Negócios

São Paulo perde terreno

“O clima de crise também “afeta criadores, abatedouros, frigoríficos, além de fábricas de equipamentos e ração, matrizeiros e incubadores, uma vez que a insolvência se alastra dentro da cadeia.”

Pela importância econômica e social do setor, a pesquisadora defende medidas de apoio, sobretudo financiamentos de longo prazo, buscando reforçar a competitividade, através da maior participação do frango industrializado na produção. O investimento na implantação de túneis de congelamento e câmaras frias, “que inexistem na grande maioria das empresas paulistas”, habilitaria a avicultura não só a enfrentar melhor a disputa com outros Estados, mas também a buscar o escoamento de parte da produção no mercado externo.

Isso, acrescenta, traria um novo ânimo, pois a produção atual é quase que exclusiva de frango resfriado, que atem de ser comercializado num prazo mais curto que o congelado, acarretando perdas diante dos concorrentes e menor poder de barganha em negociações com os supermercados, além de inviabilizar a exportação.

Pool de empresas para operacionalizar o congelamento

A criação dessa estrutura de congelamento poderia ser feita por empresas individuais, embora fosse interessante a organização de um pool para operar uma montagem de uso coletivo, que teria maior escala, adequada para fazer o acabamento do produtor e atuar no mercado internacional, criando uma marca forte para o frango paulista. Essa proposta surgiu na Associação Paulista de Avicultura (APA), que discute o assunto há algum tempo, acrescenta.

O aumento da produção do frango industrializado também poderia ser feito a partir de uma planta industrial que processe a produção de diversos abatedouros associados que, atualmente, vendem apenas o frango resfriado inteiro, ou em cortes, fato que viabilizaria a construção e operação de planta com escala adequada, sem exigir aumento da produção da matéria-prima.

Sônia Martins acredita que os investimentos centrados na indústria sejam estratégicos, inclusive para melhorar a inserção competitiva da avicultura paulista. Mas, para atingir esse objetivo, é necessário que ocorram investimentos também na modernização das granjas criadoras, buscando a melhora da rentabilidade e a redução de custo da matéria-prima industrial.

Observa, ainda, que, com o mercado interno saturado, é importante que os investimentos que favoreçam um aumento da produção sejam amarrados a compromissos de escoamento dos excedentes para as vendas externas. Adverte, entretanto, que a expansão exagerada da oferta para o exterior. “que já ocorre em ritmo intenso em outros Estados”, desarticulada da conquista de novos nichos, poderá derrubar os preços do frango e derivados no comércio internacional.

São Paulo reduz presença na produção nacional

Numa retrospectiva do setor, Sônia Martins lembra que a avicultura brasileira, da qual a paulista é pioneira, passou por um largo período de crescimento acelerado da produção, provocando uma significativa redução do preço real do frango e um grande aumento no consumo, pois o produto se tornou parte integrante da dieta popular. A demanda per capita, de uns tempos para cá, se estabilizou num patamar relativamente alto. Mas a produção continuou acelerada devido à conquista de parcelas crescentes no mercado internacional, onde o Brasil é o segundo maior exportador, depois dos Estados Unidos, maiores produtores e exportadores do mundo.

Essa entrada do frango brasileiro no mercado externo foi possível pela sua competitividade, calcada nos ganhos de produtividade obtidos no próprio setor e, também, na produção nacional do principais insumos utilizados na criação, sobretudo milho e soja. Nos Estados onde a atividade é mais recente, as plantas dos abatedouros são maiores, mais modernas e desfrutam de ganhos de escala significativos. Entretanto, isso não acontece em São Paulo, onde existem muitas empresas de pequeno e médio portes, voltadas para o abastecimento quase exclusivo do mercado interno, com frango resfriado.

A pesquisadora recorda que já faz alguns anos que os avicultores paulistas “vêm mostrando uma perda relativa de participação na produção nacional de carne, de pintos de corte e no alojamento de matrizes de corte.” Só na produção de matrizes o peso de São Paulo continua grande, garante. Isso porque grandes empresas de outros Estados ainda mantêm o setor avozeiro no território paulista, nas proximidades do aeroporto de Cumbica, por onde chegam os ovos férteis que dão origens às avós, geradoras das matrizes.

Outro problema, aponta, é a entrada “crescente” de aves produzidas em outros Estados no mercado paulista, “fenômeno que se intensifica sempre que ocorrem problemas que frustram a perspectiva de exportação e que refletem em aviltamento de preços” no Estado de São Paulo. Esses fatos preocupam os agentes da cadeia produtiva, na medida em que demonstram a “perda de dinamismo e competitivade.”

Para ela, os abatedouros paulistas, menores e menos capitalizados que os do Sul “correm risco de não resistir a uma guerra de preços com os grandes grupos exportadores, cuja participação na produção de carne de ave vem aumentando, em detrimento da presença dos paulistas.” A quebra de boa parte dos matadouros “resultará em maior oligopolização do mercado de frango abatido e na redução do emprego gerado, em São Paulo, pela criação e abate de aves”, profetiza.

Consumo ainda tem potencial de crescimento

Diante disso, acrescenta, a cadeia produtiva, através da APA, está reivindicando a liberação de recursos que possibilitem o setor entrar no mercado externo, modernizar as instalações, nos mesmos moldes em que foram concedidos aos abatedouros gaúchos, “atual fonte do dinamismo da avicultura brasileira.” Se a retração da economia estiver, de fato, superada, e a mundial continuar crescendo, “será possível contar com a sustentação do crescimento do mercado internacional, embora a taxas menores que as observadas nos últimos anos”, avalia.

Recorrendo a estatísticas, Sônia Martins diz que a carne de frango tem mostrado o maior aumento de consumo, com taxas de crescimento anuais “superiores a 3,3%, nos últimos seis anos, sendo que, em 1999, a demanda cresceu mais de 8%, no âmbito mundial.” O mesmo acontece com as exportações, cuja elevação tem sido maior que a do consumo, “alcançando 10%, em 2000, e 15%, em 2001.” O surgimento da vaca louca, em diversos países europeus, favoreceu a exportação de carnes, pelo Brasil, sobretudo a de frango, muito procurada pelo consumidor da Europa.

Citando dados do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), a pesquisadora diz que o comércio mundial desse tipo de carne deve crescer 5%, em 2002, atingindo um volume recorde de 6,3 milhões de toneladas. Esse aumento será sustentado pelo crescimento da produção nos Estados Unidos, Brasil, China e Tailândia. Em contrapartida, na União Européia, deverá ocorrer um pequeno decréscimo na produção, em função dos altos custos, apesar dos subsídios concedidos.

A exportação do Brasil, neste ano, deverá chegar à cada dos 1,4 milhão de toneladas, devido a uma expansão nas vendas para o Oriente Médio, Ásia, África e União Européia. Já os norte-americanos e os chineses, devem ter uma redução de 3% e 4%, respectivamente, na participação desse comércio internacional.

Cotações comprometem a renda

Ao analisar os aspectos econômicos, a pesquisadora afirma que o preço do quilo do frango apresenta “notável” estabilidade, em todos os mercados, com flutuação de sentido alternado, em torno da média (a média, para o produtor, foi calculada em R$ 0,96; no atacado, R$ 1.47; e no varejo, R$ 2,04, em fev/02). Diante dessa constatação, Sônia Martins conclui que a evolução dos preços não favoreceu a rentabilidade do setor e que, “se houve algum ganho, decorreu exclusivamente da contenção de custos e de um avanço modesto na produtividade que, antes, já havia alcançado patamar bastante elevado no segmento de criação.”

Os baixos preços do frango vivo e no atacado, vigentes em 1997/98, “podem explicar a perda de participação da produção paulista no contexto nacional, que fica evidente a partir de 1998.” Os anos 1999/2000 “foram os piores, em termos de poder de compra do frango, em relação ao milho. Já em 2001, devido à supersafra do grão, foi melhor.” A relação entre a cotação do frango, a do farelo de soja e do pinto de um dia, flutuou, com períodos de piora simultânea em duas dessas três trocas.

Além disso, as altas taxas de juros reais tornaram elevados os custos financeiros, “de modo que o carregamento de dívidas e o financiamento do capital de giro das empresas descapitalizadas, assim como o financiamento de eventuais prejuízos, podem ter comprometido lucros realizados em momentos de preços mais favoráveis.”

Varejo dita as regras

No aspecto comercial, a pesquisadora afirma que as margens brutas do atacado e do varejo, expressas pelas relações entre o preço atacado/produtor e o preço varejo/atacado, também mostram redução. A menor margem do varejo, segundo ela, “talvez seja compensada pelo aumento do volume nas grandes redes de supermercados e explica a contenção dos preços, refletindo no atacado e ao produtor. Esse comportamento decorre da percepção de que pequenas elevações no preço final provocam redução sensível no volume comercializado.”

A margem mais estreita do atacado, conforme a pesquisadora, mostra que piorou a situação dos frigoríficos e abatedouros, que integram esse tipo de mercado. Demonstra, ainda, o poder do setor varejista na cadeia e, provavelmente, o fato de os preços ao produtor estarem comprimis ao máximo, ao nível do custo. “Não é de estranhar, portanto, que muitos abatedouros tenham sido desativados e que a grande maioria está operando no vermelho, esteja endividada ou sem capital de giro e sem condições de realizar os investimentos necessários para a manutenção do negócio”, conclui.

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