A disponibilidade hídrica de uma bacia hidrográfica está diretamente associada à pluviometria da região. Durante os períodos de seca ocorre redução na vazão dos rios, o que pode favorecer, caso não haja um planejamento adequado, o surgimento de conflitos pelo uso da água.
Mesmo o Brasil, que possui cerca de 12% das águas superficiais do planeta, está convivendo, embora de forma localizada, com problemas de escassez hídrica ocasionada pela redução da disponibilidade dos recursos hídricos, bem como por questões relacionadas a sua qualidade. Essa escassez afeta, em primeiro lugar, as comunidades mais carentes, contribuindo para o crescimento da pobreza e da fome.
A retenção e o armazenamento da água constituem na única maneira de garantir um fornecimento seguro e continuado de água de forma a atender às diversas demandas hídricas ao longo do tempo.
Dentre as formas de armazenamento existentes, a barragem é uma das mais utilizadas. Uma barragem, também denominada de represa ou reservatório de água, é uma barreira, construída transversalmente à direção do escoamento de um curso de água, com a finalidade de acumular ou elevar seu nível.
Quanto maior o volume de água que se deseja acumular, maior a barragem e mais complexa é a sua construção. Muito pouco se conhece a respeito do impacto provocado pelos pequenos reservatórios de água na hidrologia da bacia. Esses reservatórios, com área variando entre 1 e 40 hectares, são de construção simples, sendo muitas vezes construídos pelo próprio fazendeiro ou grupo de pequenos proprietários de terra e, geralmente, servem para vários usos.
Diversos aspectos negativos são atribuídos aos reservatórios, sendo o surgimento de doenças devidas ao armazenada da água nesses reservatórios e suas implicações para a saúde das pessoas, um dos mais sérios. Por outro lado, em algumas comunidades agrícolas que dependem, por exemplo, da irrigação, esses reservatórios são fundamentais para a melhoria do bem-estar socioeconômico das famílias; já em outras comunidades, que dependem da água desses reservatórios para o consumo, eles são essenciais à sobrevivência das pessoas.
A implantação de um único reservatório, independente da sua finalidade de uso, modifica a hidrologia da bacia. O impacto provocado devido à ação de um único pequeno reservatório pode ser que não seja significativo, mas se eles forem analisados em grupo pode-se verificar que eles armazenam uma quantidade de água significativa e que alteram a vazão de jusante.
Nos últimos anos, centenas desses pequenos reservatórios foram construídos na Bacia do Rio São Francisco. Analisando-se uma imagem de satélite, referente ao ano de 2001, constatou-se que só na bacia do Rio Preto, que abrange parte dos Estados de Goiás, Minas Gerais e do Distrito Federal, representando cerca de 1,6% da bacia do rio São Francisco, existem mais de 200 reservatórios já construídos. Esses reservatórios, tanto os públicos quanto os privados, foram construídos de forma independente e em épocas diferentes, com nenhuma ou muita pouca integração entre as agências responsáveis pela sua construção. Além disto, a maioria deles foi construída avaliando-se apenas aspectos locais, sem levar em consideração que um reservatório está hidrologicamente interligado com o outro por meio do curso de água que foi represado. Para piorar ainda mais a situação, atualmente, vários desses pequenos reservatórios estão operando em condições inadequadas e/ou estão prestes a romper.
Pesquisadores da Embrapa Cerrados estão estudando a dinâmica de uso e o impacto provocado por estes pequenos reservatórios na hidrologia da bacia do rio Preto. Para entender melhor os aspectos relacionados à sua construção e uso foram visitados 135 reservatórios na bacia, sendo 47,4% no Distrito Federal, 41,5% em Minas Gerais e 11,1% em Goiás. Durante esta visita foram coletadas amostras da água dos reservatórios e do solo, feitas medições da área dos reservatórios e aplicado um questionário. Com base neste questionário constatou-se que: i) 17,04% dos reservatórios foram construídos a mais de 30 anos e 6,7% deles a menos de cinco anos; ii) 73,3% dos proprietários entrevistados não possuíam qualquer informação técnica sobre a construção da barragem; iii) a água de 38,5% das barragens visitadas é destinada para irrigação; iv) o pivô central representa 77,4% dos métodos de irrigação utilizados; v) 56,8% dos proprietários não utilizam qualquer técnica de manejo de irrigação; vi) apenas 32,6% dos proprietários entrevistados possuíam outorga de direito de uso da água e 43% não souberam informar.
Os resultados preliminares desse levantamento indicaram que embora seja evidente que esses pequenos reservatórios modifiquem a hidrologia da bacia e os padrões de saúde e de bem-estar socioeconômico das pessoas e das comunidades que fazem uso deles, eles raramente são adequadamente planejados, instalados e manejados. A construção de novos reservatórios deve ser muito bem planejada levando-se em consideração não apenas aspectos locais, mas também a influência na hidrologia da bacia dos outros reservatórios existentes, tendo-se assim uma idéia clara da sinergia existente entre eles e os impactos causados em função do número de reservatórios e de sua densidade na bacia.