O crescimento da produção agrícola brasileira, fato que ganhou força a partir da segunda metade da década de noventa, denota, acima de tudo, uma mudança de consciência do agricultor brasileiro quanto à necessidade de se preservar a biodiversidade e os recursos naturais presentes nos agroecossistemas do país. Os séculos de exploração extrativista do solo e dos recursos naturais causaram desequilíbrios de tal monta ao meio ambiente que representantes das classes política, empresarial e de agricultores foram obrigados a se sentar para pensar um novo modelo de exploração agropecuária.
Segundo especialistas e lideranças ligadas ao setor de produção rural esse fenômeno de agricultura de conservação tem ligação direta com outros fatores, que ganharam força na mesma época, caso das inovações tecnológicas como o melhoramento genético, às mudanças e adaptações nos sistemas de plantio (Sistema Plantio Direto) e a expansão das fronteiras agrícolas brasileiras – caso do Cerrado – para regiões antes inexploradas.
Contudo, é de conhecimento geral que alterações bruscas nos sistemas de produção agrícola, podem, com o tempo, trazer mudanças biológicas ao ecossistema que, muitas vezes, se manifestam através do agravamento do ataque e danos de espécies de pragas e insetos nas lavouras, ou ainda, o aumento populacional de agentes que, a priori, eram considerados de importância secundária. Charles Martins de Oliveira, pesquisador da área de entomologia da Embrapa Cerrados, de Planaltina, DF, define o complexo de pragas do solo, como um conjunto de organismos que se desenvolvem parcial ou totalmente no solo, causando danos econômicos às espécies vegetais cultivadas ou nativas de alguma região.
Ataque por corós trazem queda à produção
Segundo dados da Embrapa Cerrados de Planaltina, DF, as larvas de corós, são hoje, a principal causa de danos às lavouras anuais do Sul do país e na região do cerrado. Os primeiros registros de danos causados por corós nas lavouras do Brasil Central, tiveram registro na década de 1990. Os ataques foram causados por uma espécie do gênero Liogenys no Mato Grosso do Sul, em lavouras de milho, soja e sorgo. Além disso, foram identificadas presenças de corós no Distrito Federal, Goiás e Mato Grosso.
Atualmente, existem mais de mil espécies de corós que possuem classificação, sendo que a maior parte, cerca de 90%, são espécies compositores de matéria orgânica, vivendo em troncos de árvore apodrecido, carcaça de animais e, portanto, devem ser consideradas benéficas ao meio ambiente. Porém existem espécies que são fitófagas e se alimentam das sementes, raízes ou mesmo de plantas jovens devendo o controle sobre suas populações ser periódico, inclusive, conhecendo a distribuição estacional dos mesmos ao longo do ano.
No caso específico da região Sul, as espécies mais encontradas são: Phyllophaga cuyabana, popularmente conhecido como Coró da Soja; Phyllophaga Triticophala, espécie de Coró encontrado nas lavouras de trigo e demais cereais de inverno; Diloboderus abderus, conhecido como Coró das pastagens e Brachysiderus minicola Ohaus ou Coró da Hortaliças. Trata-se de uma espécie polífaga que se alimenta das raízes de Pimentão, berinjela, pimenta-de-cheiro, repolho, couve-flor, entre outras. Vários estudos recentes mostram que na região do Brasil Central, tanto o coró da soja como o coró das hortaliças, sincronizam seus ciclos biológicos com as condições ambientais do cerrado, ou seja, as fases de larva, coincidem com o período chuvoso (outubro até abril maio). Na época seca de abril até setembro é a fase inativa, pois, é quando o inseto sofre a metamorfose para transformar-se em besouro adulto.
Pela gravidade do problema em algumas regiões, o controle populacional desses agentes se faz condição indispensável para manutenção dos índices de produtividade das principais lavouras comerciais do país (soja, milho, trigo e algodão), observa o entomologista da Embrapa Cerrados. Segundo ele, a técnica de semeadura direta, modelo de agricultura praticado há mais de três décadas no Brasil e que promove conceitos agronômicos que favorecem o fortalecimento dos recursos naturais, requer praticas de manejo bem definidas para que a super-população dessas pragas não se torne um problema ao pleno desenvolvimento da lavoura.
“A proibição da utilização de inseticidas clorados e fosfatados de amplo espectro de ação, a redução no revolvimento do solo e a manutenção de uma cobertura vegetal em forma de palha, são exemplos de praticas do SPD que favorecem o restabelecimento da fauna nativa dos agroecossistemas, sobretudo as espécies de ciclo mais longos e isso precisa ser melhor observado pelos agricultores”.
Controle cultural traz melhores resultados
De acordo com entomologista da Embrapa quando o assunto é controle de pragas de solo ou mesmo de parte aérea das plantas, as medidas são apenas de controle, sendo praticamente impossível uma erradicação total das populações. Estudos mostram que as medidas de controle cultural apresentam resultados mais concretos na comparação com o controle químico e de remoção do sulco de plantio. Em soja uma prática recomendada seria o plantio antecipado, nos meses de outubro/ novembro. Isso evita o sincronismo entre as fases mais susceptível da cultura com a época de maior agressividade das larvas, ou seja, no final de dezembro.
Quando comparamos o grupo de pragas de parte aérea das plantas e pragas de solo, o segundo grupo é considerado como de mais difícil controle. De acordo com a pesquisadora Jurema Fonseca Rattes da URV-FESURV, as pragas que atacam a parte aérea das plantas, caso dos percevejos, podem ser mais facilmente controladas por meio de técnicas como o pano-de-batida, que possibilita uma contagem de indivíduos por hectare para determinar o nível de infestação.
De acordo com a pesquisadora, não se sabe o porquê, mas essa técnica vem caindo em desuso no campo, o que é ruim. “A eficácia da técnica do Bano-de-Batida no controle dos percevejos marrom verde e verde pequenos, pragas que causam sérios prejuízos às lavouras de soja do Brasil Central e região Sul é bastante grande, enfatiza a doutora.
Já no grupo de pragas que agem no solo, alguns fatores ligados ao comportamento desses agentes no meio, tornam o manejo muito mais complexo, explica Charles Martins. Segundo ele, a distribuição irregular no terreno faz a amostragem ser mais lenta e trabalhosa. A técnica de remoção do solo nas proximidades do sulco de plantio é uma técnica que vem mostrando resultados positivos, no entanto, só é recomendada para quem pratica o método de agricultura convencional. Um experimento realizado pelos pesquisadores da Embrapa, a soja foi semeada no final do mês de outubro quando foi feito um levantamento e detectou-se que havia 20 larvas por m². Nessa área o nível de plantas mortas foi de 1,6 plantas por m². Quando a semeadura foi feita em dezembro, época considerada crítica para ataques de larvas de corós, a infestação era de apenas 3 larvas por metro, com mortes de 5 plantas por m².
As condições de fertilidade do solo e agregação do solo interferem na maior incidência de larvas no solo. Se houver uma comparação entre dois talhões com mesmo grau de infestação, os danos serão maiores no talhão que mostrar solo mais pobre, onde houver compactação, pois isso favorece o acumulo de raízes na parte superficial do solo, aumentando a oferta de alimento. Experimentos recentes os pesquisadores usaram áreas infestadas por corós na região de Planaltina DF, onde foram marcados 128 pontos co GPS e foram feitas 3 amostragens em cada planta. O número de plantas por metro quadrado para que no futuro os pesquisadores possam voltar ao local e ver qual o comportamento das larvas nas plantas infectadas.
Controle de doenças passa pela rotação de culturas
O Sistema de Plantio Direto apesar de contribuir de muitas formas para a sustentabilidade da atividade agrícola, pode desenvolver também condições favoráveis para o desenvolvimento de agentes microbiológicos no solo, entre eles, algumas espécies de fitopatógenos. Dentro desse cenário de adoção ao SPD, a rotação de culturas possibilita a redução gradativa desse problema tanto pelo vigor elevado no desenvolvimento do sistema radicular como pelo aumento dos níveis superficiais de CO² que tendem a inibir o desenvolvimento das populações desses organismos que na grande maioria tem ação aeróbica, observa Ricardo Balardin pesquisador da área de fitopatologia da UFSM. Segundo ele, a variação dos níveis de CO² inibe diretamente patógenos que possuem estruturas de sobrevivência (Fusarium clamidósporo, Sclerotinia e Scloretium esclerócios Rzoctonia esclerócio e micélio). A duração dos períodos de rotação cultural é variável entre fitopatógenos e não raramente atingem valores difíceis de serem adotados comercialmente.
Entretanto as técnicas de controle adotadas precisam de médio e longo prazo para que pela freqüência de cultivo de outras culturas as populações tendam a se estabilizar em níveis sub-epidêmicos. Outro aspecto importante para ser considerado é o desenvolvimento radicular da espécies de preferência bastante profundo e que a proporção de raízes nas camadas superficiais da planta, expostas aos patógenos, seja reduzida. “O SPD apesar de contribuir para o desenvolvimento de patógenos, desde que bem trabalhado com rotação de cultura e manejo correto de semeadura pode diminuir sensivelmente essa populações além de facilitar o crescimento das plantas”.
CICLO DE VIDA DO CORÓ DA SOJA
Para se pensar em métodos de controle é preciso primeiro conhecer a biologia desses organismos. No caso as larvas da família das Phillophagas ps, ou corós os ovos são colocados normalmente durante as revoadas dos besouros adultos que ocorrem na primavera (setembro-outubro) e eclodem após 12 dias da postura. O período larval se inicia aí e dura cerca de 90 dias. A fase mais crítica para o ataque dos corós é a fase larval, principalmente a larva de terceira instância, período onde são identificados os maiores danos. Nesta fase a larva mede em média 3,5 a 4 centímetro e come uma grande quantidade de raízes das plantas.
O coró das hortaliças B minicola, tem ciclo biológico semelhante ao do coró-da-soja. As revoadas dos insetos adultos têm início na primavera, com a postura dos ovos no solo. A diferença dessa espécie de coró é que no período larval seu tamanho pode atingir quase o dobro de outras espécies, chegando a 7 centímetro.
ALGODOEIRO PRECISA DE MANEJO DIFERENCIADO
Introduzida na região do Brasil Central como cultura secundária para plantio nos meses de inverno, devido suas características favoráveis na formação de palhada para as lavouras de soja e milho, o algodão, se tornou, em pouco mais de cinco anos, quase um monocultivo. Os motivos foram a fácil adaptação da cultura na grande maioria das localidades onde foi implantada logo no primeiro ano e, principalmente, pela importância econômica que essa fibra conquistou no mercado mundial de commodities agrícolas.
Walter Jorge dos Santos, engenheiro agrônomo e entomologista do Instituto Agronômico do Paraná, IAPAR, diz que influenciada fortemente pelo fator mecadológico, as lavouras de algodão avançaram rapidamente nos cerrados migrando de um município para outro e em pouco tempo tomaram boa parte dos estados do MT,MS e GO. Contudo, o diagnóstico mais preocupantes é a constatação da permanência do algodoeiro nos mesmos talhões por vários anos sucessivamente nessas regiões.
Santos chama atenção para o fato de as espécies vegetais de cultivo anual, soja, milho, algodão e milheto, serem hospedeiros comuns de pragas e doenças comuns com,o nematóides, Spodoptera spp, Elasmopalpus, lignósellus, Agrotis ipsolon, além de gafanhotos grilos entre outros. Segundo ele, isso ocorre em função da disponibilidade de hospedeiros e de essas espécies apresentarem um crescimento populacional muito grande. Estudos mostram que no sistema rotacional de cultivos a presença do algodoeiro favorece a redução de populações de algumas pragas comuns na soja, milho e milheto como, o piolho-de-cobra, larvas de coros, burrinho, percevejo barriga verde, tamanduá-da-soja, nematóide de cisto.
De acordo com o entomologista da Embrapa observa-se uma migração desses agentes por causa da disponibilidade de alimentos durante todo o ano. O término da entressafra na atividade agrícola pode trazer conseqüências sérias se não houver um combate sistêmico sobre a população dessas pragas nas lavouras. O monitoramento de pragas de parte aérea para tomada de decisões é uma medida aceita e praticada pela maioria dos cotonicultores e, imprescindível na cultura do algodão. ” O algodão encerra o ciclo de culturas anuais sendo, portanto, a cultura mais prejudicada pelo ataque de pragas, principalmente de solo que atacam as plantas logo na sua emergência”.
A seqüência prolongada de semeaduras do algodoeiro em várias regiões do cerrado está determinando o crescimento local de pragas e doenças e, muitas vezes inviabilizando o controle químico em função da explosão populacional das mesmas. Para a implantação dos princípios do Manejo Integrado de Pragas (MIP), o controle cultural através da destruição das soqueiras e a semeadura concentrada regionalmente são determinantes. Um outro agravante para a continuidade do problema de pragas no cerrado é a prática da safrinha. No aspecto fitossanitárioo mais correto seriama definição e cumprimento de um período, para cada região, para o plantio do algodoeiro.