De uns tempos para cá, a liquidação de rebanhos inteiros de gado leiteiro vem se acentuando. Esse “extermínio, deixa claro que, apesar das conquistas, ainda falta uma política eficaz, com instrumentos suficientes para estimular a permanência de produtores tecnificados. Porém, pior que esse clima de “falência”, é a ameaça que paira sobre o setor de, num curto prazo, perder tanto em volume de produção, principalmente, quando em termos de qualidade. “Nesse caso, o prejuízo é do Brasil”.
Com essa análise, o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite – Leite Brasil, Jorge Rubez, afirma que o abaixo retorno aos investimentos provoca uma migração de pecuaristas para outros ramos de atividade, “muitas vezes, para corte”. Mas o que realmente preocupa e coloca em risco todo um histórico de batalhas em defesa de melhores condições para produzir leite, “é a miscigenação que está ocorrendo com plantéis formados por animais altamente vocacionados e aprimorados para a produção leiteira.”
Ano passado, o Brasil obteve aproximadamente 21 bilhões de litros, “um aumento de mais ou menos 5%” em comparação a 2000. Em linhas gerais, o gado leiloado está sendo transferido para pequenos e médios produtores, entre os quais “predominam a baixa tecnologia e, não raro, a mão-de-obra familiar, que contrapõem ás anteriores substanciais aplicações em genética, equipamentos e manejo, com a meta de ampliar os índices de produtividade.”
Atualmente, acrescenta, é comum a mistura de raças leiteiras com outras mais rústicas, sem qualquer tendência para o leite. Num exemplo, Rubez cita que o cruzamento de uma holandesa, que produz em torno de 25 quilos, com um animal gir, vai gerar uma cria cuja produção “não ultrapassará entre 12 a 15 quilos no máximo”. Numa ótica de curto prazo, ou seja, “em três quatros anos, isso causa apreensão, pois a produção tende a diminuir com os descendentes, uma vez que o gado rústico é menor produtivo.”
Sem preço e lucro Brasil pode voltar a importar
O presidente da leite Brasil profetiza que, num primeiro momento e por um período razoável de tempo, “esses produtores não especializados vão ganhar. Mas, no futuro, perderão.” Rubez reitera que a extinção dos rebanhos leiteiros é decorrência de um baixo retorno que não compensa e não permite novas reaplicações. Ou seja, preço remunerador e lucro. Nesse aspecto, é incisivo em vaticinar que “sem preço e, conseqüentemente, sem lucro, o Brasil retorna á condição de importador.”
A propósito de compras externas, afirma que “as importações foram reduzidas em 60%, ano passado”, em função de medidas adotadas pelo Decex, proibindo a prática de “dumping” por parte de empresa localizadas na Argentina, Comunidade Européia, Nova Zelândia e Uruguai. Essas companhias exportavam resíduos, sobras de sua produção a um preço bem abaixo do vigente no Brasil. Depois de muita luta essa ação predatória foi comprovada e possibilitou a realização de um acordo, dentro das normas da OMC-Organização Mundial do Comércio, permitindo a redução Mundial do Comércio, permitindo a redução. Atualmente, “a situação da Argentina é outra e deixa o setor apreensivo”, observa.
Porém, embora os rumos da economia do país vizinho exijam cautela, as atenções de Rubez parecem estar mais voltadas para perspectivas de manutenção e evolução do volume de produção alcançado pelo Brasil. Para ele, “é preciso que hajam regras para tirar (ordenhar) leite sem que, necessariamente, caiam numa padronização.” Essas normas, segundo afirma, já existem. “No entanto, não foram assinadas sob a alegação de que, uma vez sob a alegação de que, uma vez em vigor, serão o fim do pequeno produtor. Isso, não é verdade”, assegura.
O cuidado maior, conforme deixa transparecer, está relacionado com a qualidade. É preciso, acrescenta, definir qual o nível mínimo de impurezas a ser permitido, de um modo que não prejudique a comercialização do produto, sobretudo, junto ao consumidor final. Conforme entende, a definição desse parâmetro vai possibilitar, inclusive, que o País parta para o mercado externo. O mercado internacional exige assiduidade, competitividade e, acima de tudo, qualidade. “Sem essas características é muito difícil permanecer nesse tipo de comércio.”
Demagogia impede vigência de normas
Acontece, assinala, que o Brasil atende todos esses requisitos e até excede. Isso porque, “temos terras, temos potencial e temos tecnologia. Só precisamos de regras”, cobra, denunciando que a implantação dessas diretrizes não ocorre por demagogia”. Questionado sobre o responsável pela protelação, Rubez é enfático ao atribuir “responsabilidade maior ao Ministério da Agricultura.” Apontando outros culpados, menciona “alguns políticos que vão buscar votos incorretamente.” Todos sabem que as exigências não vão afetar a pequena produção, insiste.
Para ele, as especificações sobre o nível mínimo de resíduos permitindo vai exigir que o setor, como um todo, promova investimentos na busca de melhor qualidade. Admite, no entanto, que isso deve ocorrer numa proporção menor no segmento dos pequenos. Porém, assinala, “é uma forma até para garantir melhores preços.” Do contrário, a alternativa é a mini-usina ou a informalidade, adverte.
No aspecto informal, o produto vai ter uma qualidade, no mínimo, duvidosa. “O leite vendido de porta em porta, em porta, diretamente pelo pecuarista, sempre vai abrir chances para perguntas sobre em que condições, sobretudo.” A outra opção seriam as mini-usinas. Mas, para isso, é preciso alguma infra-estrutura para fazer uma distribuição direta, sem intermediários, aos supermercados. “Poucos têm essas capacidade. Tanto é que a grande maioria que investiu na produção do tipo A, ficou frustrado. O retorno alcançado não compensava e poucas vezes cobria as aplicações. Dos muitos que iniciaram esse negócios, restam alguns poucos.”
Uma terceira saída, aponta, seria a filiação a cooperativas, “inclusive para agregar renda.” Desde que fiscalize a cooperativa, o produtor terá condições até de enfrentar o “cartel comprador”. Como exemplo, cita o caso da CCL- Cooperativa Central de Laticínios, que distribui o leite “Paulista”. Segundo ele, essa entidade compete com as grandes empresas, como a Parmalat, Nestlé, Vigor, Leco, entre outras que formam o cartel e compram a “um preço baixo e, se deixar, “matam” o pecuarista. “ A CCL paga cerca de R$ 0,38 por litro do tipo C, garantido um retorno razoável ao produtor e bloqueando a ação mais perniciosa contra pequenos, complementa. Não obstante, afirma desconhecer se as filiadas têm condições de repassar ou pratica esse valor.
Ano de pouco leite, mas com preço em alta
Quanto ás perspectivas para o setor, em 2002, Rubez observa que, no segundo semestre do ano passado, houve uma perda “no interesse por investimentos. Isso significa que este será um ano de pouco leite, com possibilidade de preço maior, desde que a cadeia (produtiva) se acerte. “No tocante ás dívidas da pecuárias leiteira, alega desconhecimento, até porque “a tomada de crédito, no segmento, é muito diversificada. “ De qualquer forma, afirma que “a agropecuária, como um todo, é a que mais compre com seus compromisso. Portanto, não acredito que haja um problema mais sério relacionado a endividamento.”
Com relação ao consumo, o presidente da Leite Brasil afirma que atualmente, “está em 130 litros por capita/ano, depois de ter chegado a 140 litros”. grande parte dessa demanda, acrescenta, esteve ligada á oferta de derivados, sobretudo, iogurte. Porém, aponta que houve um refluxo nessa procura por lácteos, que pode ser atribuída “á queda na renda da população. A renda per capita está aquém do que deveria ser”, sentencia.
Outro aspecto que também preocupa Rubez, está ligado á defasagem de preço pago ao produtor e o cobrado do consumidor final, que chega, em alguns casos, em até três ou quatro vezes mais. Para ele, esse diferencial ocorre devido “á voracidade por lucros do setor varejistas. As grandes redes de supermercados determinam os preços.”
Esse exagero, segundo afirma, já foi alvo de discussão. “Há uns dois anos”, quando ele era presidente da Câmara Setorial do Leite, na Secretaria de Agricultura e Abastecimento, do Estado de São Paulo. garante que o assunto será retomado, pois “existiam negociações para amenizar essa diferença, mas elas foram suspensas”, finaliza.