Para Nelson Batista Martins, agrônomo e diretor adjunto do IEA essas são as principais razões que garantem ao agronegócio responder por 35% do total produzido pelo país. Dizer que a agropecuária sustenta o Real, porém, segundo ele, é distorcer os números da nossa economia.
Agropecuária “nunca sustentou” o Real, pois representa “8% a 10% do PIB (Produto Interno Bruto) e, nessa proporção, é muito difícil que sustente os 90% restantes. Pensar nessa possibilidade é o mesmo que imaginar o rabo balançado o cachorro. Isso é impossível. O que acontece é que o setor se modernizou, ampliou a competitividade e, pela sua dinâmica, a ação que ocorre dentre da agricultura tem efeito multiplicador que reflete e permite que o agronegócio chegue a até 35% do total produzido pelo País.”
Ao desmontar o mito da “âncora verde”, Nelson Baptista Martin, agrônomo e diretor adjunto do IEA – Instituto de Economia Agrícola, afirma que esse dinamismo, no âmbito interno, tem amplas repercussões em diversos segmentos econômicos, uma vez que gera renda e emprego, sobretudo, no interior. Na área externa, no comércio internacional, principalmente, tem obtido resultados favoráveis, com relações de trocas superavitárias. Ano passado, esse superávit bateu em US$ 16,45 bilhões, uma receita que “compensa a incompetência generalizada do setor industrial que mostra um quadro deficitário, em especial nos setores de bens de capital, eletroeletrônico e química.”
Para Martin, essas obtenções têm sido possíveis graças ás transformações por que passou a agropecuária. O setor, afirma, foi o primeiro a se abrir para o exterior e a ser desregulamentado. “Sofreu pra burro”, com isso. Mas conseguiu superar e se reestruturar em três níveis: tecnológico; revolucionou a parte gerencial; e, por fim, conseguiu alavancar uma série de alternativas econômicas que permitiram atingir o atual estágio.
O diretor do IEA, ao falar á Rural, traça um mosaico do desempenho agropecuário, nos últimos oito anos. Numa abordagem sobre a produção, afirma que o Brasil ainda não é auto-suficiente em produtos de consumo interno porque não existe mercado que, por sua vez, tem sua expansão condicionada ao atual nível de renda.” Esse problema, para ele, “é difícil de resolver e qualquer solução vai necessitar um prazo muito longo”. A seguir, a entrevista.
Rural – No início do Plano Real, foi dito que a agricultura era uma de suas bases. Hoje, 8 anos depois, o que ou falar é negativo. A agricultura ainda sustenta o plano? Tem condições de manter essa sustentação?
Martin- Bem, eu acho que a agricultura nunca sustentou o Real. Um setor que é 8% a 10% do PIB, não tem jeito de sustentar 90%. É a mesma coisa que querer que o rabo balance o cachorro. É um setor dinâmico da economia brasileiro. É o mais moderno, porque tem maior competitividade e a ação que acontece dentro dela multiplica no agronegócio e chega a até 35% do PIB, por aí. Isso acaba tendo um efeito muito grande no interior, em valor segmentos econômicos, nas áreas de emprego e renda.
Por outro lado, dado a essas sua competitividade, ela é o único setor que gera superávit cambial, em função do seu potencial de competição. Então, nesse sentido, eu diria o segmento: a área agrícola foi primeira a se abrir para o exterior e a ser desregulamentada. Sofreu pra burro, mas passou por uma reestruturação em três níveis: o primeiro, seria o tecnológico, fazendo com que, hoje, a gente tenha uma área plantada um pouquinho maior que nos 90 e está produzindo quase o dobro de grãos.
O segundo, foi a revolução gerencial dos empresários, no jeito de conduzir as coisas. E houve, ainda, a questão do setor conseguir alavancar uma série de alternativas econômicas, que permitiram que ela esteja na situação em que se encontra atualmente.
Rural – O sr. mencionou as exportações, nas quais a agropecuária é o único setor superavitário. Esse saldo contribui, em parcela, para quitar o balança de pagamento do País?
Martin – Primeiro, ajuda a equilibrar a balança comercial? Porque se for feito um estudo, não como a CNA (Confederação Nacional de Agricultura), e outros, que consideram só os produtos agrícolas, quando há, também, os insumos. Enfim, levar em contra todos os fatores existentes, o que permite concluir que o superávit do ano passado atinge qualquer coisa da ordem de US$ 16,45 bilhões, líquidos. No caso da CNA, os resultados são brutos. No nosso, do IEA, consideramos inclusive bens de capital importadores e exportadores, insumos e produtos agrícolas.
Então, essas receitas de US$ 16,45 bilhões, na verdade, está compensando a incompetência generalizada do setor industrial. Acontece que há um déficit de US$ 4/5 bilhões no ano de bens de capital, outro de US$ 7 bilhões, no eletro eletrônico, além de mais de mais US$ 4 bilhões da indústria químico. Dessa forma, o superávit da balança comercial do ano passado, de US$ 2.64 bilhões, foi gerado, de fato, pelos agronegócios, depois de cobrir o déficit de outros setores.
Ai surge a pergunta: o setor ajuda pagar as dívidas? Acho sim, na medida que ocorre superávit, com aumento líquido e, ainda, por ser uma fonte de atração de capital. Hoje existe muito investimento internacional na agropecuária, ou nas indústrias associadas ao setor, pelo dinamismo dele, que acaba contribuindo para o acerto na balança de pagamentos.
Rural – O sr. teria uma idéia sobre a parcela de gastos com insumos, incluindo aí, sementes, remédios, fertilizantes, defensivos, entre outros?
Martin – Ano passado, o agronegócio exportou US$ 25,01 bilhões e importou US$ 8,56 bilhões. Desse valor, uns US$ 2/3 bilhões são praticamente, produtos. É o milho, o trigo, que despende quase US$ 1 bilhão, e mais alguns que o País importa para atender o consumo em determinado período. Os demais são fertilizantes, pesticidas, máquinas e equipamentos que somam, mais ou menos, US$ 4/5 bilhões.
Lamentavelmente, todo adubo, potássio, que o País compra, uns 30% dos nitrogenados e outros 30% de fosfatados, são importados. Além disso, importamos muito produto químico, como os princípios ativos dos pesticidas e herbicidas. O mesmo acontece. com alguns produtos da área veterinária e alguma coisa de medicamento especializado, além de um pouco, não é muito grande, de máquinas e equipamentos exigidos pelo setor.
Rural – O sr. citou importações e investimentos feitos por indústrias nacionais ou estrangeiras, como anda o pagamento de royalties pela agricultura?
Martin – Eu diria que a agricultura paga pouco “royalty”. Basicamente, quase todas as tecnologias usadas no setor, são próprias. A rara exceção é a indústria química, que é um pouquinho. Os gastos giram em torno de US$ 2 bilhões e, supondo uns10% de cobrança, esse pagamento seria de US$ 200 milhões. Além desse, existe outro pouquinho na área de máquinas. Há outro tanto na importação de avós, na avicultura. O resto, é tudo tecnologia própria. Nos demais segmentos, acho que acho que a agricultura é o setor que menos paga “royalties” na área de tecnologia.
Rural – Mudando um pouco o foco, qual é a participação do Brasil no mercado externo em quatro dos considerados principais produtos de exportação, como a soja, a carne, e café e o açúcar?
Martin – A soja, O Brasil deve estar com, mais ou menos, 40% do mercado. O açúcar, neste ano, vamos passar 50%, podendo chegar a 10 milhões de toneladas. No ano passado, exportamos 8,5 milhões. Na carne, o País exporta pouco. O comércio externo total, movimenta uma faixa de 7 milhões/t e o Brasil embarca 700 mil, sendo o terceiro maior exportador, atrás dos Estados Unidos e da Austrália (nessa ordem).
No café, o Brasil é o primeiro, de longe, pois contra 25% das exportações mundiais. Até mais uns 30%, pois foram exportadas entre 23 e 24 milhões de sacas passando, e a comercialização total está na faixa de 80 milhões de sacos.
Rural – Mesmo com a perda de mercado para o Vietnã e países asiáticos?
Martin – Mesmo com essa perda. A cafeicultura brasileira é muito competitiva. O Brasil é primeiro em açúcar e café: segunda em soja, pois os primeiros são os Estados Unidos; e terceiro em carne.
Rural – Essa venda externa é feita diretamente pelo produtor ou tem alguma intermediação. Se houver, quais os encargos atribuídos ou cobrador pelos intermediários?
Martin – Olha, produtos vistos como “commodities” têm uma parte feita por empresa brasileira e outra por multinacionais que estão no Brasil. Sócios, por exemplo. Todas grandes empresas que exportam soja, são de capital internacional, caso da Cargil, a DM, entre outras. Em suma, o que é exportado diretamente pelas cooperativas e companhias menores, não deve totalizar 20%. Isso porque essas empresas trabalham com contratos de longo prazo no fólio e os grupos brasileiros que operavam nesse mercado saíra.
A Bunge, por exemplo assumiu a Ceval. Outras cooperativas, como a de Uberlândia, também abandonou suas operações com grãos. Isso porque esse tipo de negócio exige financiamento em grandes volumes de recursos, no caso da soja. Com relação ao suco de laranja, as exportações são feitas diretamente pelas indústrias. São quatro ou cinco grande, duas das quais de capital internacional. Uma das quais de capital internacional. Uma é a Frutesp, de um grupo francês e a Cargil. Por outro lado, grupo nacionais estão hoje, na Flórida, como a Cutrale. Hoje, praticamente, os brasileiros moem 30% da laranja daquele estado norte-americano, mostrado que há uma interação.
No setor de carne, os grupos são estritamente privados e brasileiros. São Paulo exporta 65% do volume total e concentra o maior número de empresários, modernos e estruturados. No caso de aves, o domínio é 560 brasileiro. Agora está entrando uma companhia francesa no mercado (a Due). Mas a Perdigão e a Sadia, além de outras empresas cooperativas e consórcios, exportam 80% do total embarcado.
O café é interessante. Existem grupos internacionais, principalmente a Esteves, e um pouco a Cargil, sendo o resto controlado por nacionais, sobretudo de Minas Gerais (a Cooxupé exporta 1 milhão de sacas), do Espírito Santos (Coimec). Provavelmente, 70% desse comércio está nas mão de grupos nacionais.
Já os produtos de menor expressão, em geral de área de fruticultura, estão sob domínio nacional. Existem grupos brasileiros frágeis, tipo “trading”, que dificultam abrir um pouco mais o mercado.
Rural – Na questão dos subsídios, os Estados Unidos liberaram uma boa soma para a soja. Porque o Brasil não aplica uma contrapartida semelhante? Não tem dinheiro ou é cautela?
Martin – Não tem Tesouro para agüentar. Imagine, por exemplo, se o País der US$ 20 bilhões para o setor agrícola, em subsídios. Esse dinheiro, hoje (3,6), equivale a quase R$ 60 bilhões que, por sua vez, representa 10% da dívida interna. Quer dizer, para dar esse volume de recursos, por ano, só tem um jeito: aumentar os tributos para arrecadar essa quantia. Com isso, na verdade, quem estaria pagando seria o consumidor. A outra saída seria aumentar, ainda mais, a dívida interna.
No mercado europeu, uma tonelada de açúcar, tem o custo de produção avaliado em US$ 600,00/t. O consumidor interno vai pagar US$ 800,00. Quer dizer, a Europa está subsidiando a produção e a exportação, mas compra do Brasil a US$ 200,00/t. Depende muito da política tributária e da capacidade que o país tem de transferir esse custo para a sociedade. Até pouco tempo atrás, no Brasil, existiam uns orçamentos falaciosos. Quando Fernando Henrique assumiu, a dívida interna era de R$ 60 bilhões. Tudo bem, só que existiam dívidas escondidas dos municípios e dos Estados, de R$ 250 bilhões que, por estarem ocultas, estavam levando o País a uma crise atrás da outra. Na medida que se começa a tirar os esqueletos do armário, débitos do Banco do Brasil, dos municípios, entre outros, chega-se á dívida real do País. Portanto, é preciso que haja capacidade de gerar excedente para dar esse subsídio.
Existem algumas iniciativas de subsídio, no Brasil. No Caso da Borracha, o setor só chegaram a quase 40% do preço. E outro, muito usado, é o subsídio de juros, diferentemente dos demais países. O produto pega dinheiro a 8,75%, quando na verdade o custo é 18%. O governo é quem paga a diferença. O subsídio brasileiro é pouco localizado. Não é igual ao dos estrangeiros, que é feito no geral, mas a maior parte é direto no produto. Com isso, tentaram garantir a venda num preço mais barato, mas a diferença o Tesouro cobre.
Agora isso, o Brasil não tem condições de fazer, no curto prazo, numa grande estrutura. Pode ser feito com a borracha ou com outro produto, como é o caso do trigo, que é pago muito acima do mercado internacional. Se generalizar, o Tesouro Nacional não agüenta. O brasileiro pode concorrer com o agricultor americano, europeu, francês, japonês, mas não tem fôlego para disputar espaço com Tesouro desses países.
Rural – Falando em produção, o Brasil ainda pratica uma filosofia dos tempos coloniais, ou seja, produz aquilo a metrópole quer, como soja, café, açúcar.. Quando serão criadas condições para que haja auto-suficiência em produtos de mercado interno?
Martin – Acho que a pergunta está equivocada, por dois motivos. O Brasil tem condições de produzir o que quiser. Se for pedido um tomate quadro, quem pediu terá. Se quiser um tomate triangular ou de outro jeito qualquer, terão. No Brasil, esses produtos de mercado externo têm maior oferta (ou produção), que os de demanda interno, porque a renda da maior parte da sociedade é baixa e, por conseqüência, não tem consumo. Se fosse produzir mais feijão, ao invés das atuais 3 milhões/t, 6 milhões, o consumidor não tem renda para demandar esse volume. Então, existem duas variáveis: 1) mexer na renda. Mas isso é difícil, é para longo prazo; e 2) Ter mais política social voltada para alimentação, para gerar demanda. Garanto que se houver demanda, o Brasil produz.
Por que se produz mais soja? Porque tem um mercado internacional que procura e dá liquidez. Porque não produz milho? Porque tem competitividade. Aliás, somente agora o Brasil está conseguindo ser competitivo no milho. Então, já, já a produção vai crescer e, na verdade, já está ocorrendo.
É comum ouvir em rodinhas questionamento sobre o trigo. Um pessoal desinformado cita os 8,5 milhões de km², mas o País importa 8 milhões/t do produto. A tecnologia resolve parte do problema, o solo se reconstrói, mais o clima dificilmente se controla. Porém, com algumas variedades novas e adequadas, é possível melhorar um pouco a produção e enfrentar o clima. Por isso não é possível conseguir trigo num volume razoável.
Rural – Mas o Sul, do Paraná para baixo, era considerado como área de excelência para o trigo.
Martin – Isso é conversa fiada. O País conseguiu, num ano de comportamento excepcional do clima e ótimo preço concedido, 5 milhões de toneladas. Foi a maior produção. Para chegar nisso é preciso ter um inverno muito favorável Este ano, talvez seja possível repetir aqueles 5 milhões/t, se o frio for homogêneo. Mas, bate uma geada a hora que está soltando o pendão, umidade na colheita, uma série de variáveis muito instáveis para o inverno no Brasil, Essa colheita, deste ano, tem uma previsão de 3 a 5 milhões. Se acabarem esses efeitos climáticos negativos, de quase todos os anos, pode-se chegar até 3 milhões. Para mim, apesar das estimativas, a safra não passa de 3,8 milhões, no máximo. Tem essas restrições.
Bom, aí surgem uns indivíduos que sugerem o plantio de trigo irrigado, no centro-oeste. Tudo bem. Mas aí o custo sai caro: água, energia, custeio. Provavelmente, será encontrada uma solução intermediária possibilitando o atendimento dessa demanda, talvez, no médio ou no longo prazo, até que a tecnologia resolva o problema.
Rural – o Governo usou a agricultura para segurar preços, nestes 8 anos. O setor foi apontado, no início da administração Fernando Henrique, como uma das prioridades. Nesse período, ele foi prioritário, de fato?
Martin – Bem, eu não sei se ele foi prioritário. Acho que houve mudanças na política agrícola, nesse período. Ela vinha de um ciclo, lá de 66, de crédito subsidiado, privilegiando os grandes produtores. E, por outro lado, muitas restrições do governo com controle da importação e da exportação. O governo taxava muito as vendas externas.
Nisso houve uma guinada, com definições sobre quem tem direito a crédito subsidiado. Por exemplo, no segmento dos pequenos produtores. Houve uma separação dos agricultores familiares dos demais. Os familiares estão quase R$ 5 bilhões em crédito, somando investimento, custeio, entre outros. Um volume expressivo de recursos.
Para os outros (médios e grandes), existem recursos, mas com valor limitado e houve a iniciativa para tentar resolver alguns problemas. O governo e a sociedade perdiam muito dinheiro, pois havia compra de produtos, após uma indução de preços equivocados, depois trocava, pois o governo é péssimo gestor de estoques. Quando não perdia, isto tudo virava roubalheira.
Hoje isso acabou, Atualmente, os estoques são pequenos, a grande parte sai via mercado, através de contrato de opção, PEP (Programa de Escoamento da Produção), entre outros instrumentos que modernizaram muito setor e – o principal – o deixaram transparente. Antes, era tudo nebuloso.
Quanto a administrar preço, esse governo não exerceu nenhum controle. Os preços são livres. O que acabou causando problema foi a taxa de câmbio, na primeira fase do governo. Isso teve efeito mesmo, inclusive com caso em que o câmbio valorizava o Real e ficava fácil importar, caso os preços subissem muito e, com isso, havia um controle.
Paralelamente, essa estabilidade de regras permitiu um aumento nos investimentos. Os chorões da agricultura, quer dizer, aquele pessoal do centro-oeste, do Rio Grande do Sul, chamados de gigolô de vacas`, que só queria dinheiro, ficou isolado e os recursos fluíram de outra forma para o setor. Se houver uma análise, hoje, eu diria que o setor cresceu, fortaleceu, modernizou e melhor muito a qualidade de produto. Frutas, hortaliças, entre outros, atualmente, mostram uma qualidade bem acima da existente 10 anos atrás. Isso nem se compara.
Ao mesmo tempo, gerou uma capacidade enorme de exportação, de qualquer produto. É o que eu disse: qualquer produto que o mercado quiser, podemos produzir e exportar, seja orgânico, natural, convencional, leite, café, mandioca, enfim, o que quiser. Mas isso tudo, eu acho, só foi possível graças ás mudanças ocorridas.