A Revista Rural se encontrou com Cesário Ramalho, presidente da Sociedade Rural Brasileira para uma análise sobre a atual situação que a agricultura vive. Acompanhe os principais trechos da entrevista, como ele vê a questão dos transgênicos, o problema da febre aftosa, o atual momento da cana de açúcar, a reforma agrária, dentre outros assuntos relevantes nos dias de hoje.
RURAL – Primeiro eu gostaria que o senhor avaliasse o atual panorama da agricultura no Brasil. O que o ministro vai encontrar? Quais serão os principais desafios?
Cesário Ramalho – Olha, o ministro encontra aí os problemas que vêm caminhando nesses últimos anos e com o crescimento da agricultura os problemas vêm se acentuando. São eles a infra-estrutura sucateada, a questão do seguro agrícola, a questão das transgenias, a questão dos juros, a questão do câmbio. A questão dos juros e do câmbio é uma questão macroeconômica e que precisa ser pensada. Não podemos deixar de pensar nisso. Os juros têm que cair. O agricultor está pagando um juro muito caro. Mesmo o juro oficial de 8,75% na economia estável que nós estamos vendo aí, em torno de 4% de inflação é um juro muito caro. Então têm que ser revisto isso daí. Então essas questões são as questões graves que o ministro tem que continuar trabalhando. O setor rural através de um comitê de agro negócio da FIESP (Federação das Industrias do Estado de São Paulo) comandado pelo [ex-ministro da agricultura] Roberto Rodrigues, nós entregamos a ele algumas reivindicações que nós dizemos ser um PAC (programa de Aceleração de Crescimento do Governo Federal) da agricultura e que está contido tudo isso aí que a gente acabou de falar.
RURAL – Gostaria que o senhor citasse os pontos bons e os ruins que o momento atual da agricultura vem passando.
Cesário Ramalho – Bom, os pontos fracos são esses que a gente acabou de falar que são essas dificuldades aí. Agora o ponto bom é que eu acho que a agricultura se firma cada vez mais como o principal setor brasileiro, como uma vocação brasileira, e a agricultura consegue penetrar no mundo, então você veja, nós temos aí por exemplo as carnes. A carne bovina é vendida em 150 países. Nós estamos muito agressivos nisso aí. Agora o grande desafio é o positivo: É o etanol; é a coisa mais extraordinária, é a maior mudança que vai haver na agricultura brasileira. O etanol interfere em tudo. Ele vai interferir em todos os grãos, ele vai interferir no algodão, ele vai interferir nas carnes; as carnes provavelmente vão ter outra variação, vão ter outros patamares de preço, então é tudo diferente com o etanol e o Brasil é o maior produtor de etanol do mundo. Nós temos a melhor produção de cana do mundo, nós temos o melhor custo de produção do mundo, e nós, principalmente, respeitamos o meio ambiente.
Tem muita gente que diz aí que a cana é monocultura. Nós temos 6 milhões de hectares de cana. Se nós dobrarmos a nossa produção nós vamos pra 12 [milhões]. No entanto nós temos aí de 180 a 200 milhões de hectares de pecuária, de pastagem. Nós temos 22 milhões de hectares de soja. Nós temos 6 milhões de hectares de florestas plantadas então isso aí [dizer que a cana é monocultura e que agride o meio-ambiente] é demagogia. A sociedade, nós agricultores, nós lideranças do setor temos que estar falando permanentemente, procurando os canais adequados para falar, para esclarecer a sociedade brasileira que aqui e daqui nós somos brasileiros e não vamos deixar que roubem nada da gente. A tecnologia pra produzir [o etanol] é brasileira, é nossa, é do nosso país, do nosso povo. E isso está sendo vendido; a rentabilidade, o produto disso. Então nós temos que ter uma sociedade mais amena, mais light e menos suscetível a questões ideológicas. A agricultura é business, é negócio puro. Não tem mais essa questão de ter a terra ou faltar terra. Não falta terra, o Brasil tem extensões colossais, o que falta é competência porque a terra hoje, nós tiramos dela aquilo que a gente põe. Os antepassados extraíram alguma coisa da terra. Hoje eu só tiro da terra o arroz, o feijão se eu puser alguma coisa lá.
RURAL – Como o governo deve agir com a questão dos transgênicos?
Cesário Ramalho – Olha, tem que liberar os transgênicos de uma forma mais profissional. Nós acordamos aí há pouco tempo que nós vamos rotular os produtos com transgenia. A Europa compra transgênico a China compra transgênico, os Estados Unidos compram, plantam, vendem, comercializam transgênico, por que o Brasil fica nessa confusão aí? E os principais concorrentes brasileiros em todos esses produtos como as carnes, os grãos, etc., todos eles estão atuando com transgenia. A transgenia é a grande revolução. É um mundo completamente mudado. Nós temos aí experiências colossais. Está se conseguindo aí, por exemplo, identificar que um planta no fundo do oceano perto da Groenlândia que produz uma proteína que melhora o [funcionamento do] coração. Então o que foi que fizeram? Buscaram no fundo do oceano essas plantas e estão fazendo uma transgenia delas com algum produto básico da nossa alimentação.
Quer dizer: A transgenia é levar o homem para a frente. A transgenia é dar saúde. A transgenia é, também pra nós agricultores, dar renda. Eu não posso plantar soja quando estou fazendo isso hoje com um custo de 70 a 80 dólares até o porto quando os argentinos têm [um custo de] 50 e os americanos têm [um custo de] 15 a 20 dólares. Nós temos que ter condições iguais. Então eu acho que a [questão da] transgenia melhorou um pouco aí esses dias com uma intervenção do Presidente da República e espero que a gente conduza isso tecnicamente, através da inteligência, através dos cientistas, através das universidades.
RURAL – Eu gostaria que o senhor comentasse o atual panorama da cultura do milho aqui no Brasil.
Cesário Ramalho – O milho vai ser grande revolução brasileira. O produtor de milho é um pobre, por quê? Porque o milho brasileiro vale muito pouco. Mas eu acho que pela primeira vez na história o milho quase dobrou [de valor] no ano passado. Na bolsa de Chicago o milho aumentou 80%. Isso refletiu no Brasil fortemente de tal modo que a safrinha já cresceu 13% em relação à última safrinha, então é a primeira resposta do brasileiro, que quando você tem ganhos na atividade, você investe e essa é a primeira resposta. Quer dizer, nós vamos ter o milho para abastecer toda a demanda brasileira e nós vamos começar a ter de fato o milho para a exportação. O que nós exportamos de milho hoje é uma exportação estratégica adotada aí pelo [ex-ministro da agricultura] Roberto Rodrigues para melhorar um pouco os preços para o produtor de milho. Nós exportávamos 3 ou 4 milhões de toneladas na safra e depois recomprávamos isso. Então o milho eu acho que é a grande vedete, junto com o etanol.
RURAL – Quais as principais mudanças que o atual ministro terá de fazer no seu mandato?
Cesário Ramalho – Não se precisa uma mudança. Eu acho que precisamos resolver os problemas existentes e dar segurança e dar confiança para o agricultor continuar trabalhando e produzindo. Acabar com essas questões básicas, essas questões primárias: Questão de infra-estrutura é primária. Nós temos a maior agricultura tropical do planeta e, no entanto, nós não temos seguro. Você planta, colhe 50 sacas de soja, nós estamos vendo agricultores colhendo até 70 sacas de soja por hectare, mas isso tem um custo exagerado, é um custo elevado. Toda a tecnologia disponível pra produzir, está sendo utilizada. Agora, custa muito caro. Então, nós pra não perdermos o agricultor, para não termos problema de dívidas futuras, nós temos que ter seguro, por exemplo.
RURAL – Como o senhor vê a questão da reforma agrária?
Cesário Ramalho – Eu vejo a reforma agrária falida. Eu acho que nós estamos brigando há trinta anos em cima de uma questão que é uma questão, no mundo de hoje, superada. O Brasil tem uma população rural que só perde para a China, onde o agricultor vive na miséria extrema. Não sei se é só a China, estou falando da China como um país importante, mas eu acho que nós estamos aí na contramão. O agricultor hoje, ele quer sair do campo, a juventude quer sair do campo. As populações rurais, no mundo inteiro, o mundo civilizado, que é o mundo que tem recurso que tem renda, a população sai do campo pra ir para a cidade. Então nós estamos num inverso disso. Gastamos muito dinheiro e não atendemos àquilo que nós precisávamos que é fixar o homem no campo.
Com essa crise que nós tivemos, nós perdemos empregos no campo. Então nós perdemos de um lado e gastamos um monte de dinheiro da sociedade brasileira para tentar viabilizar um outro indivíduo no campo, que não é adequado, que não tem uma formação rural, que é um desempregado, que está sendo arregimentado por esses movimentos de reforma agrária, que na verdade são movimentos voltados para a política; têm bandeiras políticas, projetos políticos. O que não têm é um projeto de campo. Pra questão do campo você tem que ter vocação. O agricultor, ele entende que ele perde um ano, perde dois e no terceiro, São Pedro lembra dele, chove e ele colhe.
RURAL – Qual comentário o senhor faz sobre a questão da febre aftosa?
Cesário Ramalho – A aftosa é uma vergonha nacional. Eu estou vendo que outros países estão conseguindo controlar a aftosa e o Brasil continua no mesmo estágio. O que falta na [questão da] aftosa? Falta vontade política de trabalhar, falta determinação, falta liderança. A questão da rastreabilidade caminha com muita dificuldade porque os atores envolvidos estão preocupados com suas vaidades pessoais, suas ambições políticas, sociais e esquecem que a aftosa é [causada por] um vírus e que ele não frequenta a mesa de negociações como a gente, então eu acho que a aftosa tem que ser mais simples. Nós temos que ter a vontade política, a inteligência, e ter o que o ministro precisa ter: Ter gestão. Sem ideologias e sem política. Aí nós resolvemos. É fácil, não é difícil.