Agricultura

Milho: transgênicos são amigos

A adoção de variedades geneticamente modificadas vai proporcionar um enorme salto de produtividade do milho no país.

As paixões continuam acompanhando a maioria das discussões envolvendo o emprego de transgênicos na agricultura brasileira.

Posições defendidas ferrenhamente em ambos os lados dão claro sinal de que a questão ainda “vai dar muito pano para a manga”. Dados apurados em pesquisas recentes, feitas por instituições idôneas, porém, mostram que a questão gera mais temor do que deveria, e que é fato que os organismos geneticamente modificados trazem vantagens tanto na produtividade quanto na qualidade das lavouras.

O medo é justificável e, historicamente, previsível. Quem não se lembra de frases como “comida de forno de microondas dá câncer”, ou “falar muito ao celular causa problemas neurológicos”, ou coisas mais antigas, como “a fotografia aprisiona a alma das pessoas”. Exageros à parte nos exemplos, a verdade é que a sociedade sempre recebe com temor e descrédito as grandes descobertas científicas, e não há, a curto prazo, argumento científico ou estatístico que acalme o sentimento geral. Essa missão cabe, única e exclusivamente, ao tempo.

Por outro lado, não são apenas trabalhos científicos que indicam o provável acerto no emprego de transgênicos. Experiências práticas bem sucedidas em outros países também asseguram que é possível utilizar esses produtos sem maiores problemas ou prejuízos. Ao contrário. Num mercado internacional cada vez mais competitivo e feroz, e com a vocação messiânica do Brasil para se transformar no tal “celeiro do mundo”, é bom ficarmos de olhos abertos, para não perdermos o bonde da história.

Sem onus comercial

Leonardo Sologuren, engenheiro agrônomo, diretor da Céleres e conselheiro do CIB questiona a possível vantagem do Brasil em produzir milho convencional. “Em diversas situações, divulgou-se na mídia ou nos bastidores do mercado, de que os preços pagos aos produtos não geneticamente modificados seriam mais elevados no mercado internacional e que ao mesmo tempo, a parcela conquistada nas transações internacionais seria incrementada por parte dos países que não são adeptos a produção de transgênicos. Através deste ponto de vista, os defensores da agricultura convencional partiram do pressuposto de que o Brasil seria favorecido pela não produção de transgênicos. Alegaram que os países da Ásia e Europa eram adversos ao consumo de produtos geneticamente modificados, e que o Brasil passaria a ser um dos principais fornecedoresde grãos a estes dois continentes”, conta.

Para argumentar a hipótese destas tendências, Sologuren sugere uma análise de dados comerciais entre Brasil e Argentina para fornecer subsídios para averiguar se houve vantagem para o Brasil em comercializar produtos convencionais.

A produção de milho geneticamente modificado na Argentina teve o seu início na safra 1996/97, quando foram cultivados apenas 70 mil hectares. De lá para cá, a produção de milho Bt na Argentina registrou um crescimento médio anual de cerca de 50%, o que representa 8,0% dos 13,5 milhões de hectares cultivados com produtos geneticamente modificados na Argentina.

A hipótese de que consumidores europeus e asiáticos refutam os produtos transgênicos poderia ser quebrada pelo padrão de comportamento observado nas exportações de milho da Argentina. Realizando uma análise do período de 1997 a 2006, conclui-se que os europeus e os asiáticos estão entre os principais importadores de milho da Argentina. A Espanha se destaca em segundo lugar no ranking, com uma aquisição da ordem de 6,23 milhões de toneladas no acumulado do período. O Japão aparece em sexto lugar na lista, com um volume de aquisição de 3,95 milhões de toneladas, enquanto a Coréia do Sul se destaca em oitavo lugar com volume total importado no período de 2,78 milhões de toneladas. Ainda figuram entre os principais importadores, Malásia (9º), Portugal (11º), Taiwan (15º) e Reino Unido (16º), em uma lista que contempla 106 países.

Desde que o Brasil passou a ser um exportador freqüente de milho ao mercado internacional, a Espanha e a Coréia do Sul se destacaram como os dois principais importadores do produto tupiniquim. De 2001 a 2003, a Espanha adquiriu um volume total de milho do Brasil da ordem de 2,01 milhões de toneladas. No mesmo período, a Espanha importou da Argentina 2,32 milhões de toneladas. Já a Coréia do Sul importou do Brasil um volume total de 2,73 milhões de toneladas de 2001 a 2003, enquanto o volume adquirido da Argentina no mesmo período foi de 1,75 milhão de toneladas. Por parte do Japão, o volume adquirido tanto na Argentina quanto no Brasil foi de 1,21 milhão de toneladas.

Pode-se dizer que, de fato, o Brasil está ocupando uma parcela de mercado que antes era da Argentina, o que é natural ocorrer quando há a entrada de um novo player no mercado. Entretanto, a Argentina não deixou de abastecer os países europeus e asiáticos. Além do mais, quando os preços são analisados, chegamos à conclusão de que o milho brasileiro não recebe nenhum prêmio por ser livre de transgenia. Em 2003 os preços do milho praticados no porto de Paranaguá foram apenas 0,6% superiores aos preços do milho praticados no porto de Buenos Aires. Em 2001, o preço no porto de Buenos Aires chegou a ser 6,6% superior ao de Paranaguá.

Sabe-se que um dos grandes entraves a competitividade do milho no mercado internacional é a sua baixa produtividade. Enquanto o rendimento médio por área no Brasil foi 3.610 kg/hectare na safra 2002/03, na Argentina o rendimento médio na mesma safra foi de 6.477 kg/hectare. Obviamente, que se poderia argumentar que as condições naturais de cultivo de milho na Argentina são mais favoráveis, o que de fato, é verdade. Todavia, os custos de produção na Argentina tornaram-se ainda mais competitivos com a adoção dos trangênicos, o que deixa o país em vantagem frente ao Brasil.

Ao mesmo tempo, o volume de hectares infestados com lepidópteras prejudiciais a cultura do milho é muito superior em relação à Argentina. Estima-se, que somente no Brasil, mais de 7 milhões de hectares de milho são infestados com tais lepidópteras em uma área de cultivo total de 13 milhões de hectares. Não há dúvida, de que a adoção do milho Bt seria benéfico tanto para a redução dos custos de produção quanto para o aumento da produtividade.

A pergunta que fica é: qual a vantagem competitiva do Brasil do ponto de vista comercial em produzir milho convencional frente aos países concorrentes no mercado internacional que produzem milho geneticamente modificado? Em termos de transações comerciais, é possível detectar que não há nenhuma vantagem, seja em termos de preço seja em termos de conquista de mercado. Muito menos do ponto de vista da competitividade como eficiência, onde são analisados fatores como a capacidade de conversão dos insumos em máxima produtividade.

Sem danos para a saúde

Uma das bandeiras levantadas pelos inimigos dos organismos geneticamente modificados são os possíveis riscos que estes produtos trariam a saúde humana. De acordo com Raquel Monteiro Cordeiro de Azeredo, membro do Departamento de Nutrição e Saúde da Universidade Federal de Viçosa, MG, nada foi até hoje provado nessa linha de raciocínio. Ao contrário, as pesquisas mais sérias e embasadas já realizadas dão argumentos favoráveis aos transgênicos. Raquel aponta um relatório feito por uma comissão da União de Academias de Ciência e Humanidades da Alemanha, que trata da biotecnologia aplicada à agricultura, em que foram analisados os riscos potenciais do consumo de alimentos geneticamente modificados.

O relatório, conduzido sob ponto de vista estritamente científico e com base em estudos liderados por pesquisadores idôneos, apresentou evidências de que alimentos derivados de plantas transgênicas são equivalentes ou mesmo superiores a suas contrapartes convencionais, no que se refere a questões de saúde. Foram levados em conta o potencial carcinogênico, toxigênico e alergênico desses alimentos, bem como possíveis efeitos indesejáveis resultantes da ingestão de DNA transgênico.

Ao examinar se alimentos derivados de milhos GM poderiam oferecer maiores riscos à saúde do que os elaborados com material convencional, a comissão constatou a superioridade dos alimentos feitos com milho transgênico. Observou-se no milho comum uma excessiva contaminação por fumosina, uma toxina de fungos, sendo as maiores concentrações encontradas em alimentos identificados como “orgânicos”. Já no milho transgênico a toxina era muito reduzida, resultado da inserção de um gene de resistência a insetos que torna o grão menos suscetível ao ataque por fungos.

Segundo a comissão, os perigos relacionados a mutações e aparecimento de compostos carcinogênicos são muito menores na geração de plantas GM do que em processos convencionais em que se utilizam substâncias químicas mutagênicas ou irradiação gama. Além do mais, os alimentos transgênicos são submetidos a testes rigorosos antes de sua liberação, usando animais de laboratório, o que não ocorre com alimentos elaborados com plantas obtidas por métodos convencionais.

O receio de que o consumo de alimentos derivados de plantas GM resulte em grande risco de manifestações alérgicas é um dos argumentos bastante explorados por ativistas antibiotecnologia. Entretanto, como os alimentos transgênicos são obrigatoriamente testados para avaliar seu potencial alergênico, por meio de protocolos aprovados por organismos internacionais, sua segurança é muito maior do que os alimentos convencionais. Como ilustração, cita-se o caso do amendoim comum, com cerca de 12 proteínas alergênicas, cuja utilização na alimentação humana não sofre qualquer restrição legal.

Semelhantemente, a teoria de que o DNA transgênico poderia afetar a saúde humana, por aderir a células intestinais, também foi refutada. Todos os dias ingere-se entre 0,1 e 1 grama de DNA na alimentação. Se o alimento for derivado de planta GM, apenas uma partícula desse DNA será transgênico (entre 1/100.000 e 1/1.000.000). Pesquisadores mostram evidências de que sua digestão não difere do que ocorre com o DNA de qualquer alimento. Além do mais, os organismos são dotados de ‘barreiras’ que inibem as transferências de genes de plantas para o genoma animal.

Como os países europeus têm sido excepcionalmente cautelosos com relação aos alimentos geneticamente modificados, o relatório dessa comissão vem abalar as já desgastadas argumentações desprovidas de fundamentação científica ou, mesmo, circunstancial, usadas em campanhas de oponentes da biotecnologia, os quais se dedicam a difundir a idéia de que os alimentos transgênicos representam um perigo à saúde. O documento menciona um argumento irrefutável a favor da segurança dos alimentos transgênicos. Consiste no fato de que desde 1996 – especialmente nos Estados Unidos – centenas de milhões de pessoas vêm consumindo produtos feitos com plantas GM rotineiramente, sem que um caso sequer tenha sido comprovada a ocorrência de algum efeito adverso em razão desse consumo.

Sem danos para o meio ambiente

O plantio do milho geneticamente modificado em diversos países tem demonstrado que a coexistência com as variedades convencionais é possível, desde que valorizado o conhecimento científico e respeitadas as boas regras de manejo agrícola. O resultado de tal prática é que, quando conduzidas por pessoas neutras, com expertise tecnológica e vivência nas atividades agronômicas, as informações do campo tornam-se fonte precisa e segura para políticos, associações ecológicas e toda sociedade, de maneira objetiva e transparente.

Muitas discussões sobre os riscos do cultivo de transgênicos sobre o meio-ambiente se justificam no fato de que pouco se sabe, e pouco se estudou sobre o assunto dentro do país até o momento. Há, porém, inúmeros estudos já elaborados por entidades respeitadas em todo o mundo, e sem pressão ou influência econômica das grandes empresas do setor, que poderiam ajudar a acalmar o medo dos ambientalistas de plantão. Onze estudos de campo abordando o impacto de plantas geneticamente modificadas sobre organismos não-alvo foram realizados nos Estados Unidos e na Austrália e publicados, na forma de 13 artigos revisados por especialistas altamente conceituados, no renomado Environmental Entomology. O periódico é publicado pela Sociedade

Entomológica dos Estados Unidos, organização sem fins lucrativos fundada em 1889.

As plantas transgênicas atualmente comercializadas podem ser tolerantes a herbicidas, capazes de produzir proteínas da bactéria inseticida Bacillus thuringiensis (Bt) – que conferem às plantas resistência ao ataque de pragas específicas –, ou ainda combinar as duas características. Vários fatores são mencionados como favoráveis à adoção das plantas Bt, como eficiência no controle de determinadas pragas em algumas lavouras, aumento da produtividade, redução dos custos de produção e redução no emprego de inseticidas químicos que atuam sobre diferentes insetos que causam danos às plantações. Conseqüentemente, a redução no uso de inseticidas também favorece o controle biológico natural, pois os insetos benéficos ficam menos sujeito aos produtos químicos.

Críticos da tecnologia destacam, entre outros, a possibilidade de ocorrência da transferência de genes de organismos transgênicos para indivíduos da mesma espécie ou de espécies diferentes, desenvolvimento de resistência das pragas às toxinas expressas pelas plantas biomelhoradas e efeitos indesejáveis dessas plantas sobre organismos que não são alvos de controle, mas que fazem parte dos ecossistemas nos quais estão as plantas GMs cultivadas.

As pesquisas publicadas no Environmental Entomology abordam exatamente o impacto de plantas Bt sobre organismos não-alvo e, no conjunto, constituem a avaliação mais completa desta natureza já realizada até o momento. A riqueza da pesquisa deve-se à complementaridade dos estudos, à diversidade de organismos avaliados, à freqüência e variação dos métodos de amostragem empregados e ao tempo de realização dos testes de campo. A maior parte dos estudos teve de dois a três anos de duração, chegando a cinco ou seis em algumas situações.

Em estudos com milho Bt , a quantidade de organismos não-alvos da tecnologia, incluindo inimigos naturais de pragas que são agentes de controle biológico, não foi afetada significativamente. Segundo os autores dos trabalhos, as poucas alterações observadas foram relacionadas com a menor quantidade de lagartas (pragas) nas lavouras, como conseqüência da eficiência de controle das plantas Bt. Essa menor quantidade de pragas resulta, em muitos casos, na menor presença de seus inimigos naturais específicos. Em um dos estudos, no qual foram avaliadas mais de 200 espécies de insetos e aranhas, o único efeito indireto inesperado foi a menor ocorrência nas parcelas transgênicas de uma espécie de percevejo benéfico.

Por último, os estudos de campo com milho Bt resistente a besouros demonstram que os efeitos foram positivos no controle das pragas conhecidas como “vaquinhas”, alvos da tecnologia. Outros besouros, como as joaninhas e os conhecidos como carabídeos, que são importantes inimigos naturais de pragas, não foram afetados pelo milho Bt estudado. Ou seja, a proteína inseticida expressa por essas plantas transgênicas teve efeito apenas sobre as pragas que são alvos de controle.

Conjuntamente, os estudos de campo demonstraram cientificamente que as plantas transgênicas avaliadas não afetaram os organismos que não são alvos de controle da tecnologia Bt. E, mais importante, os resultados científicos indicam que as plantas Bt não causam efeitos negativos diretos sobre organismos benéficos das lavouras. Ainda, os autores demonstraram que os inseticidas químicos normalmente empregados nas lavouras de algodão e milho podem ser, em alguns casos, prejudiciais aos organismos que não são pragas.

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