Agricultura

Trigo: para garantir o pão!

As indústrias de processamento de trigo e seus produtos derivados, representadas pelas principais entidades do setor se reuniram para discutir a situação do trigo e encontrar ações conjuntas para superar uma crise. Em abril, os preços subiram e hoje o mercado vive o preocupante quadro de abastecimento.

De herói a vilão. Nos últimos meses, o trigo se transformou em notícia e se tornou um fortalecedor de uma antiga disputa latina, entre Brasil e Argentina. Desde que o nosso País vizinho resolveu não exportar mais o produto, a “briga” famosa do futebol foi parar diretamente no bolso do consumidor brasileiro. Tudo isto, provocado por quatro fatores.

Primeiro, o Brasil não é auto-suficiente na produção de trigo, produz por ano apenas três milhões de toneladas de trigo e consome 10,5 milhões de toneladas. Só em 2007, cerca de 6,6 milhões de toneladas foram importadas, ou seja, quase 70% para suprir a necessidade de consumo. Com isto, o suprimento do mercado interno infelizmente depende exclusivamente das importações, principalmente, da Argentina. Em segundo lugar, existe neste momento uma demanda mundial maior provocada pelo aumento de consumo dos países asiáticos, como a China e a Índia. Em terceiro lugar, a colheita de grandes produtores registrou quebras significativas na safra passada, comprometendo o estoque mundial. Com isto, as cotações internacionais do trigo atingiram os mais elevados patamares dos últimos vinte anos. O estoque mundial do trigo com a safra comercial 2007/2008 atingiram a marca de 112 milhões de toneladas, uma queda de 10%, se comparado com a safra de 2006/2007, onde os índices chegaram a 125 milhões de toneladas, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria do Trigo – ABITRIGO.

Finalmente, a Argentina tradicional fornecedora do Brasil também enfrenta problemas decorrentes de sua política de impostos de exportação (retenções) de cereais com o objetivo de conter a inflação interna, não permitindo desde o início de dezembro a exportação do cereal. A escassez do trigo provocou um aumento no preço do produto no mercado internacional.

O preço do pão francês já teve alta de 20%, em média, nos últimos 12 meses, sendo que no mês de abril sofreu novo repasse entre 10% a 15%. As massas também subiram, em média 25%, e os biscoitos e bolachas atingiram o reajuste de 21%. Ao longo de doze meses os alimentos que o utilizam o trigo, tiveram um aumento em cerca de 20%, segundo dados das entidades ligadas ao setor. E a notícia é de mais aumento para o próximo semestre.

De acordo com o Alexandre Pereira da Silva, presidente da Associação Brasileira da Industria de Panificação e Confeitaria – ABIP, as indústrias processadoras de trigo estão realizando grandes esforços, na medida do possível, para não repassar o aumento de preços à farinha, que nos mesmos períodos registrou aumentos de 19,33% e 23%. Entretanto o fôlego das empresas está chegando ao seu limite e outros reajustes de preços serão inevitáveis. Além dos preços altos, as indústrias podem enfrentar a falta do produto.

Parcerias Conjuntas

Para ajudar o mercado a superar a crise, as principais entidades do setor – ABITRIGO, ABIP, ABIMA (Associação Brasileira das Indústrias de Massas Alimentícias) e ANIB (Associação Nacional das Indústrias de Biscoito) recorreram ao governo e entregou no mês de abril, uma lista de medidas que podem socorrer de imediato o setor. Entre as ações, está a suspensão temporária do recolhimento do AFRMM (Adicional de Frete para Recuperação da Marinha Mercante), que corresponde a 25% sobre o valor do frete. Eles também querem a inclusão dos produtos derivados de trigo no projeto de reforma tributária e a desoneração incidente sobre o trigo e seus derivados, mesmo que em caráter emergencial, do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Este imposto pode representar até 36% do custo do produto final em determinados Estados. E finalmente, a imediata suspensão da Tarifa Externa Comum (TEC), incidente sobre as importações de trigo. Esta medida representa uma redução de 10% no custo de aquisição do produto importado. Em dezembro de 2007, o governo argentino liberou sete milhões de toneladas de trigo para exportação, sendo 3,2 milhões de toneladas para o Brasil. No início do mês a Argentina liberou mais 1,2 milhão de toneladas, sendo que as últimas remessas foram feitas em parcelamento. A Argentina garantiu a exportação de dois milhões de toneladas. O anúncio da isenção do TEC incentivou a exportação, porém, o governo liberou apenas um milhão de toneladas, com a isenção da taxa. E a Argentina acabou adiando por quatro vezes a remessa. A incerteza desta demanda para o mercado causou aos moinhos brasileiros uma incerteza futura. No momento, o que espera do mercado argentino é a liberação de 1,2 milhão de toneladas. Neste caso, o Brasil tem preferência por oferecer o melhor preço ao produtor argentino.

De acordo com Luiz Martins, representante da ABRITRIGO, sem o trigo, o Brasil passou a importar dos Estados Unidos e Canadá, a preço e custos de frete maiores. Infelizmente, a produção interna de trigo já está esgotada para vender. Outro fator conhecido para os produtores é a competição do mercado. O preço do milho safrinha compete diretamente com o trigo. Se o preço é melhor que o trigo, os produtores investem em áreas de milho. Hoje, o Brasil tem condições para o plantio, no entanto, não tem as mesmas condições da Argentina. “O que falta também é uma parceria para estimular o produtor”, comenta Luiz Martins. “O governo está atento às solicitações emergenciais do setor. Há também previsto um plano denominado de Qüinqüenal de apoio à Triticultura, na tentativa de fortalecer o mercado e se livrar da dependência futura da importação do trigo. Entre estas ações, está também a idéia dos moinhos paulistas financiarem 25% da produção de trigo. Mas, por enquanto são somente especulações”, diz o representante da ABRITRIGO.

O grão das contradições

Segundo as entidades do setor, em 1986 o Brasil chegou a ser auto-sustentável e se conseguiu até uma variedade diferenciada de trigo. Mas, a demanda foi maior e a necessidade de um produto com qualidade e quantidade condenou o Brasil a dependência, principalmente, da Argentina e de outros países.

“Hoje o trigo comercializado nos Estados Unidos está na faixa de 400 até 550 dólares. Na Argentina, o preço era negociado a R$ 470. O mercado está fechado e quem sofre hoje com a situação são os pequenos moinhos, principalmente, dos Estados do Paraná e Rio Grande do Sul”, afirma o presidente da ABRITRIGO.

De acordo com as entidades, o preço do trigo nacional subiu 25,55% em 2008, na comparação com o ano passado, passando de R$ 522 a tonelada para R$ 656. Em 2006, o produto custava R$ 410 a tonelada. O trigo argentino está ainda mais caro. A tonelada passou de R$ 470 em 2007, para R$ 688 em 2008, uma alta de 53,44%.

Para este ano, segundo o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Massas Alimentícias – ABIMA, Cláudio Zanão, não há perspectiva de redução de preço. “Não há trigo para vender. Tivemos um 2007 muito bom e esperávamos o mesmo para 2008, mas infelizmente não será assim. O que precisamos agora são de medidas para amenizar os aumentos de preços”, alerta Cláudio Zanão.

De acordo com a ABIMA, o preço da farinha de trigo brasileira na indústria, passou de R$ 1.066 para R$ 1.312 a tonelada, entre 2007 e 2008, uma alta de 23,07%. No ano passado, o item já havia subido 19,33% na comparação com 2006. O Brasil é o segundo maior produtor mundial de biscoitos, com faturamento anual de R$ 7,41 bilhões. No setor de massas, o País é o terceiro produtor do mundo, com faturamento de R$ 4,67 bilhões. Mais em contra partida, o trigo neste momento vira o vilão da estória e tem uma estimativa que a safra brasileira chegue a quatro milhões de toneladas, no ano que vem.

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