Em 1899, foi registrado o primeiro grande surto da lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda) nas lavouras de milho, mas o inseto já era reconhecido como praga desde 1797. O surto ocorreu nos Estados Unidos e em 1964 foi a vez de um ataque nas lavouras brasileiras.
A conseqüência foi um estrago enorme não só nos milharais, mas também nas plantações de arroz e em pastagens. Mais de dois séculos após o seu aparecimento, a lagarta-do-cartucho ainda ameaça os agricultores e é considerada uma das principais pragas da cultura de milho em todo o continente americano.
Para combatê-la é preciso aplicar agrotóxicos nas lavouras, o que causa prejuízos ainda maiores. Além de aumentar o custo da produção, esses “venenos” podem contaminar o meio ambiente, a pessoa que o aplica e o próprio milho. Uma alternativa, identificada por pesquisadores da Embrapa Milho e Sorgo, é contar com a ajuda de um inimigo natural dessa praga: Trichogramma, uma vespa minúscula que parasita o ovo da lagarta-do-cartucho.
As vespinhas, como foram apelidadas, custam 50% menos que os agrotóxicos e são inofensivas. Basta soltá-las na lavoura que elas encontram os ovos da praga e, dentro deles, botam os seus. Em alguns dias, as larvas das vespinhas nascem e passam a se alimentar das futuras lagartas-do-cartucho. Com a introdução das vespinhas na lavoura, o ciclo biológico da praga é interrompido e o uso de agrotóxicos, descartado.
Adotar recursos da própria natureza no combate a pragas, como no caso da vespinha e da lagarta-do-cartucho, caracteriza o controle biológico. Na Embrapa, uma equipe de pesquisadores coordenada pelo engenheiro agrônomo e entomologista Ivan Cruz acredita que essa seja a melhor alternativa para proteger os milharais. Com o apoio da FAPEMIG, eles identificam, estudam e criam esse e outros inimigos naturais da S. frugiperda. O resultado são produtos mais baratos e de melhor qualidade.
O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de milho. São 13 milhões de hectares de área plantada e uma produção anual estimada em 40 milhões de toneladas de grãos. Mas no caminho entre a lavoura e o consumidor, há muitas perdas. Parte da produção é deixada para trás na colheita, no armazenamento e, principalmente, devido ao ataque da lagarta-do-cartucho que reduz de 15 a 34% o rendimento do grão. Os prejuízos econômicos causados por essa praga, somente na cultura de milho, são estimados em 400 milhões de dólares, por ano. Mas a S. frugiperda também causa danos às plantações de sorgo, trigo, arroz, alfafa, feijão, amendoim, tomate, algodão, batata, repolho, espinafre, abóbora e couve. Nos últimos anos, sua ação tem sido cada vez mais severa. Segundo os pesquisadores da Embrapa, isso se deve ao desequilíbrio ecológico e, no caso do milho, ao aumento da exploração da cultura que, hoje, é cultivada em todas as regiões do País e, praticamente, durante o ano todo.
Sem escolha, resta aos produtores lançar mão de uma série de produtos químicos em suas lavouras. Mas, além de serem prejudiciais ao homem e ao meio ambiente, os agrotóxicos podem criar pragas super-resistentes. “Eles engordam a lagarta-do-cartucho”, brinca Ivan Cruz. O pesquisador explica que o uso inadequado desses “venenos” ocasiona uma seleção da praga, em que as espécies mais fracas são eliminadas e as mais fortes, preservadas.
Com o aparecimento das superpragas, a tendência é aumentar a dose de agrotóxico e diminuir os intervalos de aplicação. No entanto, a seleção da espécie continua, pragas cada vez mais resistentes vão surgindo e o ciclo recomeça com doses ainda maiores de “venenos” ou mistura de diferentes produtos químicos.
O que muitos produtores rurais ignoram é que a lagarta-do-cartucho, assim como todas as pragas, tem inimigos naturais. Para utilizar o controle biológico, o primeiro passo é identificar esses inimigos, que podem ser predadores ou parasitas. A joaninha é um exemplo de predador, pois ela mata a presa para comer. Já a vespinha Trichogramma é um parasita. Ela depende de um hospedeiro para sobreviver, que nesse caso é o ovo da lagarta-do-cartucho.
É possível identificar inimigos naturais para cada fase da vida da praga. A vespinha ataca o ovo, mas o agente do controle biológico poderia atuar na larva, na pupa ou no adulto. Segundo Ivan Cruz, a vespinha é a melhor opção para a cultura de milho, pois atua na primeira fase biológica da praga e a elimina antes das plantas serem atacadas. Mas, por precaução, os pesquisadores da Embrapa criam também um predador de ovos e lagartas da praga: um inseto popularmente chamado de tesourinha.
A tesourinha mora no milho, como diria o pesquisador. Ela bota os ovos no cartucho (folhas) e seus filhotes, que ali crescem, comem ovos e as lagartas da praga, além dos pulgões presentes na planta. Os pássaros também atuam como agentes do controle biológico, pois muitas pragas são presas fáceis para eles. Outros inimigos naturais conhecidos dos pesquisadores são os microrganismos, como os vírus (baculovírus), os fungos e as bactérias.
Milho não é a única vítima
A Spodoptera frugiperda é conhecida como lagarta-do-cartucho porque seu habitat preferido é o cartucho do milho. No entanto, seu hábito alimentar é diversificado e ela se alimenta também de outros hospedeiros, como as plantas de sorgo, trigo e arroz. É um inseto com metamorfose completa , já que seu ciclo de vida passa por quatro fases distintas: ovo, larva, pupa e adulto (mariposa).
As mariposas costumam descansar nas folhas fechadas do cartucho do milho, durante o dia. Suas atividades começam ao pôr-do-sol, quando a temperatura é mais favorável. O acasalamento ocorre nessa ocasião e a oviposição (postura dos ovos), depois de três ou quatro dias. Mesmo sem copular, as fêmeas podem botar. Basta que elas estejam bem alimentadas com néctar. No laboratório, o açúcar, o mel ou a cerveja são opções para uma dieta alternativa.
Cada fêmea faz no máximo 13 oviposições, mas esse número varia bastante e em apenas um dia, ela pode botar até oito vezes. O número de ovos por postura também varia, com médias entre 143 e 250 ovos. O período de incubação depende da temperatura. Quando a média gira em torno de 26ºC, as larvas nascem em dois dias. Em temperaturas mais baixas a incubação é mais longa.
As larvas recém-nascidas se alimentam da própria casca do ovo. As jovens podem caminhar até 47 metros em uma hora e vão ao encontro de uma planta apropriada para sua alimentação. Como em outras espécies de insetos, as larvas de S. frugiperda podem ser canibais. Esse hábito serve como controle natural da população. A longevidade dos adultos depende não só da temperatura, mas também de sua alimentação. Tanto as fêmeas quanto os machos vivem cerca de 13 dias quando alimentados e quatro quando não comem nada. O ciclo de vida dura, em média, 30 dias no verão e nos períodos mais frios pode chegar a 50 dias.