Embora recente, o interesse em reduzir o impacto ambiental provocado pela produção e processamento de tecidos de algodão é uma tendência crescente e está impulsionando o resgate do plantio de fibras naturalmente coloridas, bem como a implantação de lavouras que utilizem técnicas da agricultura orgânica.
Essas iniciativas, em grande parte adotadas por pequenos produtores e comunidades tradicionais, já ocorrem em 19 países e buscam atender consumidores interessados por produtos ecológicos, compondo um nicho de mercado que, desde 1990, vem mostrando um ritmo regular de expansão.
A constatação é da engenharia agrônoma pesquisadora científica do Instituto de Economia Agrícola (IEA), Maria Martins de Souza, ao assinalar, num estudo para elaboração de tese, que o algodão colorido, embora milenar, é visto quase como uma novidade, pois existe há pelos menos 5.000 anos, nativo de uma ampla dispersão geográfica que engloba o Egito, Paquistão, china e Américas Central, do Norte e do Sul. O produto, acrescenta, é encontrado em duas cores: verde e marrom, em várias tonalidades.
Estas variedades foram mantidas ao longo desse tempo por agricultores apegados ás velhas tradições do México, Guatemala e sobretudo do Peru, aproximadamente, 15 mil índios e pequenos lavradores mantêm e se responsabilizam, rotineiramente, pelo cultivo dessas variedades, sendo considerados o maior grupo produtor de fibras naturalmente colorida, do mundo.
Alguns espécimes dotados de cores naturais foram preservados em laboratórios por pesquisadores interessados em determinadas características genéticas, como resistências a pragas e doenças, “sem, contudo, incorporar melhoria na qualidade dessas plantas”. Porém, a partir dos anos 80, algumas dessas mudas foram recuperadas por empresas norte-americanas, patenteadas e, posteriormente, adaptadas para cultivo em sistemas orgânicos de produção.
Preço para produtor é o dobro de cotação convencional
O objetivo era atender uma nova fatia de mercado que surgia. Com isso, para o vegetal ter assegurar valor comercial, alguns aspectos como o comprimento, a uniformidade, a manutenção da cor, a finura e a resistência, passaram a ser alvos de experiências no campo genético. Essa operação ganhou mais intensidade nos últimos 10 anos, inclusive no Brasil, com a atuação do Centro Nacional de Pesquisa de algodão da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Maria Célia afirma que a principal vantagem do uso de algodão colorido é a eliminação da aplicação de corantes na fase de acabamento do tecidos, reduzindo a incidência de danos ao meio ambiente durante o processo de tingimento. Esse procedimento, acrescenta, é bem mais apropriado para a fabricação de peças ecológicas e orgânicas, para indumentárias ou finalidade qualquer. Em termos comercias, a lucratividade é preponderante, pois o produtor consegue um preço até 560 superior ao obtido pelo convencional.
Segundo ela, pode haver a contaminação do algodão branco durante o cultivo. Por isso, tanto o plantio como o beneficiamento do colorido. devem ser realizados separadamente. A produtividade é cerca de 10% menor do que a obtida pela espécie branca comercial e a pluma colorida nem sempre satisfaz as exigências da fiação industrial. Além disso, as opções de cores são poucas e há problemas na comercialização, devido a incerteza ainda existente nesse mercado.
A pesquisa do IEA também, assinala que as estimativas de produção apresentam enormes dificuldades de obtenção. Nos Estados Unidos, o plantio do algodão colorido ocupa uma área avaliada entre 2,5 mil e 2,8 mil hectares, conforme dados de 1994. No Peru, essa extensão chega a 3 mil e a safra de 3,5 mil toneladas é destinada, basicamente, ao mercado local, com a fabricação de camisetas para uniformes escolares distribuídos pelo governo. Há registros de apoio governamental em Israel, Índia e Austrália, além de comunidades tradicionais no México e na Guatemala.
Maria Célia observa que, no Peru, o cultivo do algodão colorido além de representar uma alternativa á coca tem potencial para ser certificado como orgânico, sem falar que apresenta fortes elementos de ´fair trade´, o chamado comércio justo. Parte da produção peruana, acrescenta, e organizada por empresas como a Pakucho, que recebe certidão orgânica da holandesa Skal, e pela Verner Frang, cujos produtos são atestados pela sueca Krav.
Transgênico não é aceito como orgânico
Nos Estados Unidos, as principais companhias que incentivam lavouras de algodão orgânico e colorido são a Natural Cotton Colours Inc, que usa marca registrada Fox Fibre e foi responsável pelo plantio de 2mil a 2,5 mil ha cultivados no mesmo período.
No Brasil, assinala, a iniciativa de fabricar tecidos orgânicos e coloridos é de Baobá, uma empresa têxtil de moldes artesanais, sediada em São Paulo. As peças produzidas, inclusive com importações do Peru, são certificadas pelo Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento (IBD), de Botucatu (SP), que segue os padrões da IFOAM (International Federation of Organic Agriculture Movements), com 770 integrantes e instituições de 107 países. A entidade busca harmonizar os vários sistemas de produção orgânica existentes no planeta.
Mas o algodão colorido não é, necessariamente, produzido pelo sistema orgânico. Esse tipo de produto pode ser conseguido através da biotecnologia, através de processos transgênicos, como é feito no Turkmenistão, país da antiga URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), bem como pelas tentativas de e,presas norte-americanas de incorporar genes do indigo para obtenção de fibras azuis. Maria Célia ressalta que, essa produção através da engenharia genética, não é aceita como ecológica e, tampouco, como orgânica. A descoberta do algodão naturalmente colorido, por Maria Célia ocorreu durante pesquisas para elaboração de uma tese na área de agronomia, na qual aponta os danos causados ao meio ambiente pela cotonicultura convencional, comparando-a com o modelo orgânico. Conforme afirma, os problemas ambientais mais importantes, quando se considera a produção de têxteis de algodão, estão na área agrícola pela grande quantidade de agrotóxicos empregada na lavoura e na fase de acabamento, devido as substâncias tóxicas utilizadas para alvejar e tingir os produtos.
O uso de tinturas na fase final de confecção de tecidos, pelo forte impacto no meio ambiente, era o foco principal dos integrantes de movimentos ecológicos que, a partir de 1960, começaram a incentivar a fabricação de roupas de algodão cru com peças não alvejadas. Duas décadas depois, as atenções se voltam para o choque ambiental provocado pela produção da matéria-prima. A partir daí, surgem as primeiras iniciativas de plantio orgânico do algodão.
Uso exagerado de agrótoxicos força opção pelo natural
Em 1990, de acordo com Maria Célia, surgem as primeiras roupas fabricadas dentro do conceito de moda ecológica. Essas peças podem ser definidas como aquelas que aplicam pelo menos uma iniciativa de redução do impacto ambiental, seja na produção agrícola seja na etapa de acabamento, com o uso de alternativas como os corantes naturais ou de fibras naturalmente coloridas.
Devido as dificuldades existentes para a produção, a lavoura orgânica obtém uma adicional de preço de até 45% no preço, que reflete um prêmio de 12,5% considerado apenas o conteúdo da fibra nos produtos, têxteis elaborados através desse método. Isso, de acordo com a pesquisadora, explicaria o prêmio médio de 37% na cotação final da indumentária orgânica, pelo atributo de qualidade ambiental embutido no produto final.
O algodão isento de agroquímicos é cultivado por métodos que fomentam a atividade biológica, estimula a sustentabilidade e exige manejo diferente do modelo convencional. O `modus operandi` depende basicamente, de materiais biodegradáveis que contribuem para a saúde do solo e das pessoas, diz Maria Célia. Esse tipo de produção foi determinado por vários fatores, acrescenta.
Entre eles, assinala, a decisão dos próprios agricultores, devido a problemas com o uso de agrotóxicos. O apoio de ONGs (organizações não-governametais ), estimulou a produção ecológica do algodão e ainda houve implantação de projetos-pilotos em países menos desenvolvidos por agências de cooperação governamental, como as existentes na Alemanha e na Suécia.
Porém, a ausência dos chamados, insumos modernos, conforme a pesquisadora, faz com que surja a idéia preconceituosa de atraso ou retorno ao passado. Para ela, isso é falso, pois a agricultura biológica e inovador, se comparada ao modelo tradicional. Tanto é, que para ser considerado orgânico, o algodão necessita de um certificado que só é concedido se a produção aconteceu dentro de um conjunto mínimo de normas. E essa condição atinge toda a cadeia produtiva, enfatiza.
Plantio menos denso reduz competição entre as plantas
Os cuidados com a plantação, segundo a pesquisadora, são totalmente diferenciados. A fertilização do solo é feito com leguminosas para aumentar os níveis de matéria orgânica e de fixação de nitrogênio, excremento de animais, além de outras formas de adubo e micronutrientes orgânicos. O controle de ervas daninha é feito através da rotação de cultura, meios manuais e mecânicos, pois o uso de herbicida é proibido. O manejo de pragas é realizado via controle biológico e inclui monitoramento, pulverizações com produtos de origem vegetal ou alguns óleos e sabões, além de insetos benéficos á cultura, pois combatem pragas e parasitas. Comparadas ao modelo tradicional, as despesas com essas operações são mais elevadas, pondera.
Além disso, a escolha do local é fator importante para o sucesso da lavoura. Essa busca implica condições desfavoráveis para a explosão populacional de pragas, sendo necessário aspectos naturais favoráveis para dissecar as plantas, no caso de colheita mecânica. Isso ocorre por meio de controle de irrigação em algumas áreas da califórnia e por meio de uma pequena geada que ocorre em determinadas regiões do Texas.
Na Califórnia, as lavouras orgânicas se localizam no San Joaquim Valley e ocupam áreas que podem chegar a 1.000 hectares. A propriedade é convertida total ou parcialmente para o sistema. Devido á rotação de cultura, a parte ocupada pelo algodão é bem menor, oscilando entre 4 a 320 ha, a cada ano. Como fazenda típica consiste de vários campos, o produto será cultivado em alguma parcela, ocupando uma vez a cada 2 ou três anos a mesma área, diz ela.
As culturas de rotações utilizadas com mais freqüência são alfafa, feijões, leguminosas para adubo verde, tomate para indústria, aveia e trigo. Todas as práticas agrícolas e insumos empregados devem ser, necessariamente, aprovados pelas agências certificadoras. Existem diversos sistemas de produção de algodão orgânico, desde os mais sofisticados, nos Estados Unidos, até os menos tecnificados, como ocorrem no Brasil, lembra.
Maria Célia afirma, ainda, que a densidade de plantio é menor no sistema biológico. Isso ocorre para que haja uma redução na competição por luz, água e nutrientes, buscando possibilitar um maior desenvolvimento dos capulhos. As práticas de manejo de praga e doenças, variam conforme a pressão de insetos e ácaros, que depende da localização da área, das condições climáticas, da incidência no ano anterior, das culturas e habitats mas próximos.
As sementes, acrescenta, são da variedade “Acala”, sem tratamento com fungicidas e aprovadas pelas legislação estadual e agências certificadoras. A produtividade observada na Califórnia é menor que a da variedade convencional, oscilando entre 720 kg e 1.120 kg/ha de algodão em pluma (3 a 5 fardos de 500 libras por hectare) e 1.200 a 1.600 kg de caroço/ha.
No Brasil, assinala, a produção de algodão orgânico é feita por pequenos produtores de Tauá, no Ceará, que empregam, basicamente, mão-de-obra familiar, em plantio consorciado com milho, feijão, gergelim e guandu. No início dos anos 90, o cultivo da fibra, em bases ecológicas, era feito com algodão arbóreo (Gossypium hirsutum, var. maria galante), tradicional na região. Ao longo da década, diante da baixa produtividade, houve a substituição, a pedido dos agricultores, pelo herbáceo (Gossypium hirsutum).
As tecnologias empregadas, em 1997, inclui o plantio nas primeiras chuvas em consórcio com culturas anuais e leguminosas arbóreas-arbustivas, como leucena e guandu, com métodos de conservação do solo e de cultivares precoces, como CNPA 5M ou Precoce !. Na fertilização eram aplicados esterco de gado e adubação foliar com solução á base de excremento fresco fermentando, misturado a outros produtos naturais obtidos no local.
Contra pragas, foram instaladas armadilhas com feromônio, para monitoramento e captura do bicudo adulto, além da coleta de botões florais caídos no chão, também para controle desse inseto. O gado foi introduzido na área, após colheita, seguido de uma poda nas plantas, abrangendo inclusive a leucena e o guandu, que foram utilizadas como cobertura morta, durante a estação chuvosa. Os rendimentos conforme a pesquisadora, variam de acordo com a distribuição das chuvas A precipitação, no Estado, ficou na média de 511mm e a produção, em média, bateu na marca dos 1.480/kg/ha do caroço. Plantando no sistema de monocultura, com um stand de 50 mil pés/ha, o convencional rendeu 29 g por planta. As áreas orgânicas, contêm um número menor de plantas por hectare, devido ao consorciamento.
Numa determinada área, foram plantadas 19,8 mil pés/ha. A precipitação foi de 393 mm, representando 23% abaixo da média do Estado, refletindo uma produtividade 19% inferior com a obtenção de 24 g/planta. Num outro espaço, a precipitação chegou a 630 mm, ou 23% acima da média, resultando um rendimento 153% superior por planta. Esse stand continha 18,2 mil pés/ha e o rendimento chegou a 75 g/planta, diz ela.
Segundo Maria Célia, ainda não há um consenso sobre a viabilidade econômica do algodão orgânico. Um estudo da Unctad (1996), com´tem informações insuficientes para determinar tendências de longo prazo.