O alerta dos estudiosos parte de um único questionamento. Até que ponto, o rebanho brasileiro está imune a um ponto desta natureza?
Quem não se lembra do caso de aftosa, que causou ao Brasil, sérios problemas comerciais, fazendo, inclusive, com que muitos países da Europa, Ásia e o próprio EUA, fechassem suas fronteiras para a compra da carne brasileira. Segundo Celso Freitas, diretor de Marketing da Tortuga, empresa com 50 anos de atuação no mercado pecuário brasileiro, o problema da vaca loucas no EUA, pode sim, trazer algumas vantagens comerciais para o Brasil, porém, esse entusiasmo precisa ser mais moderado.
Freitas fala sobre as práticas de manejo inadequadas que, felizmente, ainda são usadas em boa parte das fazendas de pecuária pelo país. É muito comum, segundo ele, encontrar propriedades com pouquíssimo ou nenhum controle sobre suas atividades diárias. “Como pode ser possível implantar um sistema de troca de informação, sem um manejo racional das atividades. O controle realizado mais próximo do rebanho, com dados mais precisos, sobre o dia a dia dos animais, oferece ao pecuarista, condições de agregar maior valor a seu produto”, explica.
Hoje, das mais de 180 milhões de cabeças que compõem o rebanho bovino brasileiro, incluindo-se aí, animais de origem taurina e zebu ou azebuado, cerca de 90%, não está em condições de atender as normas do Sistema de Identificação e Certificação de Bovinos e Bubalinos do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA). O Sisbov que foi criado em meados de 2001, durante a gestão do antigo governo, ainda é uma utopia para a maioria dos criadores brasileiros, observa o diretor da Tortuga.
Para ele, a solução desse problema, depende, em primeira instância, da iniciativa do setor público que, através de seus órgãos representativos, precisam traçar as diretrizes para o setor. A partir daí, os outros segmentos da cadeia produtiva, precisam se articular, no sentido de discutir soluções para o segmento. E isso envolve questões muito mais relacionadas ao campo político do que técnico. “Os representantes das empresas, que são interessadas diretas nos resultados do agro negócio, precisam participar mais ativamente das decisões”.
A implantação de um sistema de rastreabilidade, eficaz, passa por um processo de extensão rural, ou seja, o criador, peça chave desse quebra cabeças, precisa fazer seu dever de casa, corretamente. A partir daí, o segundo passo, deve ser dado em parceria entre as iniciativas públicas e privadas. O serviço de Informação da Carne (SIC), órgão criado para fiscalizar a procedência da carne que é oferecida ao mercado, vem se mobilizando no sentido de garantir um atestado de qualidade para a carne brasileira. Só que sem incentivo é muito difícil levantar fundo para viabilizar as ações, explica Freitas que faz parte do conselho diretor do órgão.
O boi capim, criado, exclusivamente, a pasto, é um conceito que vem sendo trabalho com bastante sucesso, explica o técnico. “Essa ideia, está ajudando bastante, o país, a conquistar novos mercados. Só que para o êxito desse programa, o pecuarista precisa tomar um cuidado redobrado com a aplicação de qualquer tipo de resíduo de origem animal na alimentação do rebanho. Após o surgimento do primeiro surto de vaca louca, ocorrido na Europa em 2000, a legislação proíbe, terminantemente, essa prática. Porém, o que ocorre em muitos casos é o desrespeito total, a essas normas”.
O diretor faz esse alerta, por considerar esse, um problema de saúde pública, que muitas vezes, por ausência de informação, alguns pecuaristas, ainda se utilizem desse subterfúgio para diminuir seus custos com a produção. “agora, mais do que nunca o pecuarista brasileiro, precisa fazer corretamente, o seu dever de casa. Os EUA, já iniciaram, através do USDA, campanhas de conscientização para esclarecer e orientar a sua população e em pouco tempo, certamente, eles vão reverter este quadro”.
José Vicente de Ferraz, diretor técnico da FNP Consultoria, diz que novos mercados devem se abrir para o Brasil, por conta desse problema de vaca louca enfrentado pelos EUA. Isso deve ocorrer antes do término do primeiro trimestre deste ano. Para ele, quem vai gerar essa demanda para o Brasil, é o aumento excessivo nas exportações de carne bovina, para países como, Japão, Coréia e Taiwan, que tem suas importações de carne, quase que, totalmente centrada na produção americana. Esse fenômeno, certamente vai provocar um fluxo migratório para compra de países com grande produção como, Austrália e Nova Zelândia, pois esses países, ainda não consomem carne brasileira por conta da aftosa, explica o técnico. Só que, como o consumo desses três países é, extremamente elevado, outros mercados como o da China, Rússia, países Árabes, parte do leste Europeu e a própria União Européia devem sofrer baixas em seus estoques. E é aí que a carne brasileira entra em cena. Segundo Ferraz isso, pode garantir ao Brasil um incremento extra, em sua exportações, que pode variar da ordem de 5 a 10%, acima do projetado pelo governo, para o ano de 2004. O Brasil terá um aumento nas suas exportações, variando entre 15 a 20%, calcula o técnico.
Para o diretor técnico da FNP Consultoria, essa euforia toda que está ligada às exportações, não causa reflexos no mercado interno. Segundo ele, na prática esse mercado significa 80% da cadeia produtiva. “O ano de 2003 foi um período que, as projeções mais otimistas, apontam para uma estagnação no consumo per capita de carne bovina no mercado brasileiro. De acordo com os dados da FNP, em 1995 o brasileiro consumia em média 42,6 Kg de carne bovina por ano. De lá para cá, este mesmo estudo anual, mostra uma queda de consumo. Este ano estudos preliminares apontam para o consumo médio de 36 Kg, por habitante/ano. A causa desta retração, explica ele, está na acentuada diminuição do poder de compra do consumidor brasileiro nos últimos cinco anos. “Isso faz com que ele, consumidor, migre para opções mais baratas, como a carne de frango por exemplo”.