e investimento nas culturas que se desenvolvem bem em lugar de sol forte e solo pouco fértil”, comenta o coordenador de Projeto Iram Pereira.

Nordeste bom de leite

Durante a Feileite (Feira Internacional da Cadeia Produtiva do Leite), evento realizado no Centro de Exposições Imigrantes, em São Paulo, o nordeste também teve o seu espaço. Foi realizado durante o evento, o lançamento do 13º Seminário Nordeste de Pecuária – o PECNordeste e II Seminário Nordestino de Revendas Agropecuários (SENOR).

Na 13ª edição, programado para 15 a 18 de junho de 2009, muitos visitantes terão a oportunidade de ver o desenvolvimento do agronegócio da região Nordeste em diversos segmentos como: apicultura, aqüicultura e pesca, avicultura, bovinocultura (corte e leite), ovinocaprinocultura, estrutiocultura e suinocultura, dentre outros.

O PECNordeste existe há 13 anos. No primeiro ano foram 230 produtores apresentando seus produtos e, em 2009, a expectativa é de 3.800 participantes. De acordo com o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (FAEC), José Torres de Melo, nos últimos 10 anos, com ajudas governamentais, infra-estrutura da malha rodoviária e empresas que se instalaram no nordeste, houve um fortalecimento do agronegócio. “A principal mudança é cultural, as pessoas aprenderam a se motivar e ter acesso as novas tecnologias. Deixaram de tratar suas terras como um hobby e a transformaram em fonte de renda. Este é o resultado que vemos hoje, um dos mais animadores”, diz o presidente, José Torres de Melo.

Além dos segmentos como a apicultura, aqüicultura e pesca, a região do nordeste vem se destacando também na pecuária leiteira. “O mercado de leite no nordeste sempre existiu. O que não havia era uma distribuição de renda justa. Além de que perdeu-se o apelo para outras culturas e se descobriu a pecuária leiteira, que traz mais satisfação e renda diária para sobrevivência da famílias”, finaliza.

De acordo com o presidente, na última década a pecuária leiteira cresceu 75% em produtividade, e representa 13% da produção nacional, tudo reflexo não do aumento de rebanho, mas da melhoria da alimentação do gado.

O Sr. Luiz Carneiro, produtor de leite, do município de Grande Horizonte, em Fortaleza (CE) trabalha há dois anos neste segmento. Hoje seu rebanho produz 1.900 litros/dia/leite. O segredo de tanta produtividade é que passou a produzir silagem, um alimento volumoso, usado principalmente na época de seca, e que pode substituir o pasto.

Em Quixadá (CE), o produtor de leite, Álvaro Carneiro Júnior, começou a produzir silagem também. “Basicamente, nós não conhecíamos a silagem de sorgo, que é resistente a seca, e é a base da alimentação do gado. Acredito que os alimentos fornecidos (silagem e concentrados) e a melhoria genética transformaram a pecuária. Os dois fatores contribuíram para este resultado. As fazendas no Ceará vivem hoje da pecuária leiteira. E hoje estou muito satisfeito com o leite. Só falta agora, um grande laticínio por aqui”, diz um dos maiores produtores de leite do Estado, com produção de 3.000 litros/dia/leite.

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