Em 1997, a arroba do boi gordo, com pagamento à vista, estava em torno de R$ 25 a R$ 27. Com o passar dos anos o preço foi subindo. Em 2001, chegou a R$ 46, com algumas oscilações de preço. Em 2005, foi o ano da crise – a arroba chegou até a R$ 60,66 (janeiro), depois foi só despencando.
O valor mais baixo registrado naquele ano foi de R$ 49,07, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), do Departamento de Economia, Administração e Sociologia (DEAS), da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP). Em 2006, o menor valor pago seria R$ 48,25.
Já para a cana-de-açúcar, em 2005, os números de produção animavam os produtores – e já vinham crescendo desde 1994. A safra de 96/97 cresceu 14,29% em relação à safra anterior (95/96), com um total superior a 287 milhões de toneladas. Foi por esse embalo na produção sucroalcooleira que o pecuarista Rubens José de Souza, da Fazenda Santo Antônio, do município de Limeira do Oeste (MG), resolveu entrar nessa atividade, mas não teve muito sucesso. Há três anos no cultivo da cana, Souza só tem amargado prejuízos. “A produção é fácil, no entanto, quanto mais se produz, maior é o prejuízo”, diz. Segundo ele, o custeio para o cultivo de um hectare oscila entre R$ 3,5 mil a R$ 4 mil. Os insumos, o adubo, a mão-de-obra e o constante tratamento da cana são responsáveis pelo encarecimento da lavoura. “Só de adubo é de R$ 600 a R$ 700,00”. O pecuarista de corte e também de leite estima um prejuízo de R$ 12 mil reais este ano por conta da cana.
Inversão de mercado
Souza é um exemplo típico do produtor que se viu diante de uma oportunidade para garantir uma renda a mais na fazenda e, de repente, se vê numa situação pior do que estava anteriormente. Há 30 anos na pecuária, ele decidiu partir para o plantio da cana-de-açúcar em função dos baixos preços da arroba do boi. “A pecuária estava ruim, se fosse hoje para eu entrar na produção da cana, não entraria”, destaca.
A propriedade do pecuarista é de 302 hectares, sendo desses, 120 disponibilizados para o cultivo de cana (39,74% do total). “O custo de produção chegou a mais de 50 mil reais, a preço de custo. Se este ano não melhorar não compensa mais”.
Com a inversão do mercado, o boi, que antes pagava mal, agora está lhe garantindo bons resultados. “Não tem comparação, é como comparar a seleção brasileira como o time do Guarani, por exemplo”, diz, fazendo uma analogia sobre qual atividade é melhor atualmente, a pecuária de corte, o leite ou a cana. Em segundo lugar vem a pecuária leiteira. A produção dele é de 500 litros ao dia, com um preço de R$ 0,85 por litro, na região.
Em termos de investimento, Souza ainda não tem como crescer mais na pecuária de corte. “Estou no limite, não tenho como aumentar a quantidade de gado. O pecuarista trabalha com as raças holandesa meio sangue para a produção de leite e o nelore para o abate.
A busca por melhores caminhos
A garantia da rentabilidade na fazenda vai depender muito de saber como o mercado reagirá diante da atividade escolhida. No caso cana, houve esse excesso de produtores, alta oferta, preços baixos e o encarecimento da produção. “Isso pode acontecer em qualquer atividade, é uma questão de mercado”, analisa Gabriela Tonini, especialista em pecuária da Scot Consultoria. Segundo ela, o importante é o pecuarista entender bem a atividade em que ele pretende entrar, quais serão as perspectivas de mercado, e, se for preciso, arriscar também.
“Dependendo de onde o produtor estiver, a aplicação de tecnologia e um manejo bem elaborado podem lhe garantir melhores resultados”, explica Tonini. “Por exemplo, com um manejo adequado de pasto é possível garantir maior retorno, em termos de economia”. De acordo com a especialista, a distribuição correta de animais por área fará com que o consumo seja mais eficiente, e com isso o pecuarista gastaria menos com a recuperação do pasto.
Outra questão levantada pela analista de mercado são os altos custos de produção do boi. Se por um lado o boi está rendendo mais, os preços de insumos, sal mineral, entre outros, também aumentaram.
A diversidade na produção também é uma saída para épocas de vacas magras. “Quanto mais você diversifica, maior é a chance de se proteger em épocas de preço baixo”, avalia Tonini. Nem todo o trabalho com a cana-de-açúcar pode representar prejuízos. Pelo menos para Genebaldo Alves de Lima, pecuarista do município de Iturama, em Minas Gerais. Ele trabalha a produção de gado e também arrendou parte da propriedade dele para o cultivo da cana. O contrato é de 10 anos. A situação dele é melhor em função de ser arrendador – o custo de plantio, insumos, tratamento do solo e mão-de-obra são todos do arrendatário.
No caso de Lima, ele precisava investir na fazenda, melhorando a área de pastagem. Uma das saídas foi destinar parte da área para a produção da cana. No final das contas, não gastou com o serviço de correção de pastagem e ainda está recebendo uma quantia anualmente referente ao arrendamento, e, ao final do término do contrato, ele receberá a área pronta para o plantio.
Cooperação
Foi com o cooperativismo que pequenos, médios e grandes produtores da região de Cascavel, no Paraná, se animaram mais a produção, além de receberem incentivos para associar demais atividades dentro da fazenda. Aquele que antes só tinha a renda com a safra de milho ou soja, por exemplo, agora conta com a criação de frango. Ou aquele que produzia leite, agora tem uma criação de porcos. Tudo isso em busca de integrar ainda mais a produção, fomentar a rentabilidade e garantir o suporte técnico necessário para o desenvolvimento da atividade agrícola. Áureo Schimidt é um dos 2.900 produtores sócios da Cooperativa Agropecuária Cascavel (Coopavel). Pequeno produtor de leite, soja e milho, Schimidt representa bem o estilo de produção da maioria dos associados, já que cerca de 70% deles são de pequenas e médias propriedades.
“Ser associado é melhor porque é mais seguro o pagamento. Temos veterinário a nossa disposição, são feitas reuniões, palestras e dias de campo para ajudar”, explica. “É muito importante esse trabalho, a gente aprende melhor as técnicas, como produzir a silagem, a armazenagem dela, todas as orientações técnicas de como fazer uma boa ordenha, isso tudo é feito para nós”, complementa.
Com 38 anos de existência, a sociedade reúne atualmente produtores de gado, leite, frango, suíno e grãos da região. “A cooperativa começou com o trabalho na produção de insumos, comercialização de grãos e atendimento de assistência técnica”, conta Dilvo Grolli, diretor-presidente da Coopavel. “A rentabilidade de pequenos produtores de grãos não garantia a sustentabilidade do negócio. Foi pensando nisso que, nós fomentamos outras atividades para aumentar a renda desse pequeno produtor”, explica Grolli.
Inicialmente trabalhando a questão do grão, a cooperativa, partindo desse princípio de incorporar outras atividades, em 1990, introduziu a produção leiteira, e de carne de frango e suína. A partir do grão captado, é produzida a ração, destinada exclusivamente aos cooperados, como forma de subsidiar a nova atividade. “Nossa meta é aumentar as oportunidades para os produtores, e, acima de tudo, projetos que estão de acordo com a necessidade de mercado. Vamos produzir chapéus onde tem cabeças, vamos produzir botas onde tem pés”, diz, fazendo uma analogia sobre a importância de se preocupar com as necessidades do mercado.
Dois pontos importantes são fundamentais para a consolidação de um sistema de cooperativa, de acordo com Grolli. “Primeiro, ter o cooperado como razão da cooperativa e, segundo, ter de buscar produções viáveis”.
O complexo sucroalcooleiro
São cerca de 13.500 produtores de cana representados pela Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil (Orplana). A entidade integra as associações de cana da região Centro-Sul, e estima que esse número seja bem maior. Somando-se esse crescente número de produtores, mais uma constante produção, que este ano está acumulada em 1.912.864.715 de toneladas, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a redução dos preços é um agravante para a rentabilidade na produção.
“Dá para entender que o preço do açúcar diminuiu em função da oferta do produto. Houve maior produção e por isso o preço caiu”, analisa Ismael Perina Júnior, presidente da Orplana. “O que não é o mesmo em relação ao álcool, pois não estamos com excesso de álcool”, destaca. A estratégia, segundo ele, foi em função do grupo de distribuidoras resolverem se unir e não pagar o preço estipulado. “Pensaram eles, por exemplo, ‘por que vou pagar R$ 0,90 por litro de álcool se posso pagar R$ 0,60?’”, exemplifica Perina, ao se referir à pressão das distribuidoras para baixar os preços.
“A falta que houve de álcool nos postos foi em função disso. As distribuidoras não compraram, forçaram a baixar os preços, e quem saiu prejudicado foram os produtores e os consumidores. Os produtores, que amargam prejuízos na lavoura de cana, e o consumidor que sentiu pela falta do produto na bomba do posto”, explica Perina. “Um dos fatores que mais animou a produção de cana foi a confecção de carros flex [que funcionam tanto a álcool como a gasolina]. Esse foi um ponto importante e o que alavancou mais a produção”, destaca.
Quanto mais doce melhor
As baixas registradas tanto nos preços pagos pelo açúcar como pelo álcool no mercado empurraram para baixo também os preços pagos aos produtores da cana. Isso porque é a partir desses valores que é elaborada uma média de preço base que é multiplicada pelo índice de Açúcar Total Recuperável (ATR), encontrado na cana (daí, que se tem o preço ao produtor). Portanto, esse o valor pode variar, de uma produção à outra – tudo dependerá da quantidade de açúcar encontrado no caldo.
O preço médio do quilograma do ATR para efeito de emissão da Nota de Entrada de cana entregue durante o mês de abril de 2008, referente à safra 2008/2009, ficou em R$ 0,2538, de acordo com o Conselho dos Produtores de Cana-de-açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Consecana-SP).
“No caso do arrendamento, são estipulados previamente valores de quilograma de ATR por tonelada. Esse número também é variável, dependendo muito da região de cultivo”, diz o presidente da Orplana. Esse valor é acordado entre as partes, o arrendador e o arrendatário. Há regiões com melhores condições para garantir a qualidade do açúcar da cana, e outras que esse índice é menor, e por isso o valor do quilo do ATR também será. “Só para ilustrar, a região de Ribeirão Preto, por exemplo, pode ter um índice de variação de 20 a 28 toneladas de cana por hectare, o que pode render 122 kg de ATR”.
Custos pra lá de salgados
Além dos preços baixos os custos da lavoura estão cada vez mais altos. “Nós estamos vivendo um momento de explosão de custo de produção, do aumento do preço diesel, da mão-de-obra e dos insumos. Isso tudo está prejudicando o trabalho. Para se ter uma idéia, o custo de produção por tonelada de cana está em torno de R$ 50, e de receita bruta R$ 33. Estamos amargando um déficit de R$ 17”, analisa Perina.
Para Sidney Augusto Colombo, proprietário da Usina Colombo, localizada na região de Catanduva, no estado de São Paulo o clima também não tem ajudado a produtividade. “Está complicado, a chuva deixou cair muito a produção, a cana vegetou muito e por isso ela fica com um teor de açúcar mais baixo”, explica. O aumento da chuva aumenta a tonelagem da cana, mas prejudica na maturação da planta, que acaba influenciando na baixa quantidade de açúcar, mesmo aplicando o maturador, que serve como estimulante nesse processo.
O produtor estima que este ano a produção sofra uma queda de 13,58% em relação ao ano passado. Anualmente, a usina processa cerca de cinco milhões de toneladas, na safra toda.
A lógica de mercado da cana, segundo Sidney, é que todos querem ganhar mais. “As distribuidoras, no momento, querem ganhar mais que os outros”. Para o usineiro, faltam medidas do governo para melhorar a situação no setor, para expandi-lo e garantir a produtividade.