E foi essa organização que impressionou o grupo de auditores da Eurepgap, da Alemanha, que visitaram o Brasil em dezembro de 2005 para uma pré-auditoria de certificação. Acompanhados dos técnicos do IGcert instituto Gênesis, de Londrina, PR, os inspetores Kertin Vhlig e Jenni Heise se surpreenderam com a infra-estrutura e com a qualificação dos trabalhadores. Segundo o diretor executivo do Igcert, Marcelo Holmo a certificação definitiva deve ocorrer dentro de dois ou três meses, mas pode-se dizer que mais de 90% já está no padrão exigido, faltando apenas adequações.
Apesar do adiantamento do grupo na obtenção das normas internacionais, nunca foi implantado nada na fazenda nem se valorizou nada pensando em certificação, destaca Marlon Cristiano Buss diretor executivo do grupo Vanguarda.
A intenção do patriarca do grupo, o empresário Otaviano Piveta, ex-prefeito de Lucas do Rio Verde e ex-Secretário de Desenvolvimento Rural de Mato Grosso, é de que as pessoas que trabalham para ele se sintam satisfeitas. Otaviano diz que “todo investimento em boas práticas agrícolas vale a pena, porque isso se reflete no futuro”.
Esse pensamento parece ser absorvido por cada um dos 900 funcionários que trabalham fixo nas fazendas, mais os temporários, que durante a colheita elevam esse número para mais de 1.200 trabalhadores. Anderson Souza Figueiredo, que é o coordenador de meio ambiente do grupo e responsável pela implantação do protocolo nas fazendas do grupo, fala que é impressionante o comprometimento dos funcionários. “Isso acontece porque eles se sentem também donos do negócio”.
O Grupo Vanguarda mantém sua sede na cidade de Nova Mutum, a 270 quilômetros de Cuiabá, e é responsável pela administração da Fazenda Ribeiro do Céu e de outras sete fazendas, todas na região do médio norte matogrossense. O complexo de 33 mil hectares, plantados com soja no verão, algodão, girassol e milho-safrinha durante o inverno, está com 80% das suas operações informatizadas.
O faturamento do grupo, que este ano pode chegar a cifra de US$ 80 milhões, é graças a uma política de gestão estratégica que não deixa margem para o desperdício, exclama o diretor executivo do grupo, que lembra do tempo em que reduzir gastos não era uma preocupação da agricultura. Ele fala do tempo que o acompanhamento das lavouras era feito por caminhonetes antigas, movidas a diesel, que consumiam três vezes mais combustível do que os carros e motos usados hoje.
A nova forma de administração buscou um entendimento bem mais apurado do processo produtivo, com equipes que monitoram todas as operações, do plantio ao carregamento do caminhão. O processo de mudança, no entanto, só foi possível porque inúmeras reuniões com funcionários e representantes de fornecedores foram feitas para discutir caminho para diminuir os gastos sem que a produção fosse prejudicada.
Houve casos de empregados que foram demitidos porque se negavam a aceitar os novos padrões da empresa. Mas, tudo é uma questão de decisão, enfatiza Buss. A agricultura se tornou empresarial e não oferece mais margem para erros na condução dos negócios. A diminuição das margens entre custo de produção e preço de venda é o principal motivo que levou o grupo a repensar sua forma de gestão. “Com a soja hoje sendo vendida a R$ 17,00 a saca de 50 Kg, algo próximo a US$ 8,00, somente controlando os números o produtor consegue resultados”.
Gestão eficiente é ponto forte
O diferencial buscado pelo grupo para ampliar sua margem de lucro foi a aplicação de duas safras anuais, o que praticamente dobrou o faturamento. O planejamento deste ano prevê, além do plantio da soja, que é precedida pelo algodão, o uso de algumas culturas novas. Em parte da área de soja já está sendo plantado o milho e o girassol, que também entra como opção. Essa diversificação é, na opinião do gerente da unidade Ribeiro do Céu, Adir Freo a fórmula da sustentabilidade na agricultura moderna.
O aproveitamento das terras é total. A área cultivada este ano deve chegar a 64.000 hectares, que serão divididos da seguinte forma: 27.000 hectares para a soja, 12.000 para o algodão, 6.000 de milho e 1.200 de girassol. As demais áreas são de arrendamento, ou que estão sendo incorporadas ao grupo. Num primeiro momento, a certificação é para apenas uma parte da soja e do milho. Como a produção do grupo é toda convencional, a intenção é certificar todos os 33 mil hectares do complexo Ribeiro do Céu, destaca o coordenador ambiental. Outras unidades também estão nos planos para certificações futuras, caso da fazenda Santa Margarida, incorporada recentemente ao grupo.
A previsão de colheita para a soja, cultura que ocupa 70% da área produtiva é de 3,3 toneladas por hectare. O algodão, que começou a ser plantado em fevereiro e deve ser colhido a partir de junho, também já tem colheita estimada em 3,45 toneladas por hectare. Essa média, somada as demais culturas como girassol e milho, deve chegar num total 3,84 toneladas por hectare, com uma produção total de 392 mil toneladas para safra 2005/06.
A rentabilidade por cada hectare plantado é superior a US$ 1.100,00. Freo chama a atenção para o fato desse número ser quase o dobro da média das propriedades de soja da região, que dificilmente ultrapassam os US$ 500,00/ha. O baixo aproveitamento das áreas de plantio é apontado por ele como principal responsável, haja vista que as terras são as mesmas e o clima também. “O modelo de agricultura praticado nas fazendas da região norte do país é arcaico”.
Apenas com uma gestão mais criteriosa a diminuição nos custos de produção muitas vezes é superior a 50%. Para fazer esse acompanhamento, uma vez por mês, os 25 supervisores se reúnem para apresentar seus rendimentos e discutir novas idéias que podem ser colocadas em prática. Na opinião do consultor de meio ambiente Anderson Souza Figueiredo, responsável por coordenar a implantação do protocolo EurepGap no grupo Vanguarda, o salto de eficiência na gestão da empresa foi dado há pouco mais de dois anos com a informatização da administração.
O programa Logix, que teve um custo de R$ 1 milhão ao grupo, foi um investimento que, segundo os representantes da empresa, valeu cada centavo. Hoje todos os dados sobre uso de produtos, serviços, máquinas, entrada e saída de mãos-de-obra são lançados diretamente no sistema, que faz a auto-gestão de uma forma eficiente, rápida e com risco zero de erro, destaca o gerente.
O primeiro passo rumo a rastreabilidade total da fazenda foi o mapeamento da área e a subdivisão em talhões de 220 hectares. Com isso, o monitoramento ficou ainda mais facilitado. O controle fitosanitário, por exemplo é feito por uma equipe de três engenheiros agrônomos que, a cada três dias, visitam as áreas de cultivo para um levantamento dos níveis de infestação de pragas, doenças e plantas daninhas. Com essas informações no sistema, são tomadas as decisões sobre a aplicação de defensivos ou herbicidas, conforme a necessidade verificada, explica Isaias Frederico Altoe, engenheiro agrônomo do grupo.
Altoe fala que o Logix, e mais recentemente o GatecAgro, programa que contempla o primeiro, são responsáveis por acelerar o fluxo de informações internas entre os agentes. Segundo ele, com a agilidade das informações é possível gerar uma receita no sistema, por exemplo, discriminando o tipo de produto, a dosagem e o talhão que a aplicação deve ser feita e a partir daí o encarregado do setor toma as providências”. O mesmo acontece nas outras etapas de cultivo, como aplicação de adubos e eventuais correções de solo. A colheita é outra etapa monitorada pelo programa que possui um sistema de classificação por grau de umidade, avaria e quantidade de impurezas.
No final, o sistema gera um relatório que mostra qual o talhão onde a cultura foi colhida, o tipo de produto, o volume de área, a produtividade, descontando os itens acima relacionados, para se obter um número real sobre a produção. Freo simula uma situação onde uma colheita de 100 quilos de soja é feita com 20% de umidade. Na verdade a produção real nesse caso não será de 100 quilos e sim de 80 quilos, pois os outros 20% são água, que não pode ser contabilizada. O mesmo acontece com as avarias e as impurezas dos grãos.
Infra-estrutura de produção impressiona
A estrutura montada para armazenar os grãos e a logística é um ponto que chama atenção pela grandiosidade das instalações. Além dos silos gigantes e dos galpões com capacidade para 50 mil toneladas de grão, o entre e sai de caminhões é constante. Durante a colheita, diariamente cerca de 60 caminhões saem da Ribeiro do Céu, carregados de grãos para algum porto ou para os armazéns de grandes empresas pelo país.
De acordo com o gerente da fazenda no início do ano, quando é o pico da colheita da soja, esse número chega a 150 caminhões/dia. A grandiosidade das operações não é diferente no campo. São 19 plantadeiras, que já vêem acopladas ao trator, 12 pulverizadores terrestres e três aviões, que trabalham o dia inteiro na aplicação de defensivos e herbicidas nas lavouras. A colheita também conta com uma frota de peso. As 16 colheitadeiras, em dias de sol e temperaturas elevadas trabalham sem descanso para dar conta da quantidade de soja que precisa ser colhida. Além do maquinário próprio, o grupo ainda aluga colheitadeiras para os períodos considerados críticos, onde há a urgência de colher, para não se perder o prazo de plantio da outra cultura. Freo observa que a média de trabalho de uma colheitadeira na região é de 600 horas por ano. Na Ribeiro do Céu esse número é pelo menos seis vezes maior. O gerente da unidade diz que seria perfeitamente possível usar colheitadeiras comuns sem ar condicionado, que custam menos e dão o mesmo rendimento. Mas, é filosofia da empresa prezar pelo bem estar dos empregados. A resposta, diz ele, vem em eficiência produtiva.
O pessoal de apoio que se movimenta em carros, caminhões e motos dentro da lavoura usa um moderno sistema de comunicação por rádio transmissão. Enquanto andam pela fazenda, por diversas vezes, os funcionários identificam e solucionam problemas à distância. As equipes se comunicam a todo momento e o gerente acompanha tudo pelo rádio, que carrega sempre para onde quer que ele vá.
Recursos humanos tem atenção especial
Outro ponto estratégico na administração é a preocupação com o bem estar dos colaboradores. O estado do Mato Grosso que é marcado por denuncias de exploração da mão-de-obra no campo e que recentemente foi alvo de uma operação que envolveu vários ministérios e a polícia federal, encontrando inúmeras irregularidades, o grupo Vanguarda busca dar o exemplo.Todos os funcionários fixos são registrados e a mais recente conquista deles é o acordo coletivo de trabalho que o grupo firmou com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI) e com Sindicato Rural de Nova Mutum, MT para definir as condições de trabalho de seus colaboradores.
Além da média salarial de R$ 1.180,00, remuneração que se coloca entre as mais altas do setor na região, a empresa está firmando um plano de cargo e salários que estabelece que, todo trabalhador que ingressar no grupo a partir de agora terá seu desempenho avaliado pelo menos duas vezes por ano. Se atingir as metas estabelecidas pela empresa receberá aumento salarial e promoção para outras funções.
De acordo com o coordenador de recursos humanos do grupo Francione Santos, na prática, essa normas já estavam funcionando. A diferença é que agora o acordo tem a aprovação das entidades representativas e do Ministério do Trabalho. O acordo também preserva direitos já adquiridos como: banco de horas, piso mínimo de R$ 400,00, garantia de moradia aos colaboradores, garantia de creches aos filhos, programa de prevenção de acidente e manutenção da saúde e garantia de treinamento através de parcerias entre clientes e fornecedores para atualização profissional.
Adilson Rogério Moreira Kanrek, técnico de segurança do trabalho da fazenda Ribeiro do Céu, fala que a segurança do trabalhador é uma preocupação constante da diretoria. Para isso o controle sobre o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), as normas internas para se evitar acidentes e, principalmente, para manuseio de produtos químicos são discutidas sistematicamente.
Outra preocupação é com a moradia dos trabalhadores. Para isso foram construídos alojamentos de alvenaria com capacidade para abrigar 400 homens. Roberto Vieira é técnico agrícola e há um ano trabalha na Ribeiro do Céu. O jovem, que está no seu primeiro emprego, elogia bastante a qualidade das instalações. Carlos Wernss Almeida, operador de secadora, está na fazenda há quatro anos. Ele já trabalhou em outras propriedades e fala da vantagem que é poder trabalhar numa empresa que tem essa preocupação com a qualidade de vida dos trabalhadores.
Além dos alojamentos, a fazenda possui ainda uma vila de 24 casas, onde moram algumas famílias de trabalhadores. É o caso do casal Lauri Ademir Wagner e Neuza Wagner, que há 2,5 trabalham e vivem na vila. Lauri que trabalha como coordenador administrativo da Ideal Porc, divisão de suinocultura do grupo, fala que é muito bom poder trabalhar e morar dentro da fazenda. O relacionamento entre as famílias é bastante amigável, destaca Neuza, que até colabora com algumas ações sociais dentro da comunidade.
Duas vezes por semana, na parte da tarde, os colonos assistem a uma sessão de cinema, que sempre traz novidade. Todos os domingos o padre vem da cidade para ministrar a missa, já que grande parte dos moradores são famílias de migrantes do Rio Grande do Sul, de religião católica. A fazenda conta ainda com um campo de futebol, um mini auditório, que também serve de sala de recreação e existe projeto para construção de uma piscina. O que para muitos pode parecer regalia, para os gestores do grupo é ação estratégica para manter a unidade entre empresa e trabalhadores.
A creche mantida pelo grupo dentro da fazenda cuida de 10 crianças, filhos de funcionários, que recebem educação inicial já a partir dos dois anos de vida até a fase pré-escolar. Vanessa Cássia Nogueira é pedagoga e responsável por desenvolver o trabalho com as crianças na creche. Ela diz que dentro da filosofia do grupo a educação é primordial e disso seu Otaviano não abre mão. Assim que as crianças atingem idade para o ensino fundamental, elas seguem para estudar na cidade. Todos os dias um ônibus faz o percurso entre Nova Mutum e a fazenda. Está nos planos do empresário construir também uma escola dentro da Ribeiro do Céu para facilitar a vida dos jovens. Dentro das normas do protocolo Eurepgap, a educação é um ponto muito importante, explica o coordenador de implantação do grupo.
A alimentação é outro ponto importante dentro das normas de bem estar humano. E nesse quesito, ninguém pode reclamar. A fazenda mantém uma equipe de 14 pessoas trabalhando em três turnos na cozinha para garantir sempre refeições frescas e saudáveis aos empregados. Silvana de Fátima Liberalesso é a coordenadora desse trabalho e diz que, num dia, chega servir mais de 1.500 refeições entre café da manhã, almoço e jantar. Os cuidados com a higiene na alimentação e com o ambiente onde serão feitas as refeições é uma exigência das normas para garantir alimentos saudáveis dentro de um ambiente também limpo e agradável que não coloque em risco a saúde dos trabalhadores, destaca o coordenador de implantação do Eurepgap.
A padaria, que é mantida ao lado da cozinha é outra novidade que a fazenda oferece aos seus trabalhadores. De lá, saem todos os dias diversos tipos de pães, além de bolos, biscoitos e salgados que são servidos nas refeições. Toda a parte de padaria e confeitaria é produzida na própria fazenda, destaca a coordenadora da cozinha. “Esse trabalho garante a diversidade da mesa na hora do café da manhã que recebe um público bastante grande e variado”.
Como o respeito ao meio ambiente e aos recursos naturais da propriedade sempre foi uma preocupação do proprietário, para tender as exigências bastaram alguns ajustes. A fazenda possui três nascentes de rios preservadas e áreas de mata de transição entre o cerrado e floresta amazônica. Entre os projetos está a recuperação da fauna local, que apresenta alguns animais com alto risco de extinção. A caça de animais silvestres durante muito tempo foi permitida na região. Somente agora as autoridades estão fazendo uma melhor fiscalização, explica Figueiredo. Nas terras da Ribeiro do Céu sempre foi proibido caçar qualquer tipo de animal silvestres que vivem nas áreas próximas à plantação. “Entretanto, é difícil coibir a ação de estranhos, que também acabam tendo acesso a fazenda”, exclama.
O melhoramento no programa de resíduos da fazenda está entre as prioridades para este ano. Já está sendo implantado um sistema de bio-digestores que vai trabalhar essa parte e ainda produzir energia suficiente para abastecer a fazenda. Na questão das embalagens de produtos químicos, o grupo busca fechar um acordo com o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias, Inpev, de São Paulo para implantação do selo Campo Limpo nas propriedades do grupo.