Agricultura

Transgênicos – … e o vilão, quem diria, pode se tornar herói!

Um dos principais mentores do projeto, o atual ministro da Segurança Alimentar e Combate à Fome, José Graziano, na divulgação do plano, em 2001, se manifestava contrário ao uso de alimentos transgênicos. Agora, diante das atitudes conciliatórias do atual presidente da República, afirma que “não há uma posição fechada” sobre o assunto.

Essa disposição ao diálogo, para alguns, coloca o ministro Graziano “em cima do muro” e reflete os resultados de um “lobby suave” praticado por empresários brasileiros e representantes de companhias norte-americanas, interessadas em produzir e exportar esse tipo de alimento para o Brasil. O programa do governo está sendo visto como um forte escoadouro. Não é segredo que os Estados Unidos, junto com a Argentina, utilizam largamente produtos geneticamente modificados e, justamente por isso, defronta-se com restrições no mercado, sobretudo o europeu.

Críticos dessa espécie de gênero, considerado como um avanço da biotecnologia, lembram que, na primeira versão, o “Fome Zero” era taxativo ao afirmar que “a liberação dos transgênicos promoverá uma maior dependência dos produtores a essa tecnologia, que, além de mais cara, é monopólio de empresas multinacionais (cerca de 90% das variedades em testes no Brasil são patenteadas por apenas seis companhias estrangeiras).”

Apesar de gerar reservas, o comportamento do ministro é encarado como um indicativo de disposição ao debate e faz com que defensores e opositores de plantas modificadas se coloquem de prontidão e se munam de velhos e novos argumentos para mais uma batalha verbal sobre o tema. Os partidários dos OGM iniciaram as atividades, inclusive com reportagens na grande imprensa sobre a ‘expansão’ do plantio de transgênicos, sobretudo a soja, no País, alardeando o baixo custo da produção e o alto índice de produtividade. A lavoura se estende por vários Estados, independentemente do fato de estar proibida, atingindo 20% da área plantada com a oleaginosa, em âmbito nacional. Alegam, ainda, que o atual ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, não faz quaisquer restrições às sementes transgênicas.

Economia ambiental no debate

Do lado dos opositores, exceto pelas ações judiciais já solicitadas pelo Greenpeace, Idec e ambientalistas, não se tem noticia de um movimento mais significativo. No começo de fevereiro, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, solicitou a suspensão do julgamento da ação que pedia dispensa do Estudo de Impacto Ambiental (ELA) para esse cultivo no País. É justamente nessa área que surge um novo ângulo de enfoque na discussão, tratando especificamente da “economia ambiental” e das conseqüências que as plantas alteradas podem acarretar, resultando em “mais uma fonte de externalidade imposta à sociedade”.

Essa nova abordagem sobre os OGM é deita por Luiz Margarido, engenheiro agrônomo, e Paulo Beskow, economista, ambos professores adjuntos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), interior paulista. Para eles, externalidade é definida como o dia-a-dia de uma empresa ou de uma pessoa sendo afetado pelas atividades de outra. Como exemplo, citam a poluição do ar e da água, provocada pela indústria. Isso acontece, explicam, porque ar e água são considerados bens comuns, que não possuem um único dono.

Situando-se na faixa intermediária, ou seja, nem contra, nem a favor dos transgênicos, mas nem por isso sem opinião, Beskow e Margarido defendem seu ponto de vista afirmando que existe todo um arcabouço teórico na ciência econômica para calcular os custos dessas externalidades. É possível, por exemplo, taxar ou mesmo estabelecer limites à poluição industrial. Porém, esse controle tem um custo e a adoção de medidas preventivas vai, no mínimo, aumentar o preço do produto final para o consumidor.

Com relação específica ao setor agrícola, podem ser citados inúmeros casos de externalidades, como o volume de terra depositado nos reservatórios de hidrelétricas e rios, que tem origem na erosão do solo provocado pela não adoção de praticas conservacionistas na agricultura. (Um estudo do Ministério da Agricultura/Ipea estima essa perda em 1 bilhão de toneladas anuais, em âmbito nacional). Outro incidente conhecido é a contaminação da água por agrotóxicos e a conseqüente mortandade dos peixes, a infecção de trabalhadores rurais durante as pulverizações agrícolas com agro-químicos, entre outras.

Para eles, essas externalidades não deveriam ocorrer, “mas acontecem devido a força da argumentação econômica.” Além disso, as empresas sabem que as despesas no desassoreamento das represas, rios, os prejuízos da morte dos peixes e os custos com o tratamento da saúde dos trabalhador contaminado “são, na maioria das vezes, bancados, pagos pela sociedade e não pelo agente causador do dano.”

Margarido e Beskow chamam a atenção de a agricultura moderna ser uma grande fonte de externalidades, embora a maioria da população não perceba isso, inclusive as despesas que representa. Incidentes como os mencionados, embora previsíveis, muitas vezes são “desconsiderados, pois várias das técnicas utilizadas visam ou se justificam pelo aumento da produtividade e a conseqüente redução nos preços dos alimentos. Porém, a pergunta que não quer calar é a seguinte: “até que ponto interessam à sociedade como um todo?”.

Porém, acrescentam, são esses incidentes – não tão imprevisíveis – que permitem a criação de mercados para produtos ecológicos, como alimentos orgânicos ou naturais, orientados por associações e certificadores que asseguram uma produção de acordo com as normas pré-estabelecidas, sem maiores conseqüências ou externalidades mínimas para os consumidores. No entanto, todo esse cuidado, mais a infra-estrutura de distribuição e fiscalização oneram, em parte, os custos e podem tornar esses produtos mais caros.

Preocupação com a segurança

Os professores da UFSCAR recordam as muitas discussões sobre a conveniência ou não de o Brasil liberar o plantio desse tipo de planta. Os debates acirrados são polarizados por argumentos que destacam as incertezas que o uso dessa tecnologia poderá trazer para o ambiente e, também, para os pequenos produtores, contra as afirmações feitas pelos defensores sobre o imenso potencial, não somente na agricultura, como nas áreas de saúde humana e animal, com a utilização dos transgênicos na produção de vacinas.

Sementes estéreis preocupam

Lembram que um encontro internacional sobre o tema “Biodiversidade, direito das comunidades rurais e implicações dos organismos geneticamente modificados”, ocorrido na Índia, em 1998, manifestou preocupação com o ecossistema e os direitos dos pequenos agricultores, chegando à conclusão de que: 1) as sementes pertencem aos agricultores; isso não significa a reivindicação de um direito de propriedade privada, mas o reconhecimento de um direito de uso, já que as práticas de seleção, conservação e de sua troca são elementos constitutivos e indissociáveis da segurança alimentar a da sobrevivência cultural dessas sociedades camponesas; 2) o banimento completo das técnicas de esterilização das sementes geradas geneticamente; 3) a adoção do princípio de precaução com relação à utilização dos OGM; 4) exigência de transparência nas informações sobre o tema; 5) a necessidade de uma discussão sob o ponto de vista ético nos debates democráticos sobre o assunto, a partir do questionamento do desenvolvimento científico ser governado pelo lucro; 6) a paralisação do processo de difusão dos transgênicos na agricultura através de uma moratória para uma ampla discussão sobre o assunto; 7) a exclusão dos vegetais, dos animais e dos procedimentos biológicos da discussão sobre os direitos de propriedade intelectual em curso na Organização Mundial de Comércio; e 8) o reconhecimento dos direitos de propriedade pelas comunidades agrícolas sobre os recursos genéticos mantidos por elas.

Paralelamente, acrescentam, os pesquisadores apontam vários aspectos positivos no uso da tecnologia, entre eles:
1) mais de 50% das espécies geneticamente manipuladas – dentre as quais se encontram as mais importantes para a alimentação humana e animal – foram transformadas com genes que conferem resistência a herbicidas, vírus e insetos;
2) em outros 30% dessas espécies, a transformação genética se orientou pela melhoria da qualidade dos produtos;
3) nos casos restantes, procurou-se obter resistência a fungos ou conhecimentos básicos na área de biologia molecular ou das interações entre patógenos e plantas;
4) outro tipo de manipulação genética teve por objetivo a diminuição da síntese de ácidos graxos saturados ou a expressão de genes de proteínas de reserva com teor otimizado de aminoácidos essenciais para a nutrição humana e animal; e
5) possibilidade do uso de plantas alteradas na produção de vacinas contra doenças humanas e de animais.

Na seqüência, alinham os argumentos contrários ao cultivo de transgênicos citando as seguintes preocupações:
1) aumento dos riscos à saúde dos consumidores;
2) negação dos direitos dos consumidores à informação dos risco associado à utilização;
3) inexistência de regulamentos técnicos para uso seguro desses produtos;
4) tendência a provocar a perda da diversidade genética na agricultura;
5) ameaça ao futuro da agricultura pela erosão genética;
6) aumento dos riscos associados às atividades agrícolas;
7) ocorrência de poluição genética;
8) surgimento de superpragas;
9) extermínio de insetos benéficos para a agricultura;
10) impacto negativo na vida microbiana do solo;
11) irreversibilidade dos impactos dos transgênicos na natureza;
12) queda na produção agrícola e/ou aumento de seus custos;
13) as empresas do setor não assumem a responsabilidade pêlos riscos dos OGM;
14) controle da produção de sementes por poucas multinacionais;
15) inexistência de uma maior produtividade das variedades alteradas em relação às convencionais ou muitas das tradicionais;
16) possibilidade de os OGM aumentarem o desemprego e a exclusão social no Brasil;
17) representarem um risco para a segurança alimentar dos consumidores;
18) ausência de conhecimentos científicos suficientes sobre os impactos do uso dos modificados no meio ambiente e na saúde; e
19) existência de outras alternativas alimentares mais eficientes e sem os riscos dos organismos alterados.

Apontam, ainda, que muitas dessas preocupações, apesar de serem consideradas sem embasamento científicas pêlos defensores dos alterados, já se tornaram realidade. Na Grã Bretanha, foi pedido o bloqueio à venda de alimentos, depois que pesquisadores constataram que batatas alteradas geneticamente, ingeridas por ratos de laboratório, provocaram o retardamento do crescimento dos animais.

Quanto às plantas, há evidências de que as transgênicas transferem genes para outras e provocam perda da diversidade genética. Um dos casos narrados é a contaminação por polinização de um plantio de milho tradicional na Alemanha, tendo como causa o cereal modificado produzido pela Novartis. Em conseqüência, Noruega, Áustria e Luxemburgo proibiram o cultivo de milho modificado devido a prováveis prejuízos à biodiversidade e à saúde humana.

No documento de interdição, o governo norueguês afirma que o “produto não pode ser visto como uma contribuição importante, em termos sociais, nem de desenvolvimento sustentável. Em termos éticos, não há provas de que seus benefícios sejam superiores aos riscos à saúde. Por conseguinte, considera-se que a comercialização do milho não atende ao princípio precautório”.

Margarido e Beskow ressaltam, ainda, que também não há interesse do Brasil em produzir transgênicos. Isso porque muitos consumidores preferem o produto convencional e, como exportador, o País não teria qualquer vantagem com a troca. De fato, recentemente, a China questionou um atestado emitido pelo governo brasileiro afirmando que não possuía condições de controlar a expansão do plantio de OGM. Os chineses queriam saber que tipo de soja estavam comprando: modificada ou tradicional.

Os professores citam, também, reportagens da grande imprensa sobre a conquista de novos nichos de mercado pêlos produtos orgânicos, sobretudo na Europa, e mencionam as conclusões de pesquisas constatando que “durante o século XX, as indústrias fizeram todas experiências possíveis com plantas e animais para aumentar a produção. Deu certo. A produção cresceu, o alimento ficou mais barato, as empresas tiveram mais lucro. Mas a qualidade da comida piorou e surgiram doenças ligadas aos hábitos alimentares. A sociedade começa a perceber que isso está errado”.

Segundo eles, embora o custo do alimento tenha se reduzido, as empresas produtoras e comercializadoras “externalizaram” custos para a saúde das pessoas e para o ambiente. Como exemplo, apontam a cobrança dos ingleses ao governo britânico para que financie programas contra a obesidade, além de bancar com gastos estimados em 100 milhões de libras esterlinas, já em prática, para tirar pesticidas da água e de 1,5 bilhão de libras com despesas anuais para o tratamento de doenças relacionadas à intoxicação alimentar.

Simultaneamente, uma pesquisa realizada pela Market and Opinion Research, constatou que os alimentos transgênicos sofreram a rejeição de 78% dos franceses, 65% dos italianos e holandeses, 63% dos dinamarqueses, 53% dos ingleses e 78% dos alemães. No Brasil, a afirmação corrente é de que existe mercado para os dois tipos de produto e que o consumidor é livre para escolher.

Porém, assinalam que o pano de fundo do debate é o interesse econômico de grandes grupos internacionais, detentores das patentes dessa tecnologia e que, sem dúvida, serão os maiores beneficiados pela difusão, até por exercerem pressão sobre os diferentes setores da sociedade, “principalmente através de propaganda nem sempre condizente com a verdade científica”.

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