Basta chover para que cotações do café recuem devido a especulações de que o clima favorável no Brasil, o maior produtor mundial da commodity, poderá repercutir em aumento da previsão de safra.
Entretanto, especialistas e produtores tem se deparado com a constatação de que as condições adversas de clima podem comprometer o pegamento das floradas, com reflexos na safra 2007/2008. Esta é a conclusão da análise técnica elaborada pelos pesquisadores do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Ecofisiologia e Biofísica, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Joel Irineu Fahl, Marcelo Bento Paes de Camargo e Maria Luiza Carvalho Carelli.
Segundo o texto, “as condições climáticas do ano de 2007, desde o início de março até o final de outubro, têm sido atípicas, apresentando deficiência hídrica acentuada e prolongada e temperaturas médias superiores às normais históricas. Em muitas regiões cafeeiras do Sul de Minas Gerais e da Mogiana (SP) ocorreram chuvas de várias intensidades no mês de julho e também no final de setembro e de outubro, que provocaram floradas de diferentes intensidades. Por exemplo, em Campinas (SP), cafezais adultos floresceram no início de agosto, início de setembro e final de outubro, esta mais intensa”.
“Porém, após as chuvas do final de setembro e outubro, a ocorrência de temperaturas máximas elevadas superiores a 34ºC, chegando a alcançar até 37ºC em algumas localidades, associadas com déficit hídrico acentuado, ocasionou a presença de alta porcentagem de botões florais com má formação. Essa anomalia é caracterizada pelo desenvolvimento reduzido das pétalas, impossibilitando a proteção adequada dos estigmas das flores, o que provavelmente, compromete a fecundação dos óvulos, resultando posteriormente em queda dos ovários (chumbinhos) não fecundados. Observa-se, também, com freqüência nessa fase que os estiletes apresentam necrose, provavelmente provocada pelas altas temperaturas, associadas à acentuada deficiência hídrica. Contribuiu ainda para a ocorrência de botões com má formação as temperaturas mínimas elevadas, atingindo em alguns locais até 22ºC”.
Em uma mesma planta pode ser encontrado flores com abertura prematura com diferentes graus de anormalidades: a. estilete e estigma consideravelmente expostos – anomalias severas; b. parte do estigma e ponta das anteras salientes – anomalias menos severa; c. flores com abertura da corola no ápice – anomalias fracamente severas. A ocorrência das duas primeiras anomalias pode ocasionar perdas variáveis na produção, enquanto no último grupo (c) as flores podem apresentar comportamento normal não alterando a produção. Ainda há casos extremos onde todas as partes da estrutura floral permanecem verdes e atrofiadas, com exposição total dos estiletes, dando formação às flores conhecidas como “estrelinhas”.
Para os pesquisadores, de modo geral, as condições climáticas adversas, anteriormente descritas, favoreceram a evolução do ataque do bicho mineiro, causando em muitas culturas intensa queda de folhas, levando a baixa relação área foliar por botão floral e conseqüente comprometimento do desenvolvimento e abertura dos botões florais. “O baixo enfolhamento da planta provavelmente apresentará reflexos negativos, de diferentes intensidades, no pegamento e desenvolvimento dos frutos devido à baixa relação hídrica planta/botão-fruto, e ao suprimento insuficiente de carboidratos principalmente na fase posterior à abertura das flores, período em que ocorre intensa divisão e diferenciação celular. Em uma mesma planta pode ser observado a presença de botões florais normais, nos ramos com folhas sadias, enquanto os ramos desfolhados apresentam alta incidência de flores mal formadas.
No artigo, destaca-se ainda a amplitude dos efeitos das condições climáticas atípicas para o cafeeiro, uma vez que em uma mesma cultura observam-se três floradas de razoável intensidade excessivamente espaçadas (floradas de início de agosto, início de setembro e início de novembro). Tal fato poderá depreciar a qualidade de bebida da próxima safra devido à falta de uniformidade na maturação dos frutos.
“O quadro de anormalidades apresentado na última florada (início de novembro) evidencia a possibilidade de perdas na produção, em diferentes intensidades, podendo em algumas culturas atingir percentuais elevados. Apesar das evidências ainda é prematuro quantificar o porcentual na quebra da produtividade. Essa avaliação poderá ser feita com consistência apenas no final da estabilização do processo de frutificação, o que deverá ocorrer em meados de dezembro”, concluem.
Zona da Mata
Para o fisiologista Alemar Braga Rena, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), muitos dos conceitos – quase dogmas – sobre a floração do cafeeiro, deverão ser revistos frente às mudanças de temperatura (valores absolutos e variações entre as máximas e mínimas) que vêem ocorrendo desde 1996. Em depoimento na Comunidade Manejo da Lavoura Cafeeira, da Rede Cafés do Brasil, no Peabirus, ele ressalta que a maioria das lavouras na Zona da Mata está em situação crítica de desfolhamento. Ele ressalta ainda que “na maioria das lavouras novas, com até 5 anos, os botões da parte superior da planta, que não abriram em flor, estão morrendo (o perianto fica com a cor creme), e se destacam com o mais leve toque, deixando exposto um ovário verde”.
“Evidentemente que em biologia nada é linear, tudo depende do cultivar, estado nutricional orgânico/inorgânico da planta, extremos do ambiente etc. De qualquer forma, o enfolhamento da planta é fundamental. Há um ditado que diz que o desastre está perto de uma lavoura que fica muito branca no dia da antese. As reservas de amido da planta esgotam-se muito rapidamente após o início da expansão, e a fotossíntese corrente passa a ser determinante para o fornecimento de energia”, declara.
Sul de Minas
O Sul de Minas Gerais é outro exemplo onde a florada preocupa os produtores. Segundo Joaquim Goulart de Andrade, gerente do Departamento de Desenvolvimento Técnico da Cooxupé (Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé), a situação é mais crítica nos municípios de Alfenas, Campos Gerais, Campo do Meio e Carmo do Rio Claro, onde os cafezais se encontram abaixo de 900 metros de altitude e algumas áreas registram déficit hídrico de até 400 mm. Ele comenta que ao ver a florada de longe o produtor fica animado, mas, nos detalhes, percebe grande quantidade de flores queimadas ou com outros distúrbios.
A análise criteriosa destas condições e a previsão da safra deverão ser divulgadas nos próximos 10 dias, com base em relatório técnico e experiência de campo da maior cooperativa de café do mundo. Joaquim Andrade destaca que em regiões de altitude superior a 900 m, mantidas em bom nível de fertilidade e enfolhamento, os distúrbios com a florada serão menores, mantendo boa capacidade produtiva. Entretanto, regiões com deficiência hídrica acentuada terão a próxima safra comprometida. Mais declara ser ainda cedo para prever o percentual desta quebra. “Depois desta seca, se a safra não for afetada, teremos que rever as indicações para o uso de irrigação”.