O ex-ministro Pratini de Moraes, quando ainda era titular da pasta da Agricultura no Governo Fernando Henrique, anunciava que o próximo passo para o governo dele ou dos que o sucedessem deveria ser uma forte atenção sobre a questão de armazenagem e logística, no caso, transportes. O atual ministro, Roberto Rodrigues, tem dito em seus discursos, que se esta questão não for debatida e encaminhada para soluções, toda a produção agrícola pode sofrer um efeito que ele denominou de “pororoca”. A explicação é que se não houver investimentos na infra-estrutura de transportes – rodovia, ferrovia, hidrovia -, o sistema pode chegar ao esgotamento e, com isto, não permitir aumento na produção agrícola do país, por falta de vias de escoamento.
O presidente da Associação Brasileira de Logística, Aslog, entidade que reúne profissionais que atuam neste setor, Altamiro Borges, afirma que o risco de um “apagão” logístico é bem provável. Isto porque, segundo ele, não existe infra-estrutura que suporte o crescimento da produção agrícola, na velocidade em que ela está acontecendo. “Para falarmos de logística é necessário pensar no seu conceito como um todo. E isto significa ver o sistema de forma ampla, desde capacidade e condições de armazenagem até o escoamento desta produção, dentro dos portos ou mesmo dos navios”, ressalta Borges. Por conta disto ele assinala que todos os componentes deste setor, estão muito defasados em termos de condições estruturais.
“Não temos armazenagem suficiente próximo das propriedades, não temos estradas adequadas para o escoamento até os portos, as ferrovias não estão podendo atuar com sua plena potência e as hidrovias estão com projetos paralisados por conta das questões de meio ambiente. Tudo isto está engessando o sistema” afirma.
Borges ressalta ainda que na linha de problemas a solucionar estão as questões burocráticas de desembaraço de cargas e a falta de agilidade dos portos. Na opinião do presidente da Aslog, está faltando articulação entre todos os atores deste processo, desde governos até operadores, passando por entidades representativas. Numa ação que comece a traçar linhas de planejamento e trabalho conjunto a fim de começar a colocar em prática as soluções para estes problemas. “Se quisermos ser competitivos precisamos resolver logo este nó”, finaliza Borges.
Com a experiência de quem tem vivido este problema de transporte há anos enquanto trabalhava na área de trading, Marcelo Saraiva, hoje ocupando o cargo de gerente agrícola da MRS Ferrovias, é taxativo ao dizer que este é um problema que só será sanado dentro de 10 anos. Isto porque, segundo ele, somente agora parece que começaram a pensar no problema com vontade política. E na visão dele, é preciso encaminhar as soluções de forma conjunta. “Articular a armazenagem com a ferrovia, a hidrovia, as estradas e os portos. O sentar na mesa tem que ser de forma que todos possam propor formas de atuação conjunta, integrada, pois a intermodalidade é o melhor caminho para todos”, acredita ele. A MRS, conforme Saraiva, vai fazer a sua parte, dentro do processo de melhoria das suas linhas concessionadas. A empresa deve investir forte na área de sinalizações, permitindo com isto aumentar a velocidade. A MRS projeta transportar em 2004 cerca de 500 mil toneladas de fertilizantes, 100 mil de trigo e 200 mil de soja.
As ferrovias possuem hoje, duas mil locomotivas e 70 mil vagões que percorrem cerca de 28 mil quilômetros úteis, cortando as regiões sul, sudeste, oeste, centro e nordeste. Desde 1997 estão sob o regime de concessão privada, explorada por 12 empresas que terão mais 23 anos deste direito. Segundo o diretor executivo da Associação Nacional de Transportadores Ferroviários, ANTF, Rodrigo Vilaça, os principais clientes hoje são minérios e os produtos e insumos agrícolas. Para ele o modal ferroviário tem muito a contribuir no processo de resolução da logística de cargas agrícolas no país. A começar que um vagão pode transportar o equivalente a quatro caminhões. “Precisamos alterar o formato da matriz de carga que foi montado basicamente sobre o modal de caminhões e hoje, isto parece se mostrar próximo a um esgotamento”, opina. Rodrigo concorda que a intermodalidade é o melhor modelo. Cada sistema carrega o produto até uma determinada distância ou trecho, racionalizando os recursos e investimentos em infraestrutura. “Precisamos também lutar para que a CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – seja finalmente destinada para os fins aos quais foi criada que é investimento em infra-estrutura de transporte e energia, especificamente estradas, ferrovias e outros serviços”, reivindica. Conforme dados que apresenta a ferrovia contribui para este imposto com cerca de R$ 320 milhões por ano, através do consumo do diesel e o governo não tem dado retorno nem naquilo que é obrigação dele que são as sinalizações, invasão de faixa de domínio e contorno de cidades, critica. Mesmo assim as empresas ferroviárias vêm investindo e vendo crescer o volume de cargas transportadas por este modal. Em 2003 o volume total de carga foi de 186 bilhões de toneladas e a ferrovia obteve 24% do total de carga transportada no país, e querem chegar a 30% até 2008.
A visão de quem trabalha nas estradas vem da Associação Brasileira dos Transportadores de Carga, ABTC. O presidente da entidade, Newton Gibson se junta às críticas feitas ao governo pela retenção da CIDE. Para ele isto está trazendo grandes prejuízos para o país, principalmente na área de escoamento da produção agrícola. “O que acontece no porto de Paranaguá, não é um bom exemplo. Significa que nossas estruturas de embarque e de recebimento estão defasadas e as medidas de correção, precisam ser urgentemente tomadas”, afirma. Para Gibson está mais do que na hora de executar todos os planos já realizados pelos governos. O volume que foi arrecadado pela CIDE, R$ 7 bilhões, possibilitam condições de distribuição para investimentos de infraestrutura nos vários modais. “Precisamos recuperar as BRs, as estradas estaduais e vicinais – estas mais importantes para o escoamento da produção agrícola – para que realmente evitemos o colapso na área de transportes em geral”, aponta. O presidente da ABTC acrescenta que com as estradas no mal estado que estão, os custos para este modal são muito altos, tirando a competitividade. Ele afirma que é favorável a construção de processos intermodais de transporte de cargas. “Transporte por caminhões, na minha opinião, só é rentável até 800 km, depois se torna deficitário”, conclui.
O modal hidroviário é dividido em navegação interior, pelos rios e de cabotagem, feita pela costa brasileira. As que mais tem movimentado cargas agrícolas têm sido as de rios. O Brasil conta com uma infraestrutura de rios bastante interessante compondo cerca de nove bacias que possibilitam o transporte de cargas, sendo que algumas destas hidrovias têm se destacado neste cenário. A Tietê-Paraná, por exemplo, tem uma extensão de 1.800 km que atravessam o estado de São Paulo, no sentido leste oeste, podendo levar cargas até o Paraguai e a Argentina. Em 2001 o movimento de grãos chegou a 680 mil toneladas tendo uma queda significativa com a seca do ano seguinte. Segundo estudos realizados pela Confederação Nacional dos Transportes, esta hidrovia tem capacidade de transportar cerca de cinco milhões de toneladas e, pela região em que se encontra, boa parte dela seria de produtos agrícolas.
Soluções
O aparecimento de um cliente novo, o agronegócio, que se mostra com poder de crescimento muito grande e que quer diminuir a conta dos custos dos fretes, pois boa parte da sua carga tem baixo valor agregado, tem forçado os operadores logísticos a buscarem soluções para este problema. Na linha das indicações de como encaminhar soluções para o problema Michel Santos, gerente de marketing e comunicação da Bunge Fertilizantes e Diretor de Logística da ABMR&Agronegócios, acredita que o ideal, em um pais, com uma carga tributária como a do Brasil, seria uma dedicação maior do Governo Federal. “Acredito que a solução estará nos pools privados, que acabam investindo por conta própria e chegando a efetivação das soluções”, indica. Michel acrescenta que o Governo deveria incentivar mais a iniciativa privada e, se não consegue resolver, “facilitar mais para aqueles que podem colaborar nestas questões”, conclui.
A visão de quem vem estudando o assunto há algum tempo é dada pelo coordenador do grupo Esalq/log, José Vicente Caixeta Filho, que realiza pesquisas em logística agroindustrial. Este grupo faz parte do departamento de economia, administração e sociologia da Esalq USP. Segundo Caixeta o cenário atual, de um certo “engarrafamento” nos sistemas de transportes, exige que ações práticas sejam tomadas por todos os operadores, preferencialmente em conjunto para que o resultado beneficie a todos. “E este é o momento oportuno, uma vez que o cliente agronegócio está exigindo soluções”, assinala.
Para ele o Governo tem dado sinais claros de que não tem condições de investir na infra-estrutura necessária e assinala com as PPPs como forma de encaminhar a solução. “Mas isto não está sendo suficiente. O Governo tem que acenar com disposição política e com regras claras para que os investidores tenham confiança de que o negócio é seguro e será rentável”, aponta. O coordenador acredita que se todos os operadores formarem uma união em torno do objetivo de resolver os gargalos logísticos, buscando uma solução que permita a todos crescerem, esta questão se encaminhará em curto prazo. Caixeta observa, no entanto, que se deve partir das estruturas que já existem e definir tecnicamente cada área de atuação dos modais. “Na minha opinião, longos percursos deveriam ser trabalhados com ferrovia e hidrovias, e distâncias curtas com rodovias”, finaliza.