Setor acolhe com ceticismo indicação do novo ministro da agricultura, Reinhold Stephanes. A Agricultura viu nas últimas semanas indecisões, conflitos de interesse e troca de comando no mais alto posto da esfera estatal que cabe exclusivamente a ela.
Com a base governista formada no seu segundo mandato, o Presidente Luís Inácio Lula da Silva se viu obrigado a partir para a segunda fase da formação do Governo: O loteamento dos cargos ministeriais. E o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento acabou ficando com o PMDB, o maior partido aliado.
A primeira opção do PMDB para ocupar o cargo foi o deputado federal pelo Paraná, Odílio Balbinotti. Seu nome foi recebido com certo ceticismo. O fato de ele ser um agroempresário agradou aos ruralistas, mas a notícia de sua indicação ao Ministério foi muito mal repercutida no meio político e na mídia. Odílio é visto por seus colegas como um deputado com pouca atuação no Congresso Nacional. Em doze anos de legislatura ele apresentou apenas dois projetos de lei. No seu último mandato, de 2003 a 2007, Balbinotti não apresentou nenhum projeto na Câmara. A última vez que ingressou com um projeto de lei foi em 2000, quando propôs mudanças no sistema previdenciário. Em 1998, ele tentou conceder isenção do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) na aquisição, pelas prefeituras municipais, de veículos automóveis, máquinas e equipamentos, para uso no serviço público municipal. Nenhum dos dois projetos prosperou na Câmara.
Contra Balbinotti ainda pesou um processo que corre contra ele no Supremo Tribunal Federal. O deputado é acusado de ter falsificado documentos e utilizado “laranjas” para obter empréstimos no Banco do Brasil, no valor de R$ 1,75 milhão. A operação foi feita há dez anos, em 1996. Na operação que resultou nos empréstimos, empresas de Balbinotti teriam falsificado documentos e utilizado indevidamente o nome de nove pessoas.
Por essas razões, Balbinotti acabou vetado e o PMDB partiu em busca de outro nome para ocupar o cargo. Reinhold Stephanes foi o escolhido para substituir Luís Carlos Guedes Pinto. Sua indicação foi vista com bons olhos, já que tão pouco ele é relacionado com a bancada ruralista do Congresso. “Este distanciamento exigirá um forte esforço de aproximação do novo ministro com o setor privado rural e o legislativo para a construção de uma agenda em comum de desenvolvimento para a agricultura”, afirma o presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Cesário Ramalho.
Porém, o perfil de gestor em cargos públicos atribuído a Stephanes é visto pela SRB como um diferencial importante para o comando do Ministério. “Minha primeira experiência no setor público foi na área agrícola”, explica Stephanes, que passará a comandar as políticas públicas direcionadas a um setor que hoje responde por 36% das exportações totais do País, 28% do Produto Interno Bruto (PIB) e cerca de 37% dos empregos no campo e nas cidades.
Seu currículo está à altura dos problemas que ele terá de enfrentar na pasta. O Ministro terá de lidar com um orçamento aquém das necessidades, além de, segundo o presidente da SRB, priorizar os gastos do Ministério da Agricultura destacando inicialmente as áreas de defesa sanitária, seguro rural, pesquisa agropecuária, crédito e instrumentos de apoio à comercialização. Além disso, ainda segundo Ramalho, o novo ministro terá que ter força política para pleitear junto à equipe econômica recursos orçamentários justos para as demandas da agricultura, bem como medidas e políticas públicas que favoreçam o crescimento do setor, com destaque para questões relacionadas a juros, tributação, câmbio e investimentos em infra-estrutura logística.
Ramalho também destaca que Stephanes terá ainda que estar atento para atuar em temas-chave para o setor, que têm alçada em outros ministérios, como, por exemplo, assuntos relacionados à legislação ambiental, trabalhista e biotecnologia.
A SRB ressalta também que o novo ministro deve ter autonomia para montar sua equipe de trabalho, com base em critérios técnicos, livre de pressões políticas. Para a entidade, as indicações devem ser pautadas pelo conhecimento maduro dos profissionais sobre a agricultura, trajetória ligada ao setor e sintonia com os desafios e necessidades da atividade.
Filho de agricultores nascido numa pequena comunidade rural de Porto União (SC) na divisa com União da Vitória (PR), Stephanes (68) trabalhou no Ministério da Agricultura e ocupou o cargo de diretor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na década de 70. “O decreto que criou o Incra fui eu quem redigi, assim como escolhi o primeiro prédio do instituto”, recorda este economista formado pela Universidade Federal do Paraná, que também já foi Secretário de Agricultura do Estado Paraná (1979-1981), Ministro de Estado da Previdência Social (1992-1995) e Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social (1995-1998).
Casado, pai de quatro filhos, Stephanes já ocupou outros cargos públicos. Do final da década de 70 até 2007, ele foi deputado federal em seis legislaturas. Também foi Secretário Municipal de Fazenda de Curitiba de 1966 a 1967 e presidente do então Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) de 1970 a 1973. O novo ministro ingressou no serviço público por intermédio de concurso público para o Governo do Estado do Paraná. Stephanes também desempenhou outras atividades. Ele foi professor da Universidade Católica do Paraná e presidente da Sociedade Brasileira de Economistas Rurais de 1981 a 1983.
No dia de sua posse, no dia 27 de março, Stephanes viu o seu antecessor, Luís Roberto Guedes Pinto destacar as conquistas de sua administração: Produção recorde de quase 129 milhões de toneladas de grãos na safra 2006/2007, duplicação das exportações do setor em quatro anos, devido, principalmente, ao aumento nas vendas externas de carnes, café, açúcar e álcool, levando o Brasil a incrementar em 92,4% o superávit do agronegócio no período, dentre outros números. Guedes também citou a conciliação entre a produção de alimentos e de energia, o controle sanitário, a implementação da rastreabilidade, a continuidade dos investimentos em pesquisa, o aperfeiçoamento da política agrícola e os avanços nas negociações internacionais como exemplos de alguns dos desafios que Stephanes terá que enfrentar nos próximos quatro anos, Guedes reafirmou ainda que o País tem condições de ampliar sua produção agrícola preservando o meio ambiente. “O Brasil conta com disponibilidade de terra para isso. Temos 100 milhões de hectares de terras agricultáveis que podemos utilizar sem derrubar uma única árvore, apenas recuperando áreas degradadas e destinando área de pastagens para plantio de grãos”.
Stephanes, porém parece saber dos desafios que o aguardam e se mostrou preparado para enfrentá-los. Em seu discurso de posse, o novo Ministro destacou suas prioridades e explicou o q fará para o setor agropecuário avançar nos próximos quatro anos.
Questionado sobre o acordo entre o Brasil e a Itália para a promoção do etanol, assinado por ocasião da visita do primeiro-ministro italiano Romano Prodi a Brasília, Stephanes afirmou que é importante que a produção de biocombustíveis cresça de forma sustentável, sem causar danos ao meio ambiente. “Esse acordo é uma nova frente que se abre para uma tecnologia que o Brasil domina, mas isso (o aumento da produção de etanol) tem de ser feito com muito cuidado, com plano estratégico que compatibiliza com clareza a questão do meio ambiente e a abertura de novas frentes, sem desmatamento”, afirmou. “Praticamente todo o crescimento da agricultura brasileira nos últimos 16 anos foi decorrente de produtividade.
Crescemos, na produção de grãos, 121% e aumentamos a nossa área em 21%. Então, daqui para frente, é preciso procurar o aumento da produtividade ou a recuperação de áreas degradadas que ainda podem ser utilizadas.”
O ministro explicou como será sua atuação em relação aos organismos geneticamente modificados, conhecidos como transgênicos. “Citei (no discurso) os transgênicos como um dos pontos sensíveis. Para mim, é uma questão muito clara: o Brasil tem uma lei de biossegurança e uma comissão, a CTNBio, que trata destas questões. É dentro destes limites que uma política de governo pode existir. A participação do ministro precisa ser no sentido de cumprir o que determina a lei e a CTNBio.”
Defesa sanitária, apresentada como uma das prioridades, será objeto de melhorias, segundo o Ministro. “A febre aftosa é uma preocupação antiga do Brasil”, afirmou. “Ajudei no início da implantação de programas de combate à febre aftosa há mais de 30 anos. A defesa animal precisa ser reforçada, necessita ser melhor estruturada e receber mais recursos. É preciso, principalmente, que se trate um pouco melhor a questão das fronteiras, uma vez que já temos problemas do lado da Bolívia e precisamos procurar uma atuação conjunta para evitar que (a febre aftosa) acabe contaminando o Brasil.”
O ministro também abordou o tema da redução de juros para a agricultura. “Isso é um objetivo que nós iremos perseguir, porque esses juros que temos hoje, de 8,75%, são de uma época em que a taxa Selic estava em mais de 20% e a inflação estava em 6% a 8%. Como houve uma redução de tudo isso, acho importante pensar em mudanças, o que seria importante para a agricultura.”
Para Cesário Ramalho, no entanto, o maior desafio do novo ministro será o de melhorar a infra-estrutura para o escoamento da produção agrícola: “O ministro terá de intervir junto a Ministra (da casa civil) Dilma Roussef e ao presidente Lula para acabar com os gargalos que impedem o País de transportar e exportar tudo aquilo que produz”, afirma o presidente da SRB.