A cultura da soja apresenta uma elevada demanda por nitrogênio (N), devido aos altos teores de proteínas (cerca de 40%) encontrados em seus grãos. Estima-se que sejam necessários em torno de 240 kg de N para a produção de 3.000 kg ha-1 de soja. As fontes de N capazes de suprir tal demanda restringem-se aos fertilizantes nitrogenados e ao fornecimento pelo processo de fixação biológica de nitrogênio atmosférico (N2). Considerando o baixo aproveitamento dos fertilizantes nitrogenados pelas plantas (em torno de 50%) seria necessária uma quantidade estimada de 480 kg de N para a obtenção da produtividade mencionada.
Essa quantidade de N seria equivalente a 1.067 kg de uréia, o que tornaria a cultura da soja economicamente inviável no Brasil. Por outro lado, o processo de fixação biológica de nitrogênio (FBN) resulta da transformação do N2 em amônia (NH3), intermediado pela enzima dinitrogenase, presente em determinados grupos de bactérias. No caso da soja, a simbiose ocorre com bactérias das espécies Bradyrhizobium japonicum e B. elkanii, sendo capazes de formar uma estrutura especializada (nódulo) nas raízes, onde captam o N2 atmosférico, que, após a sua transformação, poderá, então, ser utilizado pela planta. Em troca, a planta fornece à bactéria energia obtida através da fotossíntese. Assim, forma-se uma perfeita associação, sendo planta e bactéria mutuamente favorecidas.
Contudo, a elevada demanda de N pela cultura da soja exige um eficiente funcionamento do sistema simbiótico com bactérias fixadoras de N2, capaz de garantir o suprimento desse nutriente nos diferentes estádios de desenvolvimento da cultura e, conseqüentemente, a obtenção de elevados índices de produtividade. De outro modo, um sistema simbiótico ineficiente exigiria a aplicação de fertilizantes nitrogenados, podendo prejudicar a nodulação e a FBN. Além disso, deve-se considerar os graves problemas ambientais provocados pelo efeito potencialmente poluidor do nitrato lixiviado no solo, resultante do uso indiscriminado de fertilizantes nitrogenados, como tem sido verificado em diversos países da Europa.
Neste sentido, a pesquisa brasileira vem produzindo trabalhos significativos para a maximização da eficiência simbiótica na interação entre soja e estirpes de rizóbio, visando à obtenção de incrementos na produtividade da cultura. Embora os estudos tenham demonstrado elevada eficiência dos inoculantes microbianos para a cultura da soja, alguns questionamentos têm sido levantados, incluindo o possível aumento do rendimento de grãos da cultura com a utilização de adubações nitrogenadas complementares ou com a reinoculação da soja.
Em Mato Grosso do Sul, como em outras regiões do país, têm sido conduzidos diversos ensaios a campo para avaliação da eficiência simbiótica das estirpes de Bradyrhizobium recomendadas pela pesquisa, visando identificar a estirpe e/ou a combinação de estirpes mais eficiente nas condições edafoclimáticas locais, além de verificar os efeitos da aplicação de doses de adubo nitrogenado na cultura da soja. As avaliações da “Rede Nacional de Ensaios de Inoculação da Soja”, em Mato Grosso do Sul, têm sido conduzidas nos campos experimentais da Embrapa Agropecuária Oeste, nos Municípios de Dourados e Ponta Porã.
De modo geral, os resultados obtidos no período correspondente às safras de 1996/97 a 2004/05 demonstram que a reinoculação pode proporcionar ganhos no rendimento de grãos da soja, tanto no sistema convencional como no Sistema Plantio Direto, podendo atingir aumentos de até 22%, reforçando a recomendação dessa prática, que deve ser efetuada a cada cultivo de soja no Brasil. Além disso, deve-se salientar que a inoculação das sementes promove a formação de um grande número de nódulos na coroa da raiz principal da planta, que são os mais eficientes e de grande importância para o estabelecimento do processo de fixação biológica de nitrogênio.
Contudo, freqüentemente surgem dúvidas sobre a necessidade de aplicação de fertilizantes nitrogenados na cultura da soja como complementação ao uso de inoculante, para atingir rendimentos elevados. Neste sentido, diversos ensaios foram conduzidos nas principais regiões produtoras de soja do país e em nenhum dos locais avaliados foram demonstrados aumentos significativos no rendimento de grãos das plantas devido à aplicação de doses de “arranque” ou dose “starter”. Deve-se salientar ainda, que, em mais de 50 ensaios de inoculação conduzidos pela “Rede Nacional de Ensaios de Inoculação da Soja”, o tratamento com soja não-inoculada e recebendo 200 kg ha-1 de N (cerca de 445 kg ha-1 de uréia), parcelados em duas vezes, não resultou em incremento no rendimento em relação ao tratamento só inoculado. Além disso, a adição de fertilizantes nitrogenados, em qualquer outro estádio de desenvolvimento das plantas, tem-se mostrado desnecessária, devido ao fato de não contribuir para o aumento significativo da produtividade da cultura da soja, além de prejudicar a nodulação e o processo de fixação biológica de nitrogênio e aumentar os custos de produção.
A importância econômica da tecnologia de inoculação das sementes de soja no país pode ser evidenciada pela economia no uso de fertilizantes nitrogenados para a cultura. A adubação com uréia, por exemplo, resultaria em um gasto de, aproximadamente, US$ 3 bilhões, se forem considerados os 21 milhões de hectares cultivados na última safra.
* Fábio Martins Mercante é engenheiro agrônomo, PhD, e pesquisador da Embrapa.