Agricultura

Fertilizante ecológico

As previsões apocalípticas sobre estar próximo o esgotamento das reservas petrolíferas mundiais vêm sendo utilizadas como justificativas para práticas diplomáticas agressivas, guerras e invasões “preventivas”, inclusive ao surgimento de um suspeito, mas compreensível, “eixo do mal”. O petróleo tem uma gama diversificada de aplicações e, talvez, a mais nobre delas seja a geração de energia que proporciona grande parte do conforto usufruído pela imensa maioria da população do planeta. Outro uso importante, raramente mencionado, mas não menos nobre, acontece na produção de alimentos, ao fazer parte da composição química de adubos que fertilizam o solo.

Nas duas situações existem substitutos para o fóssil que, juntamente com o gás natural, são responsáveis pela fabricação de 85% dos nitrogenados. Com relação ao combustível, pesquisas mostram que energéticos a partir da biomassa podem ser tão ou mais eficientes, com a vantagem de não poluir o meio-ambiente. Quanto à obtenção de nitrogênio, um dos macronutrientes exigidos pelas plantas, pode ocorrer através de outras substâncias como resíduos de gás industrial ou de refinarias, xisto, carvão, “enfim, de tudo que gera hidrogênio”. A fertilidade, com a fixação do elemento na terra, pode ser biológica, com o plantio de leguminosas, como a soja, por exemplo.

Os oráculos palpitam que até 2025 as jazidas do mineral estarão próximas da exaustão ou até mesmo exauridas. Porém, o engenheiro agrônomo e pesquisador do IAC – Instituto Agronômico de Campinas, Heitor Cantarella, se mostra um tanto cético sobre esses vaticínios. Para ele, existem outras áreas cujas minas ainda não foram totalmente exploradas, “a Amazônia, no Brasil, África, entre várias”, além de depósitos naturais de nitrato, “pouco importantes, como o salitre do Chile.” Certamente, serão necessários novos e maiores investimentos “que refletirão num preço da gasolina mais alto que o atual. Por extensão, vão influir na produção de fertilizantes. Nesse aspecto, cabe a pergunta: será que compensa? Se for positivo, os preços agrícolas terão que se ajustar.”
Caso essas reservas se esgotem, a saída será trabalhar com alternativas, “além do uso eficiente do adubo”, opina o também engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Pedro Luiz Oliveira de Almeida Machado. Fertilizantes caros são acessíveis para agricultores francês, alemães. “No Brasil, o preço é real, é o que vale, pois têm o maior peso na produção de grãos, chegando a 35% dos custos”, acrescenta.

Ambos atuam na área de fertilidade do solo e concordam que existem outras opções para a captação de nitrogênio, também chamado de azoto, que é um gás incolor, inerte e que constitui 78% da atmosfera. Segundo Cantarella, há uma interação com o hidrogênio, que é gerado por hidrocarbonetos “e são bem mais baratos.” Então, é possível fabricar adubos nitrogenados a partir da “disponibilidade e do custo da eletricidades, tendo, como fontes, a água, queima de fósseis, energia nuclear, entre outras.” Um dos processos é a eletrólise da água que, até pouco tempo, era praticada por países que possuem energia elétrica barata, “caso da Dinamarca.”

Testes com zeolitas prometem

Porém, esse método é um tanto dispendioso, pois a maioria dos países gera energia a partir do petróleo. Não obstante, se a tecnologia do hidrogênio for desenvolvida e dominada, “a fabricação de nitrogenado estará resolvida, pois terá fonte limpa e abundante. Falam muito em fusão, mas essa técnica não é controlada, ainda”, observa Cantarella. Existem, acrescenta, outras escolhas, “mas, por ora, são pouco viáveis”. Ademais, a pressão da sociedade “é maior para a solução do problema em outros setores, como transportes, iluminação, etc, conquanto a questão relacionada aos adubos corra em paralelo.”

Machado, da Embrapa, compartilha dessa posição e cita que, ainda no campo das pesquisas, estão sem realizados testes com zeolitas para a fixação de nitrogênio no solo. A associação desse mineral com fósforo “tem dado bons resultados”, em especial, com o tomate e o alface. Existem, também, estudos para uma junção com a uréia, substância que, sozinha, “permite perdas por volatilização, tanto na atmosfera como na água por percolação. A mistura com a zeolita melhora o nível de aproveitamento.” No Brasil, assinala, a ocorrência desse mineral se dá com o quartzo, diferentemente do existente no Chile e em Cuba, “onde é mais puro.” Estão sendo desenvolvidas análises sobre processos de purificação, buscando uma viabilidade econômica, “inclusive para produção industrial”, revela.

O pesquisador da Embrapa ressalta que, mesmo demonstrando ser promissor, os estudos sobre o uso da zeolita, se é ou não vantajoso, “ainda são incipientes, com um bom caminho a percorrer.”Se houver necessidade, “o melhor substituto do adubo mineral é a leguminosa.” Nesse aspecto, o cardápio é vasto, pois tem a ervilhaca, tremoço, crotolária, entre outras, que favorecem o aumento da matéria verde e possibilita a aplicação “da estratégia do ganha-ganha, uma vez que melhora a qualidade do solo e promove a sustentabilidade.” Esse é um manejo bem conhecido e amplamente utilizado no Sul do Brasil, através do plantio direto e rotação de cultura. “É um sistema excelente para a produção, ótimo para fins econômicos, visto que as leguminosas fixam o nitrogênio, diminui (ou corta) as despesas com adubos e garante a mesma produtividade alcançada com os químicos.”

Cantarella concorda e aponta a soja como a “mais eficiente” nessa tarefa. O pesquisador do IAC assegura que essa planta “dispensa fertilizante nitrogenado. Ela tem associação com microorganismos que fazem a fixação biológica do nitrogênio da atmosfera diretamente no vegetal. Essa operação acontece com outras espécies, como feijão, ervilha, inclusive forrageiras, pasto, amendoim. Entretanto, com algumas, essa retenção não é tão eficaz como a alcançada pela soja. Isso significa que lavouras de alta produtividade, como feijão, por exemplo, precisam de nitrogenados.”

Segundo ele, existem pesquisas para a fixação de nitrogênio com microorganismos associados a outras espécies não-leguminosas, inclusive gramíneas (cana-de-açúcar, pastagens, milho). Porém, “os resultados não permitem substituir os nitrogenados, visto que a absorção, quando há, é insuficiente. Dito isto, grande parte das culturas depende do nitrogênio retirado do solo ou dos fertilizantes. Essa constatação permite concluir que este produto é imprescindível e insubstituível, pelo menos por enquanto.”

Usar químicos com muita moderação

Machado, da Embrapa, observa que o uso de leguminosas facilita as operações de plantio direto, uma vez que, depois de plantadas, “é só cortar e deixar na superfície, gerando, aproximadamente, 90 kg/ha de adubo verde. Sobre o qual é feita a semeadura da lavoura principal. Isso é muito usado no Rio Grande do Sul e, agora, começa a ser aplicado no Centro-Oeste, em Tangará do Sul, no Mato Grosso, beneficiando, cerca de 50% da área de grãos, pois, além de menos arriscado, elimina as operações de aração e gradeação.” Entretanto, embora a oferta de leguminosas seja suficiente, no Brasil, “há dificuldades de abastecimento com as sementes. Mas o produtor interessado, pode contornar o problema fazendo uma sementeira num canto da propriedade, ou apelar para que cooperativas, comércio, enfim, sejam fornecedores.”

Sob essa ótica, o problema gerado pela dificuldade de distribuição comercial do adubo verde, parecem estar com os dias contados. Álvaro Bueno, auxiliar de certificação do IBD-Instituto Biodinâmico, de Botucatu, no interior paulista, afirma que diversas empresas certificadas fabricam e vende esse produto “nos mais amplos mercados.”

Cantarella, do IAC, também considera o adubo orgânico como fonte de fixação de nitrogênio no solo. Observa que esse material é obtido com a mistura de esterco, sobras de uma cultura ou da propriedade, resíduos, de modo geral (menos plásticos). A utilização desse composto é classificada como “reciclagem de nutrientes, pois tira de um lugar e leva para outro. Porém, esse produto não cria nitrogênio novo para o sistema produtivo”, adverte. Ao que diz, o uso desses recicláveis “diminui a demanda pelos químicos, mas não reduz a necessidade de nitrogênio.” Ressalta que a reutilização tem um papel importante, “mas não é suficiente. Existirá, sempre, a exigência da reposição”, sentencia.

O pesquisador do IAC entende que os biológicos e os químicos “devem ser usados simultaneamente”, mas alega desconhecer se são, ou não, complementares. Porém, afirma com convicção que “os orgânicos recompõem o solo e os químicos disponibilizam, de imediato, os nutrientes.” Já Machado, da Embrapa, comenta que, apesar do encarecimento do petróleo, “ainda é cedo para falar em substituição. A palavra de ordem deve ser um uso mais eficaz do adubo mineral. Usar os químicos em menor volume, mas não prescindir deles.”

Mostra, também, ter uma certa reserva sobre o uso de resíduos. A agricultura orgânica é “mais laboriosa e, em conseqüência, seus produtos são mais caros.” Para ele, essa condição se contrapõe à demanda atual “que quer gêneros com qualidade e preços acessíveis.” Além disso, pondera, esse tipo de adubo “pode contaminar o solo e a água, na medida em que, determinado composto, formulado para fixar nitrogênio, contenha alguns ingredientes em excesso que, ao invés de beneficiar, acabam sendo prejudiciais. Sem falar que a produtividade obtida com esse tipo de material fica abaixo daquela obtida pela adubação convencional.” Para evitar esses problemas, sugere que as formulações sejam, sempre, orientadas por agrônomos, “nas quantidades e necessidades adequadas”, a exemplo dos minerais “que têm um melhor controle sobre as doses.”

Quanto à biotecnologia, Cantarella afirma que a técnica é apropriada para transferir, a outras espécies, a capacidade de fixar nitrogênio. Porém, “por enquanto, é teoria, um sonho distante.” As pesquisas, “exeqüíveis no curto prazo, visam dar mais eficiência no uso de nutrientes, absorção pelas plantas, desses nutrientes, em solos desfavoráveis, como alta acidez, por exemplo, enfim, otimizar os recursos naturais.” As experiências atuais, priorizam a resistência a doenças, melhoria das características dos produtos, adaptação dos vegetais a condições adversas. O desenvolvimento desses processos são mantidos por centros governamentais do mundo todo e por algumas empresas, pois o tempo de maturação é uma incógnita e os investimentos, incalculáveis, finaliza.

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