Plantações do junco em pequenas propriedades do Vale do Ribeira garantem uma tradição milenar, trazida pelos imigrantes japoneses, e a geração de empregos no artesanato. Em 1933, chegava no Brasil a primeira mudinha de junco escondida na bagagem do Sr. Shigeru Yoshimura.
Ele vinha do sul do Japão, da cidade de FuKuoka, terra de verões quentes e úmidos, que tinha como principal atividade: a produção de junco (espécie de gramínea plantada em áreas alagadiças) que servia de matéria-prima para a fabricação do tradicional tatame japonês.
Ao desembarcar em terras brasileiras, Sr.Yoshimura encontrou no litoral Sul de São Paulo, mas exatamente no Vale do Ribeira, o clima propício para prosseguir com a plantação milenar. Sendo assim, três anos depois que o junco brotou, Sr. Yoshimura distribuiu as novas mudinhas aos colonos da região, em grande maioria imigrantes japoneses. A multiplicação da cultura rendeu frutos para o Vale do Ribeira, que se tornou única produtora de junco das Américas, com produção de 50 toneladas da fibra seca por ano. E mais do que expressiva fonte de renda, a cultura de junco contribuiu para a absorção de mão-de-obra local, preservação da tradição e uma forma alternativa de geração de emprego, com o artesanato.
Neste ano completa o centenário da migração japonesas. E muitos ainda se lembram com clareza sobre a história da chegada do navio Kasato Maru ao armazém 14 do porto de Santos, no dia 18 de junho, há um século atrás, quando as primeiras 158 famílias japonesas chegaram no Brasil. Um deles é o Sr. Takashi Yoshimura, filho do Sr. Shigeru Yoshimura, o responsável pela introdução da planta de junco no Brasil. São mais de 55 anos dedicados ao cultivo. “Hoje a produção está nas mãos dos meus filhos, eu só acompanho”, conta com uma voz tranqüila. “Na época que começamos, vendíamos o artesanato para muitos viajantes e comerciantes da região”, diz Sr. Takashi, que seguindo a tradição japonesa, não diz sobre a lucratividade da produção. “Não dá muito dinheiro, pois tem muitas despesas, mas dá ‘pra’ viver”, esclarece.
Elisa Okiyama é uma senhora simpática e muito falante, mas que não revela de forma alguma a sua idade. A família Okiyama foi uma das primeiras no cultivo de junco. “Nós recebemos as primeiras mudinhas do Sr. Yoshimura, que deu para toda a gente daqui”, diz. Foram mais de 40 anos dedicando-se a plantação, que também dividiu áreas com a colheita de arroz, do chá, e até do bicho-de-seda. “Com o tempo, o preço do junco não ajudou e nós acabamos arrendando nossas terras, para viver e vencer as dificuldades. E assim vamos passando dias”, sorridente, argumenta. Dona Elisa Okiyama, é a segunda geração de imigrantes japoneses e trabalhou durante anos em suas próprias terras para ajudar no sustento da família. Hoje, vive em uma casa construída nos mesmos moldes japoneses e ao fundo existem as terras arrendadas para um outro produtor. “A gente diz que japonês é muito persistente”, explica.
A produção de junco que trabalha a cadeia produtiva completa, desde o plantio até a industrialização da fibra, de dois anos para cá está sendo vista com outros olhos, principalmente pelos profissionais do Sebrae-SP e da Associação Comercial Industrial e Agropecuária de Registro (SP), que perceberam que os menos de 10 produtores de junco, não trabalhavam juntos e se viam como concorrentes, realizando tradicionais artesanatos. Muitos também já estavam abandonando a atividade e havia também uma acirrada concorrência com os produtos provenientes do mercado chinês. “Por meio do Programa Empreender os seis produtores “empresários” puderam se organizar para formarem o Núcleo de Junco, e que hoje apostam na diversificação de produtos, com a valorização do design, para manter a tradição”, comenta Ricardo Flórido, consultor do Projeto Empreender.
Junto com esta ação, o cultivo de junco escreve hoje uma nova história, mudando a vida de muitas famílias de pequenos produtores, que praticamente são todos filhos e netos dos imigrantes japoneses. “O junco torna viável a sobrevivência de muitos produtores, despontando como alternativa em pequenas áreas. Com isso, o Sebrae, parceiro deste Núcleo, deu importância à criação de uma logomarca: o Junco, que foi registrada e que será usada a partir de agora como ferramenta para a conquista de novos mercados”, diz Daniel.
Além de virar a marca e ir além dos tradicionais tatames, esteiras para a praia e chinelos, os novos produtos – desenvolvidos por uma empresa especializada – já rendem bolsas, pastas, mochilas, almofadas, pufes, cestos e jogos americanos. “Com isto, ofereceremos novas linhas de produtos. Já estamos em contato com grandes empresas e aguardamos fechar grandes vendas”, argumenta o produtor Douglas M. Naoi, da DAI Artefatos de Junco, que conta que tanto o catálogo quanto agora a logomarca fazem parte de uma estratégia de reforçar no consumidor a identificação dos produtos dos descendentes de japoneses no Vale do Ribeira. Douglas M. Naio é um dos seis produtores que dão continuidade a herança deixada pelo pai, há mais de 50 anos.
Para o gerente do Sebrae-SP no Vale do Ribeira, Daniel de Almeida, a nova postura dos produtores de junco do Vale do Ribeira é fruto de uma nova forma de compreender o negócio. “Este é o objetivo do Sebrae-SP, promover o empreendedorismo, fomentar o desenvolvimento sustentável e o aperfeiçoamento técnico”, diz.
Um dos adeptos à inovação Hélio Tamada, empresário à frente da Naboro Tamada – negócio criado por seu avô há mais de 50 anos – é um dos que reforça que por meio da união, os produtores ficaram mais fortes e que agora possam dar um novo ânimo ao negócio deixado de pai para filho.
De uma muda clandestina às inovações do design, é a geração de produtores de junco, como Douglas Naoi e Hélio Tamada que renovam a tradição do junco, com profissionalismo, visão de negócio e inovação em produtos. E a tradição trazida pelo Sr. Yoshimura que produziu junco até sua morte, aos 82 anos de idade, e que os descendentes e imigrantes japoneses ainda querem manter.
Tradição vence competição do mercado
A planta de junco tem raiz em forma de pequenas batatas, de onde crescem os juncos, e atingem um tamanho em torno de 1,50m. Depois do processo de secagem, apenas 10% é aproveitado para industrialização. Nesta fase, o junco vai para o tear onde ele é penteado e aparado nas extremidades de acordo com a medida da esteira que será tecida. Os teares produzem esteiras em fitas que depois serão cortadas para produzirem diversos artefatos.
Agora com a criação da logomarca, foram criados mais de 40 novos produtos. “A nossa intenção é abrir novos mercados fora da temporada de verão. Queremos aproveitar para ampliar a comercialização dos nossos artesanatos”, diz Douglas Naoi, que produz 40 toneladas de junco.