Na abordagem do tema, desde longa data, prevalece a emoção sobre a razão. Prova disso, são os debates acalorados, conflitos, ações repressivas e de pistolagem, sem esquecer a recente “satanização” do integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST, promovido, sobretudo em maio último, por alguns veículos da chamada grande imprensa, talvez numa tentativa de tirar as mazelas tucanas do foco central dos noticiários. Essa “crucificação” de ex-bóias-frias provocou a reação da igrejas, através da CNBB, que entre outras coisas, lembrou o cunho social das reivindicações> No início do terceiro milênio, o País recua ás primeiras décadas do século XX e trata reivindicações sociais não só dos agricultores excluídos – como assunto de polícia. Para alguns, isso é modernidade.
O presidente da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo – Faesp, Fábio de Salles Meirelles, critica o pleito dos sem terra e cobra ações enérgicas do governo. Num editorial publicado no boletim da entidade (maio/00), admite que a política agrária deixa desejar quanto á ampliação da participação dos pequenos produtores no processo produtivo e aponta a existência de um fosso em relação á política agrícola. Ambas, segundo ele, deviam ser aplicadas simultaneamente. “ A Constituição prevê isso. “Porém, como parece haver dificuldades para essa previsão se concretizar, Fabio Meirelles não tem dúvidas em afirmar que a execução da reforma agrária “é conduzida por movimentos políticos, ideológicos e anárquicos, coordenados por lideranças o acesso á terra, passando a ser contestação da lei e do sistema de governo, que se mostra omisso diante das provocações”. Afirma, ainda, que “ a subserviência do processo de distribuição de terras ao desejos de grupos ideológicos gera a redução de investimentos e, sob última análise, o acirramento da violência no campo.”
Para ele, os vários grupos que lutam por um pedaço de terra têm “conotações meramente políticas, não só contra os produtores, mas contra o Estado democrático de direito”, esquecendo-se, provavelmente , que democracia implica a ocorrência de ruídos, inclusive populações. Lembra, mais adiante, que os direitos dos agricultores têm sido “frontalmente atacados, estimulando perigosos movimentos nacionais. “Medidas mais enérgicas, acrescenta, somente foram adotadas após a “invasão” de prédio públicos, fato que já ocorreram, “ além de desrespeitos, depredações e verdadeiros abusos, aos milhares nos últimos anos, no meio rural.” Meirelles não centraliza sua insatisfação no MST, mas acusa os integrantes dessas mobilizações “de incorrerem, diariamente, em diversos crimes, entre eles violação de domicílio, danos, formação de quadrilha, fruto, corrupção de menores, cárcere privado, crimes contra o meio ambiente e lesão corporal.”
Ocupar prédios públicos, um ato legal ou ilegal?
O presidente da Faesp cobra “providências jurídicas severas contra esses desrespeitos”, enfatizado que direito não se discute é alertando que “crimes comuns estão sendo tratados como se fossem políticos.” Adverte, ainda que “essa reforma agrária tem que deixar de ser reação a movimentos dos sem terra e tornar-se um programa concreto para quem realmente tem aptidão com as práticas agrícolas e deseja trabalhar no setor.” Para ele, o projeto de embutir condições de geração de renda por meio de atividade rural e, no médio prazo, “ permitir que haja uma emancipação da tutela do governo.” Finalização, afirma que “os direitos dos cidadãos agricultores devem ser garantindo com igual afinco que se garantem os dos cidadãos urbanos urbanos.”
Um dos coordenadores nacionais do Movimento dos Trabalhadores Rural Sem Terra-MST, João Pedro Stédite, discorda, Segundo ele, numa entrevista á revistas “Caros Amigos” (jun/00), “ a ocupação do prédio público é legítima, é uma forma de pressionar o governo.” Afirma, ainda que os prédios ocupados pertencem, na quase totalidade, á Receita Federal e o objetivo é fazer pressão sobre o Ministério da Fazenda, núcleo central do governo. “Garante que não houve depredações ou cárcere privado, durante essas operações. “O funcionário permanece nas instalações até para evitar que alguma coisa desapareça e n[os sejamos responsabilizados.” Ele também admite que houve um crescimento no número de ocupações, desde o início do governo Fernando Henrique Cardoso. Ao que diz, até 1995, o total de ocupações girava em torno de 100/120, por ano. Da atual administração para cá, “aumentamos a média para 400/500, por ano, pois o maior fomentador do MST é o governo, cuja política cria pobres no campo, cada vez mais.”
Essa pobreza, conforme Stédile, acontece em função do projeto tucano que quer “ a agricultura brasileira igualzinha aquelas pradarias do Mississipi (EUA), com grandes fazendas computadorizadas, produzindo grãos para a exportação. Os técnicos do governo pertencem da tese que, no mundo moderno capitalista, só as grandes empresas são capazes de abastecer mercado.” Além disso, acrescenta, há um estudo feito por instituições governamentais revelando que “nenhuma propriedade do Brasil, com menos de 50 hectares, está conseguindo renda equivalente a um salário mínimo e alerta que, se não mudar a política agrícola, será instalada uma bomba migratória, nos próximos anos”. Segundo ele, de 8 a 13 milhões de pessoas que vivem no meio rural, sobretudo no Nordeste, irão para as cidades, “ vai um caos”.
Essas situação caótica parece já ter começado, no entender do deputado Waldomiro Fioravante (PT/RS), que no plenário da Câmera Federal não só criticou os pacotes agrícolas lançados pelo governo por “não surtirem efeitos significativos” e até agravarem o problema. Isso porque, segundo ele, nos últimos anos “a irresponsabilidade de Fernando Henrique Cardoso para com a agricultura brasileira já produziu o sumiço de 1 milhão de estabelecimentos rurais com menos de 100 hectares.” Em função dessa política distorcida adotada pelo governo, acrescenta, “ 4 milhões de pessoas abandonaram o campo em direção ás cidades provocando o inchaço das periferias e, por conseqüência, o aumento da criminalidade.
Planalto articula críticas na grande imprensa
O fogo cerrado mantido na chamada grande imprensa, na opinião de Stédile,” é resultado de articulação precisa do Palácio do Planalto com os órgãos que ele tem sob controle e de jornalista, individualmente. Para nós, essa operação, ao invés de mostrar força, demonstra fragilidade. Pois o governo sabe que a insatisfação popular é crescente e ele não tem mais mecanismos de políticas econômica ara poder contra-arrestar a gravidade do problema social.” O neoliberalismo ou globalização, acrescenta, “está sendo um fracasso na América Latina inteira. Nos países com melhor nível de organização social ou territorialmente menores, ocorreram reações populares e as elites tiveram que adotar um discurso de esquerda para ganhar as eleições.”
Para Stédile, que coordena as reivindicações de 4 milhões de famílias, no Brasil a frustração da sociedade com o governo “é muito grande e há condições para que as movimentações de massas saiam do refluxo em que se encontram. Por isso, embora sejamos pouco representativos , ele resolve bater no MST porque somos um mau exemplo com as nossas manifestações, nas quais pregamos: Ó, que é pobre, trabalhador, só tem um jeito, se organize e vá para a rua protestar. A única saída do governo é abafar, apagar esse fogo antes que ele se alastre. Independentemente dessa tentativa governamental, a semente parece ter germinado e, segundo ele, o que antes era Movimento dos Sem Terra pela reforma agrária e contra a política do governo, se multiplicou em outros movimentos como o de pequenos agricultores, mulheres rurais alguns setores do sindicalismo, em várias regiões do País, todos reivindicando melhores condições de vida.
Na mesma linha de raciocínio, o presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária Abra (em fase reestruturação), Plínio de Arruda Sampaio, também assessor da FAO – Organização para Agricultura e Alimentação, das Nações Unidas, acredita que a atual política de assentamento do governo Fernando Henrique Cardoso “não vai mudara estrutura fundiária nunca.” O número de assentamentos é menor que o necessário para operar essa transformação no campo. “Pelo Índice de Gini, as alterações já ocorridas mostram um nível infinitesimal em relação ás reais necessidades. No mais, o assentamento fica inviabilizado pela falta de crédito, preço pago ao produtor e os valores cobrados pela indústria de insumos. É preciso criar instrumentos de proteção aos manifúndios. São 5 milhões de pequenos produtores que não têm milhões financiamento, acesso ao mercado, sem seguro rural, entre outras condições básicas”, carências que podem justificar as ocupações de instalações públicas como forma de pressão ao governo para liberar recursos.
Em dez anos, conflitos mataram quase mil pessoas
Normalmente frios, os números mostram um quadro meio adverso da situação e reforçam a eloqüência tanto das ações repressoras (de iniciativa pública ou privada), como das reivindicações que, nos últimos tempos, têm sido rotulados de “fascistas” e “badernas” quando, em épocas não muito remotas, eram classificadas de “comunistas”. Entre 1985 e 1986, a Comissão Pastoral da Terra- CPT, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, registrou 966 assassinatos decorrentes de conflitos fundiários no País. Essa guerra não declarada ocorre em todo o território nacional mas, com especial ênfase, no Oeste do Maranhão e no Leste do Pará, seguidos de perto pelo Norte do Mato Grosso e Rondônia. A tática de ocupar terras ocorre em outras regiões, mas sem a intensidade verificada nas áreas mencionadas. Em São Paulo, o Pontal do Paranapanema, tempos atrás, foi palco de um combate, com trocas de tiros e agressões verbais, entre a União Democrática Ruralista-UDR e o MST, que atualmente vivem um período de trégua, supõe-se. A recente e questionável “prontidão” do Exército em Buritis (MG), para bloquear uma suposta ocupação da fazenda pertencente a parentes do presidente da República, também ajuda mostrar o clima em que o assunto é tratado.
Os dados da CPT constam de um trabalho realizado pelo Ipea- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, do Ministério do Planejamento, sobre a “Situação social e demográfica do beneficiários da reforma agrária: um Atlas”. O Estudo foi elaborado pela professora adjunta da Faculdade de Ciências Econômicas, da UERJ, e integrante da diretoria de pesquisa do Ipea, Maria Beatriz Albuquerque David, com a colaboração de dois franceses estudiosos da questão agrária. Em sua análise, lembra que, nas últimas décadas, foram implantados programas de colonização , regularização fundiária e desapropriações para enfrentar a questão do acesso á terra, no País. Porém, constata, essas medidas têm sido empregadas mais para atender “a pressões sociais e políticas, freqüentemente explosivas, não objetivando um desenvolvimento rural duradouro, relacionado a incrementos sustentados da produção, produtividade e do emprego, que resultariam em melhoras na qualidade de vida da população.” Para ela, é preciso um plano de reforma agrária que transforme as condições de vida agrária que transforme as condições de vida de seus beneficiários e esteja inserido numa estratégia produtiva para assegurar a sustentabilidade dessa agricultura. A agropecuária, acrescenta, deve ser pensada não só como meio de sobrevivência das famílias, mas, principalmente, como fonte geradora de excedentes que permitam novos investimentos e a ampliação tanto do volume de produção quanto da produtividade do setor.
Mencionando os vários programas implantados, Maria Beatriz recua ao Governo Sarney (1985/98) que previa beneficiar 1,4 milhão de famílias, mas assentou apenas 90 mil,” menos de 6% da meta.” Abrindo um parenteses, diz a lenda que a ocasião o presidente José Sarney pediu a um dos coordenadores do projeto de reforma agrária, José Gomes da Silva, que elaborasse um mapa dos conflitos existentes no País. Ao receber o documento com as regiões assinaladas em vermelho, Sarney teria dito: “Caramba, o Brasil está menstruado. “ Já o Governo Collor (1990/92), prometeu terra para 500 mil famílias, mas, na prática, interrompeu tanto o processo de inscrição de novas terras ao cadastro como as desapropriações. Na seqüência, o Governo Itamar Franco (1992/94), anunciou que assentaria 20 mil famílias, em 93, e outras 60 mil, em 94, contemplando apenas 12,6 mil no período em que ocupou a Presidência.
Com relação a Fernando Henrique Cardoso, Maria Beatriz lembra que, em seu programa de governo, havia promessa de conceder 400 mil títulos de propriedade. Porém, após eleito, a meta da campanha foi reduzida para 260 mil famílias, nos quatro primeiros anos de mandato (1995/98). No primeiro ano foram assentadas 42.912 famílias (95), no segundo, 62.044 (96), no terceiro, permitindo prever que a meta fixada, de 80 mil famílias, dificilmente seria alcançada. No total, foram assentados 125.956 famílias, o maior número numa só administração, desde o início do processo. Maria Beatriz, ressalta como importante o fato que os assentados receberam títulos de propriedade.
O trabalho da professora da UERJ teve como base o Primeiro Censo da Reforma Agrária do Brasil – Relatório Final, feito em 1.460 projetos oficiais delimitados pelo Incra, existentes em 31/10/1996, foram identificados 1992.218 beneficiários, dos quais 161.556 estavam presentes em seus lotes e foram entrevistados. As operações de campo foram realizadas por 29 universidades coordenadas pela UNB. A diferença entre os números de beneficiários e o de entrevistados, decorre de uma estimativa do Incra sobre a capacidade total do projeto de assentamento e a totalidade de pessoas efetivamente assentadas. Dessa forma, nos vários locais 25% das famílias, em média, não foram encontrados porque simplesmente não foram assentados; em outros, pela dificuldade de acesso aos módulos; ou ainda pela recusa em responder ao questionário”, observa Maria Beatriz.
Sobrevivência precária nos assentamentos.
A existência de falhas no levantamento, entre elas a falta de informações sobre a utilização das terras, se com culturas ou pastagem, deu origem a uma pesquisa complementar, por amostragem, em 9 mil explorações, avaliando os recursos disponíveis e os aspectos produtivos, incluindo as condições sociais, como acesso a serviços médicos e educativos, entre outros. Neste aspecto, afirma que as condições de habitação e saúde são precárias, sendo que as enfermidades mais comuns estão relacionadas á inexistência de saneamento básico e á contaminação dos lençóis freáticos.
Com relação ao plantio, o milho é a lavoura mais freqüente nos assentamentos, seguindo, com menor destaque, do arroz, feijão, cana-de-açúcar, mandioca e café. A produção, na quase totalidade, é comercializada com intermediários, embora atacadistas e varejistas tenham uma participação menor. Exceto na região Sul, onde as cooperativas recebem o maior volume das colheitas, nas demais partes do País agricultores recorrem muito pouco a esse sistema de comércio. No tocante á pecuária, predominam as aves, com um estoque médio de 28,7 animais por família, seguidas pela criação de ovinos, caprinos, suínos e bovinos, com um rebanho médio de 4 cabeças por família.
Quanto ás técnicas modernas de produção, a utilização com mais freqüência ocorre nas regiões Sudeste e Sul, onde 34% dos assentados elogiam a assistência técnica prestada, geralmente, por órgãos públicos. Essas duas áreas são contraponto ao Centro Oeste, Norte, onde essa assistência inexiste ou é de má qualidade. A amostra indica que o ganho médio dos assentamentos “supera dois salários mínimos” e que o Sul e o Centro Oeste apresentam maior concentração da renda. Outro aspecto que chama atenção, segundo ela, é o acesso dos beneficiários ao crédito oficial, pois a pesquisa mostra que o Procera Programa Especial de Crédito para Reforma Agrária, “não tem funcionado, tanto para custeio como para investimento. Essa escassez de financiamento, acrescenta. “dificulta e torna precária a inserção do produtor no mercado, uma vez que há problemas no escoamento da safra e na agregação do valores ás mercadorias comercializadas.” A comercialização produção é feita através de associativismo, sendo que, no Sul e Sudeste, entre 20% e 30% dos contemplados estão organizados em cooperativas.
Baixada escolaridade condiciona avanços mais expressivos
Maria Beatriz faz alerta sobre a existência de agregados (pessoas que não constavam nos cadastros iniciais, mas ocupam o lote junto com o beneficiário direto da posse), especialmente em áreas da região Sul, em alguns casos superando o número de inscritos desde o início; o abandono dos lotes mais antigos, na região Norte, chega a 30%; a maioria dos ocupantes tem a agropecuária como atividade principal tem a agropecuária como atividade principal e a exploração é “majoritariamente” individual. Porém, no geral, é possível constatar que, no universo pesquisado, “54% dos assentados são tradicionais agricultores e camponeses, enquanto outros 8% atuam no setor como trabalhadores rurais.” A técnica observa que grande parte dos assentados (53,27%) está envolvida com alguma associação e em estreita ligação com a igreja.
Quanto á formação dos beneficiários, Maria Beatriz constata que “é globalmente ruim, pois cerca de 30% são analfabetos. No Nordeste, especialmente no Ceará, esse índice bate em 60% dos assentados e no resto da região, a situação é deplorável.” Nos demais Estados os níveis são mais diferenciados. São melhores no Sul do que na frente pioneira do Pará. No eixo de colonização Oeste, Mato Grosso do Sul mostra uma posição intermediária, “mas não muito boa”. Já em Mato Grosso e uma parte de Rondônia, uma parte superior a 50% dos assentados possui nível de escolaridade acima da média. Isso ocorre porque 80% dos entrevistados afirmam ter outra atividade como principal, sobretudo em Mato Grosso.
Em linhas gerais, conforme Maria Beatriz, a analise das características dos beneficiários da política de reforma agrária, mostra, “claramente, alguns resultados significativos. No entanto, são insuficientes qualitativa e quantitativamente. “Nos aspectos quantitativos, como condições de vida, economia e sociais, “o levantamento apresenta dados poucos expressivos”, mesmo com a inclusão de um conjunto de informações bem agregadas, “mas não regionalizáveis”, obtido pela amostragem complementar. Para ela, o censo apresenta uma primeira aproximação quantitativa, notadamente sobre o uso do solo. Entretanto, “não permite uma avaliação definitivamente dos resultados do plano adotado pelo governo e, menos ainda, identificar o que mais precisa ser feito nesse sentido.”
Modelos apenas faz remanejamento dos excluídos
Mais enfático, o ex-presidente do Incra e atual deputado federal pelo PSDB, Francisco Graziano Neto, afirma que o Brasil está fazendo “a maior e a pior reforma agrária do planetas”. Para ele, “é preciso repensar o modelo que está enriquecendo o MST e deixando os pequenos agricultores mais pobres. “Por mais que esforce, acrescenta, o governo “não vai conseguir fazer o programa funcionar. A reforma agrária acabou”, disse ele ao jornal “O Estado de S.Paulo” (22/05/00), assinalando que os dados oficiais são gigantescos e incontestáveis.
Recorrendo a dados atualizados, diz que só na atual administração foram assentados 370 mil famílias que, somadas ás 150 mil contempladas por Sarney, Collor e Itamar, além de outras 90 mil aquinhoadas em planos anteriores, perfazem um total superior a 600 mil famílias. Essa “multidão” ocupa mais de “2,3 mil assentamentos, em várias partes do País, numa área de 25 milhões de hectares. Só no atual governo foram distribuídos 12 milhões/ha e gastos “mais de R$ 12 bilhões, um investimento que não trouxe nenhum resultado. “O IBGE, assinala, não consegue determinar com que percentual os assentados contribuem para o produto da agricultura brasileira. Tanto isso é verdade, diz Graziano, que o líder do MST, João Pedro Stélile afirmou recentemente “que houve um engano ao imaginar que um pedaço de terra ia melhorar a vida das famílias do campo. “Para o deputado, o MST “está sem rumo e não é mais um movimento social, mas sim político que quer tomar pela força os meios de produção e o poder.’
O parlamentar tucano acredita que, se o programa continuar na forma atual, não trará resultado algum, pois “não adianta tirar excluídos da periferia das cidades para excluídos na zona rural. “ A saída, conforme pensa, é elaborar um novo projeto e fazer com que os recursos sejam aplicados na produção. Para isso, ele tem uma proposta. O governo usaria uma determinada área, não importa se desapropriada, arrendada ou comprada, e criaria unidades de produção irrigada, de leite ou hortaliças, empregando entre 50 a 100 pessoas. O produto obtido seria canalizado para merenda escolar do município, dando origem a um projeto casado de emprego e consumo.” Para ele, o velho modelo de reforma agrária, nos moldes da cepal e da Aliança para o Progresso “já acabou, pois é uma reforma distributivista, de idéia burguesa, arcaica e superada.”
Gastos com reforma limitam-se a 20% crédito agrícola
João Pedro Stédile nega e garante que quem politizou o tema foram as elites “que não a querem fazer nem no sentido clássico quem politizou o tema foram as elites “que não a querem fazer nem no sentido clássico, a que a burguesia fez no início do século.” Segundo ele, todos que lutam pela distribuição de terra no Brasil, “automaticamente enfrentam o poder, as elites.” Reiterando que não aceita a tarja de ter feito a politização, enfatiza que “o problema fundiária foi transformado em questão política pelas elites que se recusam em resolver, concretamente, a falta de terra, do trabalho r da pobreza do campo.”
Talvez o deputado use algum exagero ao afirmar que já foram destinados R$ 12 bilhões para o programa. Um outro estudo do Ipea, sobre “Financiamento da Reforma Agrária no Brasil”, de 1999, afirma que, nas décadas de 70 e 80 os gastos com a política fundiária representavam, em média, “apenas 2% do que se aplicava em agricultura. “ O trabalho, feito por José Garcia Gasques e Carlos Monteiro Villa Verde, ambos da diretoria de Planejamento e Política Públicas do instituto, acrescenta que, nos anos 90, essas despesas são crescentes e passam de “4,16%, em 90, para 20,7%, em 96, caindo para 18,25% em 98.” Porém, ressalta que, no contexto dos vários programas de governo para a agricultura, a Organização Agrária, rubrica que inclui o assentamentos, “tem sido o terceiro mais importante, nos últimos 3 anos.”
Na pesquisa Gasques e Villa Verde dissecam os gastos com os vários subprogramas que compõem a rubrica e mostram, numa tabela, que o programa de distribuição de terras recebeu, em 95, US$ 1,22 bilhão. No ano seguinte, 96, foram canalizados US$ 1,25 bilhão; em 97, US$ 1,29 bilhão, e, em 98, US$ 1,50 bilhão, valores que perfazem 82,8% dos gastos totais. O projeto considerado mais importante, é o de indenização de imóveis rurais que consumiu, apenas em 1997, US$ 827,1 milhões.
Gasques e Villa Verde afirmam que o subprograma Assistência Financeira assume importância, a partir de 1995, por representar o Crédito para a Reforma Agrária ou Crédito de implantação, utilizado para dar condições iniciais para os assentados, compreendendo recursos para alimentação, habitação r fomento. Ressaltam, ao mesmo tempo, que a maior concentração de gastos decorre da indenização de imóveis, através do pagamento ou quitação dos Títulos da Dívida Agrária TDA, em 1997, pela terra nua (78,18%), e benfeitorias (21,82%), feito em cash pelo governo.
Tesouro garante 86% do total das despesas
Os técnicos também apontam como três as fontes de financiamento do programa, como três as fontes de financiamento do programa, com os recursos tendo origem no Tesouro Nacional, verbas arrecadadas diretamente pelo Incra e os fundos constitucionais, com o total sendo direcionado para o custeio das atividades o instituto, para o crédito de implantação e o Procera-Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária. Segundo afirmam, o dinheiro do Tesouro é arrecadado através da emissão de TDAs e da rubrica “recursos ordinários”, que são receitas do governo sem destinação específica, não são vinculados e podem ser programados livremente. Essa verba é responsável por 68,86% do total de recursos direcionados por 68,86% do total de recursos direcionados ao programa e responsável pela sustentação financeira de 86% das operações. Quanto ao uso de empréstimos externos, apontam uma parcela muito baixa, em 97, apenas US$ 29,13 milhões.
Na receita própria do Incra, Gasques e Villa Verde indicam, como as principais, o adicional de contribuição previdenciária, que cobra 0,4% sobre a folha salarial das empresas em geral, e a contribuição industrial rural, que arrecada 2,5% sobre a folha de pagamento emitida pela agroindústria. Sobre os TDAs, os técnicos não informam os técnicos informam os valores arrecadados. Mas afirmam que, em 26 anos de existência do papel, foram emitidos, até 98, 75,02 milhões de títulos, dos quais 30,6 milhões, até 1992. Chamam a atenção, no entanto, para salto existente no resgate desses títulos: em 94, a União pagou US$ 12,3 milhões aos portadores e, em 97, essa cifra bateu em US$ 1.02 bilhão. As previsões para 99 calculavam que a liquidação do TDA (emitido pelo Tesouro)exigiria R$ 533,03 milhões e, em 2000, R$ 584,9 milhões. Já os títulos emitidos sob responsabilidade do Incra exigiriam, para 99, R$ 25,9 milhões e, em 2000, US$ 11,3 milhões. Ao que dizem, esses papéis têm grandes aceitações e financiam “mais de 30% da reforma agrária.”
O técnicos do Ipea destacam que os proprietários indenizados questionam na Justiça – e ganham – os valores das desapropriações, fazendo com que os custos iniciais previstos, para esta medida, “sejam quintuplicados”. Diante disso, as estimativas de gastos com indenização giram em torno de US$ 2,7 bilhões, em 99, pulando, em 2000, para US$ 2,9 bilhões.
ITR sem vínculos com o programa agrário, um erro
Para eles, um confronto entre a receita e a despesa permite afirmar que, sem exagero, de certo modo há um grau aceitável de eficiência na condução do atual processo de re-divisão da terra. “Porém, alertam que o financiamento com recursos do Tesouro tem a estabilidade e permanência condicionadas a dois fatores: nível de atividade econômica e prioridade política. “Gasques e Villa Verde acreditam que o conjunto de receitas depende do desempenho macroeconômico, que pode ou não comprometer o a evolução dos níveis de arrecadação. No geral, acrescentam o conjunto de fontes de financiamento do programa “tem forte dependência do nível de atividade econômica. A retração da economia afetará diretamente o volume de recursos arrecadados, sobretudo ser for levado em conta que as contribuições previdenciária e industrial/rural das empresas, têm posição relevante e, com baixa atividade, caem o emprego e os gastos com a folha salarial.”
Com relação ao ITR-Imposto Territorial Rural, os técnicos do Ipea afirmam que esse instrumento deveria ser uma fonte natural de financiamento da reforma agrária. No entanto, não é, o que mostra “ um desvirtuamento” lamentável, pois a maior parte dos recursos destinados ao programa não tem vínculos diretos com o processo de redistribuição fundiária, “criando uma instabilidade financeira, sobretudo ser for considerado que a alocação de verbas depende de prioridade política”, finalizam.
Na opinião do deputado federal Adão Pretto (PT/RS), essa ótica prioritária parece inexistir nas esferas governamentais. Segundo o parlamentar, o governo vai destinar, neste ano, mais de US$ 150 bilhões para pagamento de juros e amortização da dívida externa. Isso – é preocupante, pois o Executivo fará esse acerto cortando recursos da reforma agrária e do financiamento do Pronaf, sistema de crédito para pequenos produtores. “Para o deputado, “esses cortes seguem á risca a orientação de estrategistas da segurança nacional, para desmobilizar a luta pela redistribuição fundiária e estancar a pressão social por parte dos pequenos produtores.”