Para alguns analistas, esse “boom” de incorporações, registrado sobretudo a partir de l994, foi dos mais abrangentes, não poupando, inclusive, setores estratégicos, além de permitir que “78% da economia passassem a ser administrados por estrangeiros.”
O processo acontece em âmbito mundial e, no Brasil, a velocidade e intensidade com que surgiu é atribuído às políticas de abertura e não apenas a uma forma de expansão, mas como estratégia de globalização dos grupos econômicos envolvidos. A participação do capital internacional, nessas transações, prevalece e, além de mostrar uma nova percepção sobre o mercado interno brasileiro, a compra de concorrentes nativas pelo menos tolera “situações de oligopólio, facilitando a obtenção de rendas adicionais, via preços ou conluio.” A prática busca, ainda, consolidar ou ampliar a presença no comércio.
Especificamente na área agroalimentar, o tema foi alvo de estudos do agrônomo Celso Luiz Rodrigues Vegro e da engenheira de alimentos Geni Satiko Sato, ambos pesquisadores do IEA-Instituto de Economia Agrícola. Para eles, essas compras são motivadas pela agregação de valor, via redução de custos, além da “sinergia, aumento de poder de monopólio ou reposição de administração ineficiente.” O objetivo final é alcançar mais competitividade, até mesmo com diversificação de operações em atividades similares.
O setor alimentício, observam, foi um dos líderes desse tipo de negócio. Somente duas negociações, em 1993, somaram US$ 420 milhões: a Cica, vendida para a Gessy Lever, por US$ 250 milhões; e o grupo Dreyffus que pagou US$ 170 milhões pela Frustesp. Se forem contabilizadas as aquisições da Parmalat, Nestlé, Danone e Bunge & Born , o volume de dinheiro movimentado “salta para aproximadamente US$ 700 milhões”, apontam.
A empresa que mais comprou foi a italiana Parmalat que, de 1990 em diante, adquiriu onze laticínios e, em abril/93, fez uma grande operação no setor de biscoitos, comparando a Lu Petybon. O processo de reestruturação do sistema agroalimentar brasileiro “mostra forte aumento da concentração de capital nas transnacionais”, frisam os pesquisadores. Segundo eles, a presença de multinacionais do alimento, no Brasil, não é novidade. “Entre 1860 e 1913, existiam 42 companhias internacionais operando no comércio de açúcar, borracha e café.”
Nestlé mantém liderança
Atualmente, pode-se afirmar com pouca margem de erro, que a maioria dos vários segmentos que compõem o setor agropecuário estão internacionalizados. No caso de produtos lácteos, entre l989/94, a Parmalat comprou empresas espalhadas por todo o território nacional. Delas, apenas uma atuava numa área distinta, ou seja, suco de frutas e derivados de tomate. (Yolat/SP). Posteriormente, ao adquirir a Bols e a Milani, a companhia italiana marca seu ingresso no segmento de bebidas alcoólicas. Na seqüência, parte para uma diversificação operacional, entrando na área de massas alimentícias, comprando a fábrica da General Biscuits (Duchen/Petybon). Os recursos envolvidos nessas transações “somaram US$ 200 milhões”, afirmam.
Ainda segundo os pesquisadores, em 1989, a Parmalat do Brasil, registrou um faturamento de “apenas US$ 39 milhões. Em 94, após a consolidação das transações, a receita subiu para US$ 750 milhões, o equivalente a 30% dos resultados mundiais da empresa.” Para o ano seguinte, a companhia divulgava expectativas de que esse rendimento atingisse a cifra de US$ 900 milhões. O crescimento das vendas, no âmbito doméstico, e a expansão do grupo para o Mercosul, mostram que a estratégia foi bem sucedida.
Acompanhando de perto sua concorrente, a Nestlé, mais ou menos à mesma época, dá inicio a processo de modernização e de busca de qualidade nas diversas linhas de produção. A partir de 1992, compra quatro laticínios da Spam, 32 postos de resfriamento de leite, uma empresa de biscoitos, outra de massas e arremata a parte da sócia Gessy Lever na fabricação de sorvetes. Com essas decisões, o grupo suíço consolida sua liderança na captação de leite e na indústria de alimentos.
Os pesquisadores do IEA fazem um comparativo e assinalam que, enquanto a Parmalat se orienta para aquisições, as Nestlé parte para um “mix” entre compras e modernizações com melhora da qualidade. “Nos dois casos, houve diversificação produtiva, sinergia e até surgimento de oligopólios nas áreas de biscoitos, sorvetes e lácteos.” Na ocasião, 1994, acrescentam, “o faturamento da empresa, no Brasil, bateu na marca dos US$ 2,1 bilhões. A previsão de novos investimentos, para o ano seguinte, na América Latina, era de US$ 100 milhões.”
Assim como as transnacionais fizeram uma re-divisão do mercado, com a venda Cica à Gessy Lever, pelo grupo italiano Cragnoti, as empresas líderes, de capital genuinamente nacional também fizeram uma reestruturação mercadológica, em especial nos setores de carnes e óleos. Nesses segmentos disputam espaços a Sadia, Ceval, Perdigão e Chapecó que, além de competirem pela conquista de pontos de venda em âmbito interno, buscam ampliar a atuação no comércio exterior. A busca de nichos nas trocas internacionais foi impulsionada pelo aparecimento de novos hábitos de consumo, como a demanda por alimentos semi-prontos e produtos diferenciados (cortes especiais, forma de preparo, composição nutricional, entre outros).
Bunge investe com fundos de pensão
Dessa forma, de acordo com os pesquisadores do IEA, num histórico das empresas, a Sadia teve origem na agroindústria e processamento de abate de carne suína. Parte para a diversificação, basicamente, com a implantação de novas unidades abatedouras, inclusive de bovinos, moinhos de trigo, aviação e, por fim, esmagamento de oleaginosas (óleo e margarina). Dá início, em 1992, às fusões e incorpora a Cia. Brasileira de Alimentos (Comabra-marca Wilson), além de duas indústria de carne bovina. No ano seguinte, adquire a J.Macedo Alimentos e entra no mercado de massas alimentícios com a Lapa Alimentos.
Ao final de 94, a Sadia possuía 19 empresas, 24 fábricas e 32,5 mil funcionários. As carnes industrializadas representaram 33% do faturamento, seguidas pela criação e abate de frangos, 29%, e outros 20% de esmagamento de soja. No setor de exportações, a receita bateu em US$ 566 milhões, cerca de 20% da receita total, com forte presença no mercado argentino. Além disso, com uma atuação intensa no comércio internacional, possui “tradings” no Japão, Itália e Emirados Arábes.
Já o grupo Perdigão, centrou o foco na atividade comercial. Posteriormente, comprou um frigorífico e iniciou a industrialização de carne suína e derivados. Nas décadas de 70 e 80 começa a operar no setor avícola, esmagamento e refino de óleo de soja, além da fabricação de ração para animais. No início dos anos 90 tinha um acervo composto de quatro abatedouros de suínos, cinco de aves, quatro fábricas de embutidos, vários armazéns de grãos, treze pontos de distribuição, no Brasil, e outros cinco no exterior. Investiu em pesquisa e desenvolvimento, implantou novas técnicas, aprimorou a reprodução de aves e suínos, sofisticou produtos e pôs em prática os mais modernos sistema de produção integrada.
Porém, o acúmulo de prejuízos forçou a venda de empresa, como a Perdigão Amazônia, fábrica de enlatados e embutidos, frigorífico em São Paulo e a refinadora de óleo no Rio Grande do Sul. Em 1993, a Bunge & Born, associada com oito fundos de pensão (a maioria de estatais), arrematou a empresa numa transação de US$ 150 milhões. Atualmente, a empresa possui três fábricas de rações, quatro de embutidos, quatro frigoríficos de suínos, cinco de aves e uma unidade de esmagamento de soja.
Em 1994, já sob controle parcialmente estrangeiro, a Perdigão exportou US$ 190 milhões, cerca de 23% do faturamento total, tendo o Mercosul, a Arábia Saudita, o Japão, a Alemanha e a Espanha, como principais mercados. Quanto à Ceval, iniciou as atividades com óleos vegetais e, depois, parte para industrialização de carnes (suínos e aves). Em 94, o faturamento obtido, com as diversas áreas, atingiu US$ 2,1 bilhões, com as exportações respondendo por 43% do total. Investiu US$ 30 milhões na compra da Guipeba, da Argentina e, internamente, adquiriu a Agroeliane, por US$ 54 milhões, unidade que reforçam e permitem a vice-liderança da empresa no segmento.
Com relação ao 4° colocado no ranking nacional, a Chapecó-Cia. Industrial de Alimentos, os pesquisadores afirmam que o grupo, tradicional no abate e processamento de aves e suínos, seguiu uma estratégia de expansão orientada para o reforço das atividades centrais. Nessa ótica, priorizou produtos de seu “mix” de maior valor agregado, dando importância à distribuição varejista com a introdução de bandejas de frios fatiados e toda uma linha de produtos domésticos. Investiu em tecnologia, principalmente no melhoramento genéticos do plantel e na área industrial. Alinhando-se à tendência de internacionalização dos concorrentes, busca ampliar presença nos mercados do Mercosul, União Européia e Japão.
Diante desse cenário, a constatação dos pesquisadores do IEA é de que as aquisições de empresas atuantes no mercado brasileiro, por grupos transnacionais, “caracteriza-se pelo monitoramento do capital internacional, em um contexto de reestruturação global.” Pode-se observar, ainda, “movimento díspares”, pois, enquanto o setor de produtos lácteos se inclina “para a internacionalização, patrocinada por líderes multinacionais, o segmento de carnes/óleos busca o mercado externo capitaneado por empresas de origem nacional”, finalizam.