Para o médico veterinário Romão Miranda Vidal de 61 anos, sendo 36 deles dedicados a bovinocultura de corte e leite, agora a nossa fama de maior rebanho comercial de carne bovina já se espalhou pelo mundo. Romão Vidal, um nome respeitado no país quando assunto é segurança alimentar fala que não cabe mais encontrar culpados ou inocentes pelo problema é preciso buscar soluções que consigam no médio, longo prazo, colocar o país novamente no rumo exigido pelo mercado mundial.
Revista Rural – No papel, o Brasil possui um dos mais modernos programas de zoneamento e controle da febre aftosa do mundo. Da porteira para dentro da fazenda, no entanto, parece que o pecuarista brasileiro não consegue viabilizar sua execução. Por que isso acontece?
Romão Miranda Vidal – Na realidade estamos quais os chineses há 20 atrás – Tigres de Papel -, hoje os chineses são Tigres Devoradores e nós? Se assim continuarmos poderemos passar para classificação de ” Gatos pingados”. Porque esta comparação? Fizemos um estardalhaço enorme, o mundo inteiro ficou sabendo que além de mulatas, cachaça, sequestros e futebol, tínhamos, também, o maior rebanho bovino comercial do mundo. Mas…..,a fama ficou na cama. Não soubemos valorizar algo que não tem preço: o esforço dos pecuaristas. Não tivemos competência para manter o status exigido e nem estrutura mínima básica para o essencial básico: Sanidade.
O atual sistema de combate a Febre Aftosa é um sistema ultrapassado, arcaico e com inúmeras deficiências e falhas. Em qualquer exploração comercial por mais simples que seja, se faz necessário um pequeno detalhe: planejamento estratégico. E nenhum tipo de planejamento consegue ganhar corpo, crescer e ser competitivo sem um elemento: dinheiro. Estas duas exigências somam-se ainda competência e gestão.
Podemos fazer uma comparação bem simples: Porque funcionam bem todas as campanhas promovidas pelo Ministério da Saúde, quando do combate a Poliomielite? Pelo simples fato de adotarem estas quatro premissas básicas:
planejamento estratégico, dinheiro, competência e gestão. O pecuarista ou a pecuarista sabe muito bem que se não administrar a saúde do seu rebanho bovino, ninguém mais o fará.
Existem ainda alguns resquícios atávicos no meio como um todo. Algumas situações nas quais se encara a vacinação contra a Febre Aftosa como sendo uma atividade cercada de muito barulho, movimento, pressa, agitação, correrias e outras coisas mais. Não são observadas algumas premissas básicas como, por exemplo: os cuidados que antecedem ao ato de se vacinar, 10, 1000, 1.000 bovinos. O treinamento das pessoas encarregadas de aplicar a vacina. O número necessário de seringas e as trocas constantes de agulhas. Os cuidados com a desinfecção das seringas e das agulhas. A termometria constante do meio onde as vacinas estão sendo mantidas. A forma como são seguradas as seringas, evitando que haja uma troca de calor entre a palma da mão e o êmbolo da seringa. A certeza de que foi injetada a quantidade certa de vacina por animal. O local apropriado para a aplicação da vacina. Evitar o estresse animal. Proporcionar tranqüilidade para os animais após a vacinação. Evitar longos deslocamentos. São alguns procedimentos básicos para uma boa vacinação. Mas para que tal venha a ocorrer se faz necessário, cursos, treinamentos, palestras, práticas e isto requer sem sombra de dúvida investimentos. Coisa que o Brasil não faz.
Rural – O que deveria mudar no atual modelo para que a vacinação se torne mais efetiva?
Vidal – Mudança radical e total no sistema de vacinação contra a Febre a Aftosa, com a adoção de vacinas produzidas através de plantas transgênicas. Vacinação via seria mais econômica, mais segura e mais viável. Assim como a adoção de kits para diagnósticos para se verificar qual a situação imunológica dos animais. A vacinação via oral seria a grande solução para o Brasil. Produzir vacinas contra Febre Aftosa a partir de plantas geneticamente modificadas e lógico com características e condições necessárias para a produção de proteína VP1., seria um dos maiores avanços que a pecuária brasileira poderia experimentar.
Rural – A regionalização do programa foi uma medida adotada para tentar aumentar sua eficiência. De quem é a responsabilidade sobre a fiscalização nas fazendas e como é feito o controle sobre esses dados pelo ministério?
Vidal – Regionalizar sistemas sanitários acredito que seria uma solução. Não a mais indicada e a mais eficiente. Antes de se adotar este tipo de medida seria interessante fazer uma análise real da situação sorológica do rebanho bovino brasileiro. Mesmo porque a dinâmica de comercialização é muito acentuada, o trânsito interestadual de animais é considerável, as divisas secas com países em que a tradição pecuária sequer existe, representa risco constante, todos estes elementos deveriam ser considerados antes de se implantar um sistema de regionalização. A realidade dos fatos nos dá uma panorâmica considerável da situação na qual nos encontramos. O MAPA/DSA, não tem a mínima condição de administrar uma campanha de vacinação de forma total. Por esta razão vive de convênios e de repasse de verbas federais para as secretarias estaduais de agricultura, as quais chamam para si a responsabilidade de fiscalizar e até de praticar algumas vacinações em pequenas propriedades.
À luz da verdade, alguns avanços se fazem necessários no sentido de retirar do estado a tutela da sanidade animal. Vamos exemplificar o seguinte. Na Medicina Humana, existem clínicas especializadas na aplicação de várias vacinas, assim como o Ministério da Saúde também faz a sua parte exigida pela Constituição no quesito saúde humana. Nesta linha de raciocínio indaga-se qual a razão pela qual ainda não foram criadas condições para a terceirização destes serviços de vacinação contra Febre Aftosa, Brucelose e Raiva? A terceirização seria um grande avanço. Empresas especializadas participariam de concorrências, via editais, para se habilitarem a prestas serviços de sanidade animal. E o MAPA/DSA delegaria as atribuições de fiscalização aos estados. E como ficariam os pequenos produtores e os que não aderissem a este sistema? Simplesmente a reboque do sistema. Serviços terceirizados e com competência sempre resultaram em benefícios dos tomadores de serviços.
Rural – Dentro das fazendas, além da vacinação que outras medidas podem ser adotadas para se evitar a disseminação do vírus entre propriedades vizinhas?
Vidal – Quando se trata do maior rebanho bovino do tipo comercial do mundo e, que os resultados advindos das exportações de carne bovina representa 8% de US$ 45 bilhões no ramo do agronegócio, algo como US$ 3.68 bilhões há se pensar em arquitetar um instrumento que atue como um escudo protetor de elevadíssima eficácia. O custo de uma dose de vacina contra Febre Aftosa é tão insignificante em relação aos prejuízos que hoje a pecuária brasileira experimenta.Mas as autoridades governamentais ainda não se perceberam que sanidade animal se faz também com dinheiro. E para que se instale um programa que evite disseminação do vírus entre propriedades, mais do que nunca, a adoção de vacinas via oral, produzidas por plantas transgênicas, assim o levantamento da situação imunológica por amostragem do rebanho bovino comercial brasileiro seria viável.
Em relação a disseminação do vírus entre propriedades vizinhas, é um assunto comezinho (no sentido figurado), uma vez que pouco adiantaria implementar ações intra quando estas estarão sempre sujeitas a uma série de ações extras. Explico. Ações intra seriam as medidas profiláticas de vacinações contra a Febre Aftosa a nível de território brasileiro, ou seja, todas as propriedades deveriam ter seus bovinos vacinados a partir do 4º mês de idade e manter uma cobertura vacinal intensa de modo a eliminar a faixa cinzenta, ou aquela situação imunológica deficitária, a qual só estará estabilizada na 3ª ou 4ª vacinação. Esta é uma situação na qual o Brasil já se encontra, infelizmente não é uma situação fiável.
A situação extra, é que preocupa sobremaneira. A geografia lindeira nos permite uma série de situações de exposição de riscos. No sul: Uruguai e Argentina estão cônscios de que não podem sequer pensar em prevaricar nas coberturas vacinais contra a Febre Aftosa. Uma das suas rendas é a exportação de carne bovina. O Uruguai exporta em média 15.000 novilhos em pé, por mês para a Itália só esta situação sequer lhes permite um mínimo de prevaricação no assunto Febre Aftosa. A Argentina já experimentou uma situação destas e sabe o quanto é difícil reconquistar o mercado e a credibilidade internacional.
Por sua vez o Paraguai, a Bolívia, a Colômbia, a Venezuela sequer têm um programa definido e que apresente um mínimo de credibilidade.
A solução para se resolver esta anomalia “extra”, estaria na configuração de uma política comum, na qual os países lindeiros com o Brasil abririam mão da sua soberania – na saúde animal especificadamente-e implementariam uma ação conjunta de combate a Febre Aftosa. E então haveria uma ação regional focada no interesse comum de todos. Mas repito seria necessário abdicar da soberania.
Rural – O controle sobre o trânsito de animais, principalmente nas fronteiras seca do país, está se mostrando um problema de difícil controle? Que medidas o Brasil deve adotar para acabar com intercâmbio de animais entre os pecuaristas, brasileiros e paraguaios, por exemplo?
Vidal – Existe um ditado que diz o seguinte: Quando não se pode com um adversário, alie-se a ele. Esta é a real situação da Febre Aftosa que o Brasil deverá adotar de ora em diante. É sabido que criar bovinos no Paraguai e depois enviá-lo ao Brasil é um ótimo negócio. É sabido que muitos pecuaristas nacionais possuem propriedades tanto na Bolívia, Uruguai, Argentina, Paraguai e porque não dizer Venezuela e Colômbia. Assim como é de domínio público que criar bovinos nestes países é altamente compensador em termos de impostos e taxas. Nenhuma exploração poderá sobreviver com uma taxação de 36,6 % como a que se pratica no Brasil. Razão pela qual os bovinos de corte podem migrar intrafronteiras, uma vez que um simples cadeado, uma tramela em uma cancela ou uma porteira velha, não irá impedir este trânsito e lógico com ele o risco de um surto de Febre Aftosa. A Constituição Brasileira não exclui o uso de Forças Armadas ante uma situação de risco para assuntos que venham a prejudicar a Nação como um todo. Por analogia o emprego das Forças Armadas no sentido de combater o trânsito indevido de bovinos nas regiões fronteiriças, não poderia ser descartada.
Rural – A vacinação em massa do rebanho brasileiro foi outra medida adotada pelo ministério para tentar conter o vírus nas áreas consideradas de risco. Além disso, que mais pode ser feito para aumentar o nível de consciência no campo?
Vidal – No nosso entender a situação é mais profunda do que se pode imaginar. É um vicio que se origina nas Faculdades de Medicina Veterinária. Atualmente a grade curricular destas I.E.S., volta-se para matérias que fogem muito a realidade brasileira. O enfoque necessário que deveria ser dado em relação à Sanidade Animal para espécies economicamente representativas – aves, suínos, bovinos, ovinos e caprinos – em termos de abastecimento interno e exportações, hoje é deixada de lado, uma vez que os futuros profissionais ou as futuras profissionais, são sabedores que não irão encontrar mercado para esta especialidade. Portanto no quesito Sanidade Animal, a solução seria a terceirização deste segmento. De outro lado vamos novamente encontrar uma situação assemelhada e mais preocupante ainda, a que se refere a Inspeção Animal. Qual o acadêmico ou acadêmica de Medicina Veterinária que se dedicaria a esta especialização, sem, contudo ter um mínimo de certeza que seriam absorvidos pelo mercado interno? O grande contratador é o MAPA. Mas o MAPA está em situação pré-falimentar. Não tem dinheiro para combate a Febre Aftosa, quando mais para contratar profissionais para este setor. Mais uma vez se consubstancia a necessidade de se terceirizar este segmento.
No meu entender a criação de Zonas de Excelência em Pecuária de Corte seria a grande solução para a pecuária brasileira, assim como a implantação do SIPA – Sistema Integrado de Produção Animal. Quando o Brasil fala em quantidade esquece ou deixa de lado a Qualidade. Quando o Brasil fala em Qualidade esquece a Gestão.Quando o Brasil fala em Gestão esquece do Dinheiro. Quando o Brasil fala em Dinheiro esquece do Planejamento Estratégico.