Negócios

Piscicultura: uma grande produção em pequena escala

Comunidades Remanescentes de Quilombos, no Vale do Ribeira (SP), ganham apoio de institutos para promover a criação de tilápias. A intenção é enriquecer o prato da população e criar uma nova alternativa de renda.

Os moradores da Comunidade Remanescente de Quilombo São Pedro, localizada no município de Eldorado – região do Vale do Ribeira (SP) – além do tradicional arroz com feijão e verduras incorporaram nos cardápios uma mistura para lá de especial: eles agora comem filés de tilápias. Há cerca de dois anos, a opção de mistura vem fresquinha e direto dos tanques instalados ao lado das pequenas casas de sapê, construídas há anos em terras registradas como quilombolas.

Aliás, um importante conjunto de comunidades de Quilombolas está na região do Vale do Ribeira, sul do Estado de São Paulo. Lá vivem também povos indígenas, caiçaras e negros – descendentes de ex-escravos fugidos ou libertos. E é nesta região que também abriga a maior vegetação da Mata Atlântica do País.

Entretanto, apesar das vastas terras demarcadas pela Fundação ITESP (Instituto de Terras do Estado de São Paulo) e licenciadas pelo DPRN (Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais) as atividades, como a agricultura familiar já não era tão suficiente para o sustento e a sobrevivência da comunidade São Pedro, onde vivem até hoje 42 famílias.

Preocupados com a situação, os coordenadores regionais do ITESP resolveram buscar alternativas. E conseguiram. Junto com o apoio dos pesquisadores da APTA (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios – Pólo Apta Vale do Ribeira, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento) e com a aprovação do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico), eles viabilizaram uma parceria para introduzir algo sustentável à comunidade. Daí surgiu o “Projeto de Fortalecimento da Piscicultura”, com a criação em pequena escala de tilápias.

De acordo com Ana Eliza Baccarin Leonardo, zootecnista, pós-graduada em aqüicultura e analista de desenvolvimento agrário do ITESP, dois fatores foram determinantes para a realização deste projeto. Primeiro: a região tem água em abundância. Segundo: nas áreas dos quilombolas existiam tanques de piscicultura, onde criavam pacus (há cinco anos, a produção média alcançava 650 kg de peixes. No entanto, a falta de recursos para compra de alevinos e ração inviabilizou a continuidade da criação). “A reivindicação dos próprios moradores era de aproveitarem a infra-estrutura já existente na comunidade para ter uma atividade alternativa que comportassem o perfil da mão-de-obra local e, com isto, a fixação das famílias. Com a parceria, unimos o interesse da comunidade em querer produzir. Com os recursos em mãos, reativamos os tanques para criação de tilápias. De lá pra cá, houve um grande avanço na qualidade de vida destas pessoas. As dificuldades vindo da baixa produtividade da agricultura, aliado às restrições ambientais estavam causando grandes problemas relacionados até à alimentação. Hoje, já temos exemplos positivos. Um deles é de um morador que revelou que agora poderia, além do arroz e do feijão, comer uma ‘carne’. Isto já é muito recompensador”, diz Ana Eliza, uma das responsáveis pelo projeto.

Na realidade, os moradores enxergaram nas tilápias também uma alternativa de renda. O presidente da Comunidade do Quilombo São Pedro, Aurico Dias, se entusiasmou com a criação e seguiu as orientações à risca. Foi por conta dessa obediência, que ele e mais o Grupo do Peixe – constituído por 17 famílias –, (que participam ativamente da criação, pois nem todas as famílias aderiram ao Projeto) fez sua primeira despesca com a retirada de cerca 800 kg de peixes. Destes, grande parte foram vendidos por R$ 3,50 kg. Na segunda despesca, realizada este ano, os peixes atingiram R$ 4,00 kg, na II Santa Feira de Peixe (que aconteceu entre os dias 3 a 5 de abril, no CEAGESP de São Paulo. “O custo por quilo do peixe produzido foi de R$ 1,82 na primeira despesca e de R$ 2,13 na segunda, custo este considerado alto para viveiros escavados. Porém, por se tratar da primeira safra de produtores sem experiência, foi um excelente resultado”, comenta o pesquisador e biólogo Antônio Fernando Leonardo, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), também parceiro do projeto.

Para o morador Aurico Dias, a tilápia é um negócio bom e lucrativo. “Os peixes chegam com cinco gramas nos viveiros e podem chegar até 600 gramas. Rendem muito bem. Ainda podemos aproveitar alguns quilos, que são devorados pela própria comunidade, para recompensar o trabalho”, conta. Segundo Aurico, que tem em seu quintal dois tanques com 110 kg de tilápias e que também compartilha com o grupo de associados, o peixe é lucro certo. “Somos até abençoados com a água que temos. Veja (…) por isto, é possível encontrar quatro peixes por metro quadrado”, diz Dias, apontando para um dos seus viveiros.

200% de Rendimento

Em setembro de 2006, deu-se início ao primeiro ciclo de produção, com duração de sete meses. Seis viveiros foram povoados com 1900 alevinos de tilápias (filhotes de peixes), provenientes do Pólo Regional da APTA. “Hoje a comunidade, conta com um conjunto de 14 viveiros (sendo dois da associação, quatro que participam em conjunto com o grupo e também são de criação particular e oito que são destinados à criação particular), escavados com profundidade média de 1,5m e com entrada e saída de águas independentes, totalizando uma área de 550 m2 de espelho d’água”, descreve o coordenador do Grupo de Peixe e morador, José da Guia Rodrigues Morato.

De acordo com os dados do ITESP, na primeira safra desta produção, foram retirados 845,40 kg e na segunda 1.088,00kg de peixe. Os peixes foram abatidos por meio de choque térmico. Após seis meses de criação, realizou-se a primeira despesca em março de 2007. Foram retirados mais de 275kg de peixes, provenientes de dois viveiros de criação (particulares, como o da “Casa” e “Da Guia”), com auxílio de rede de arrasto. Deste total, 155,20kg foram comercializados, 81 kg foram divididos entre o grupo composto por 27 famílias (3kg para cada família) e o restante foi usado como pagamento às pessoas que trabalharam na despesca e não faziam parte do grupo. Os peixes, da primeira e segunda despesca, foram vendidos sob encomenda. De acordo com o Antônio Gervásio Leonardo (APTA), optou-se por este tipo de comercialização, pois se acreditava que o contato direto com consumidores seria um diferencial para que os produtores pudessem conhecer as suas necessidades de consumo alimentar, e assim dar mais qualidade à produção, otimizar as formas de comercialização para melhor atender o consumidor e conseqüentemente obter melhores resultados financeiros (sem presença de atravessadores).

“A Vara para Pescar”

O Vale do Ribeira é a região com o menor IDH – índice de desenvolvimento humano – do Estado de São Paulo. Sua economia é voltada principalmente para a agricultura, destaque para a banana, o chá e a pecuária. Porém estas atividades não vêm ajudando a melhorar a qualidade de vida da população local. Além disso, a região concentra a maior área de Mata Atlântica – cerca de 60% de sua área está sob restrições ambientais devido à existência de distintos tipos de Unidades de Conservação – e detém cerca de 50% do total das áreas preservadas do Estado. Com isto, diversas iniciativas vinham sendo buscadas por instituições locais, como associações e cooperativas de pequenos agricultores, a fim de desenvolver uma linha diferente de desenvolvimento baseada no desafio de moldar-se ao conceito. Dessa forma, o “Projeto de Fortalecimento da Piscicultura” foi desenvolvido com a intenção de conciliar as necessidades da própria sobrevivência da Comunidade São Pedro com a conservação dos recursos naturais dos quais dependem.

Para o pesquisador Antonio Fernando Leonardo, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), o intuito não era somente produzir peixes para a subsistência da comunidade, mas promover o desenvolvimento do mercado regional, suprir suas carências em produtos e serviços. “É dar a vara para quem quer pescar. Ainda dentro do projeto, o foco é a busca pelo melhoramento genético na produção de alevinos sexualmente revertidos de tilápias, para dar continuidade ao projeto. E também implantar um programa regional quilombola de esenvolvimento e organização das atividades de criação de peixes, com a melhoria da qualidade do produto comercializado e ampliação da criação para mais quatro comunidades, chamadas de Maria Rosa, Pilões, Galvão e Morro Seco”, ressalta o pesquisador.

De acordo com o Leonardo, o trabalho em grupo reforçou os laços intra e interfamiliar e despertou o interesse dos jovens da Comunidade pelo projeto, um dos problemas enfrentados há anos pelos quilombolas. Devido aos bons resultados desta iniciativa, outras comunidades se interessaram pela criação de peixes, com o objetivo de torná-los menos dependentes de uma única fonte de renda.

Produção só para Machos

Para garantir a renda e a qualidade das tilápias, apontam os pesquisadores, era necessário investir na genética. Foi este o papel desenvolvido pela APTA, oferecendo assistência técnica, treinamento, transporte e logística e o fornecimento dos primeiros alevinos para os viveiros. Na APTA, os alevinos de tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus), são revertidos sexualmente através da técnica de coleta de ovos na boca das fêmeas e incubação dos mesmos em laboratório. A reversão sexual consiste basicamente em oferecer rações com hormônio masculinizante, durante os primeiro dias de alimentação das larvas. Sendo assim, ao final de um processo de reversão 560 eficiente, serão machos XY e machos XX (morfologicamente machos, mas geneticamente fêmeas). O pesquisador garante que as vantagens são: boas garantias de lotes de alevinos totalmente machos (99 a 560 reversão), homogêneos em termos de tamanho e crescimento, melhores índices de ganho de peso e conversão alimentar, maior tolerância e variações nos parâmetros de qualidade da água e ainda proporciona ao laboratório controlar a origem dos alevinos e assim realizar programas de melhoramento genético. Nos tanques de reprodução da APTA, são seis fêmeas para três machos que geram 300 novos ovos, com 60% de chance de sobrevivência de tornar-se larvas.

Com a tecnologia de incubação artificial de ovos de tilápias, fases importantes da reprodução, como a desova, a eclosão e a larvicultura que normalmente ocorrem dentro dos viveiros, não acontecem. Em muitos casos, no sistema tradicional conhecido como “coleta de nuvens”, as larvas não apresentavam tamanhos ideais para uma boa eficiência do processo de reversão, comprometendo a qualidade dos lotes de alevinos.

Peixe no Prato: Sinônimo de comida farta

Segundo o ITESP (Instituto de Terras do Estado de São Paulo) com a introdução da criação de tilápias havia a necessidade de cumprir todo o ciclo. Por isto, em maio de 2007 foi realizado o curso “Oficina de Processamento, Conservação e Pratos Culinários de Peixe”, ministrado pela Dra. Rose Meire Vidotti, pesquisadora científica do Instituto de Pesca. “O curso surgiu da necessidade de se melhorar essa etapa de produção, pois embora a comercialização dos peixes tenha sido bem sucedida, faltou a padronização no abate e processamento, o que gerou uma queda na qualidade do produto”, comenta Ana Eliza Baccarin Leonardo.

O curso foi realizado em dois dias, sendo que no primeiro dia foram abordados: método de abate por meio de choque térmico, cortes comerciais – filés, postas, tronco limpo e borboleta – e rendimento de carcaça, dentro das normas sanitárias vigentes. Essa etapa foi realizada na própria comunidade com a participação de 15 quilombolas. No segundo dia, eles foram conduzidos ao Pólo Regional de Desenvolvimento do Vale do Ribeira – APTA, aonde se deu prosseguimento as atividades. Neste dia foram abordados os métodos de conservação: salga úmida, salga seca e defumação, e preparação de pratos culinários para melhoria da qualidade nutricional dos alimentos consumidos (receitas desenvolvidas foram: escondidinho de tilápia, pirão, filé de tilapia a pizzaiolo com palmito pupunha, delícia de tilápia (com banana), tilápia assada com sal grosso, ceviche e pele frita a pururuca), as quais foram degustadas por todos os participantes.

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