No entanto, de acordo com dados extra-oficiais do Grupo de Trabalho em Camarões de Água Doce (GTCAD), a produção ainda é restrita: estima-se que seja de cerca de 400 toneladas/ ano e que se concentre, principalmente, mais nas regiões sudeste do País. Embora 20 Estados já tenham dado a “largada” para a criação desta espécie.
Em São Paulo, mais exatamente na cidadezinha de Piedade, a 115 quilômetros da capital, um empresário apostou alto na produção deste camarão. Há dez anos, Silvio Roberto Ticianelli, dono do Sítio Caminho das Águas, produz comercialmente pós-larvas, que são vendidas para várias partes do País. Ticianelli também fundou a Aquacultura PL Brasil, instalou um criatório – onde ficam as matrizes e as estufas para as vendas – e um laboratório destinado para a reprodução. Além disso, ele resolveu aliar a criação dos crustáceos a um projeto de agroturismo. Com monitores treinados, que explicam a função dos tanques a céu aberto e de outros 12 em estufas climatizadas, o sítio recebe visitação de escolas e do público.
E o empresário não parou por aí! Há quatro anos abriu um restaurante para divulgar o produto, e hoje oferece cursos básicos de engorda de camarão, direcionados aos produtores, com direito as aulas teóricas e práticas, que ocorrem no sítio.
Neste ano, Ticianelli produzirá cinco milhões de pós-lavras, que serão vendidas para São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Goiás, entre outros Estados. E ele ainda pretende ampliar as estufas de estocagem de filhotes. “Vamos produzir mais pós-larvas e vender aos novos parceiros. Nossas parcerias ainda estão sendo iniciadas, a princípio na nossa região. No futuro, temos a intenção de fazer parcerias com produtores de diversos lugares do Brasil”, comenta.
Atualmente, a venda de camarões adultos, produzidos em parceria com 15 criadores das regiões do Vale do Ribeira (São Paulo), Bauru (SP) e Minas Gerais, ocorre na propriedade. O empresário compra a produção dos parceiros, que pagam R$ 74 cada mil filhotes. “Eles compram as pós-lavras (filhotes de camarão) e a ração. Nós fazemos o acompanhamento, seguido da assistência técnica aos produtores, e buscamos a produção na propriedade, da onde se faz até a despesca”, diz o empresário. A despesca seletiva, com rede de malha de 25 milímetros, começa a partir do quarto mês e se repete por duas vezes até completar seis meses, quando geralmente se faz a despesca total com o esvaziamento completo do viveiro.
Outra vantagem do camarão, segundo o criador, é que o pequeno produtor pode investir pouco e iniciar uma criação com um número reduzido de crustáceos. “É um meio de se aprender, sem correr riscos de perder dinheiro. Mas, como qualquer outra atividade, é necessário investir sim, muita dedicação, se quiser ter retorno bom e rápido”, aponta.
Segundo Tiacinelli, o custo médio de ração é de R$ 1,80 o quilo. Para se produzir uma tonelada de camarão, gasta-se, em média 1,5 tonelada de ração. Pelos cálculos do proprietário, um hectare rende, em média, de 1.500 a 1.600 quilos em uma safra (produção). Isso significa uma renda entre R$ 15 mil e R$ 20 mil por hectare. “O pequeno produtor não precisa gastar muito com as instalações. Além disso, podem-se criar camarão com outros peixes, como já acontece com alguns de nossos parceiros que realizam o policultivo e ainda possuir várias outras fontes de renda complementares”, conclui.
No ano passado, os parceiros produziram quatro a cinco toneladas de camarão, que atenderam à demanda dos turistas que visitaram o sítio e a venda do comércio local. Hoje, o preço do quilo do camarão da Malásia varia de R$ 8 a R$ 13 reais, dependendo do tamanho, para um custo operacional de R$ 6 reais.
“Atualmente, o Brasil é o segundo maior produtor mundial de camarões de cativeiro, sendo o sexto maior produtor de camarão-da-Malásia. Com a produção brasileira de camarão de água doce atual em torno de 500 toneladas por ano, não conseguimos suprir nem 30% do mercado interno, restando ainda muito espaço para novos produtores. E o a procura do mercado está aumentando, principalmente, por ser o camarão de água doce de cativeiro, um produto de qualidade”.
Estratégia da Criação
Existem cerca de 200 espécies de camarões de água doce no mundo. Mas poucos se prestam à exploração comercial. Desde a sua introdução no Brasil, em 1977, o camarão da malásia (Macrobrachium rosenbergii), também chamado de lagostim de água doce e gigante da malásia, é a espécie mais procurada para cultivo. Com sabor levemente adocicado e cabeça grande (que corresponde a quase 60% do corpo), este crustáceo ainda não tem seu mercado consolidado no País. “Por isto, algumas medidas estão sendo feitas para valorizar a apresentação do produto”, diz.
O camarão-da-Malásia é um animal de cativeiro, de origem controlada, e que pode ser cultivado em todas as regiões brasileiras, principalmente nas regiões mais quentes. Alimenta-se de ração específica para camarões e está pronto para abate entre quatro a seis meses. O fator mais importante na engorda do camarão é, sem dúvida, a água, que precisa de renovação diária de 5% a 10% do seu volume total. Segundo o criador, o povoamento do camarão, principalmente no Estado de São Paulo, ocorre de setembro a dezembro, para fazer a despesca de março a abril. Em regiões mais quentes, como o Norte e Nordeste, o povoamento pode ser feito o ano todo.
No Sítio Caminho das Águas, há uma estufa berçário com plástico para estocar as pós-larvas. “Cerca de 100 mil larvas são suficientes para 1 hectare de tanque”, completa a bióloga responsável pela propriedade, Adriana Adad. As pós-larvas, que têm de 1,0 a 1,2cm (0,02g), por exemplo, são adaptadas à água doce na propriedade. Com isto, o produtor já recebe um animal adaptado à água doce. As pós-larvas normalmente são embaladas e transportadas em sacos plásticos de 60 litros com 1/3 de água e 2/3 de oxigênio puro, contendo até três milheiros por embalagem (viagens curtas). A adaptação dos animais no viveiro final é realizada de forma gradual, durante um período de 30 a 40 minutos. Para transporte por períodos mais longos (de 12 a 24 horas), as embalagens são acondicionadas em caixas de isopor e a temperatura da água é rebaixada para 18 a 20ºC.
O sistema adotado na propriedade, e normalmente praticado em outras, é o semi-intensivo, com viveiros de fundo natural, retangulares, providos de monge e circulação de água. Aliado a uma temperatura entre 25°C e 31°C, sendo toleráveis temperaturas até 17°C por períodos mais curtos, como todo camarão de água doce, o M. rosenbergii é rastejante e prefere lugares sem a incidência de luz solar direta.
Melhoramento do Camarão
A proliferação do Camarão-da-Malásia ocorre naturalmente em rios, lagos e reservatórios que se comunicam com águas salobras, onde o desenvolvimento larval se completa; podendo atingir 32cm de comprimento e 500 gramas de peso (comercialmente entre 15 e 50 gramas). Na natureza sua dieta é bem diversificada, consumindo vermes, moluscos, larvas e insetos aquáticos e vegetais, como algas, plantas aquáticas, folhas tenras, sementes e frutas.
Um dos principais obstáculos para o desenvolvimento de criações comerciais de camarões de água doce ainda é a obtenção, por parte dos produtores, das pós-larvas no tempo certo durante todo o ano. Mas em busca de melhoramento, o proprietário do Caminho das Águas, montou a quatro quilômetros da propriedade um laboratório, que fica as margens da represa de Itupararanga, em Piedade (SP). O laboratório é subterrâneo, tudo para controlar a temperatura da água (que deve ficar acima dos 25ºC). Lá, acontece todo o processo de reprodução com a supervisão de biólogos. “Uma parte muito delicada da criação. A água nos tanques passa por filtros e recebe oxigênio o tempo todo”, esclarece o proprietário.
O M. rosenbergii, ou melhor, o camarão de água doce possui um ciclo de vida dividido em quatro fases distintas: ovo, larva, pós-larva e adulto. Na sala de reprodução, por exemplo, as matrizes e os reprodutores (que são selecionados pelos tamanhos, pesos e características dominantes) ficam em tanques. Normalmente, são sete fêmeas para cada macho. O período de reprodução é de 43 dias, sendo 19 dias de gestação. Após esta fase, a desova das matrizes que liberam de 10 a 20 mil ovas, é transferida para tanques com águas salobras (mistura da água doce com a água do mar). “Só assim é possível desenvolver a reprodução”, diz.
No laboratório também é feita a engorda em tanques de terra. Para atingir o ponto de abate (20 g, em média), o camarão consome ração equivalente a uma vez e meio o peso dele. De acordo com os estudos do Centro de Tecnologia em Aqüicultura e Meio Ambiente do Espírito Santo (CTA-ES), pelo sistema tradicional, obtém-se produtividade média de 2 toneladas/hectare/ano. Um sistema de criação mais sofisticado (multifásico, que envolve a fase de berçário e a de engorda) permite produtividade média de 3,6 toneladas/hectare/ano, chegando-se em alguns casos a até 5 toneladas/hectare/ano.
Preço Atrativo
Os preços internos praticados atualmente são atrativos, valendo para o produtor na faixa de R$ 6,00 a R$ 14,00 por kg (preço médio de R$ 10,50 por kg), dependendo do peso médio do camarão. De acordo com o CTA- ES, Centro de Tecnologia em Aqüicultura e Meio Ambiente, alguns produtores têm seus nichos de mercado, conseguindo preços diferenciados. Sinal claro de que o produto camarão de água doce tem sua importância e valor. É importante citar que o custo de produção tem uma variação de R$ 5,50 a R$ 7,00 – nos moldes de cultivos adotados atualmente, representando lucros para o produtor da ordem de 60% a 90%. Segundo o estudo da Sebrae-ES, parceria do CTA-ES, em algumas condições se pode alcançar 200%, dependendo das condições de cultivo e período do ano, como na Semana Santa, em que os preços dos pescados normalmente se elevam.
Curso de Cultivo de Camarões de Água Doce
O Caminho das Águas trabalha há mais de 10 anos com o camarão-da-malásia, estando envolvido em todas as etapas do cultivo, desde a produção de pós-larvas até a comercialização final do animal adulto congelado. Sendo uma referência no assunto, o Sítio periodicamente realiza cursos e palestras, visando orientar produtores e aqueles que ainda pretendem se iniciar no ramo. Para quem pensa em construir tanque, um bom tamanho é 2.500m² (85×30), mas tanques de outros tamanhos podem ser utilizados (por exemplo, 500m², 1.500m²). A criação do camarão-da-Malásia em tanque-rede, piscina, tanque de fibra ou caixa d´água não é possível. O valor médio para escavação de um hectare de tanques varia de R$ 20.000 a R$ 30.000.