Provedora de alimentos e distribuidora de ocupações e de renda, a agricultura familiar depende da capacidade de organização dos produtores e da busca por tecnologia para reafirmar seu papel no cenário agrícola brasileira.
O Brasil é um país de contrastes. Para isso contribuem as diferenças econômico-sociais entre várias regiões do território, com rendas per capita e perfis culturais diametralmente opostos. O setor agrícola não constitui exceção. Os levantamentos realizados por órgãos públicos nacionais entidades internacionais e Organizações Não-Governamentais (OGNs) mostram que o papel de produtor de alimentos, empregador de mão-de-obra e investidor pertence ás propriedade familiares. Ela apresentam em comum áreas em torno de 36 há, trabalho de campo da própria família, diversificação de culturas e criação de pequenos animais.
Esses dados foram retratados pelo trabalho Diretrizes de Política Agrária e Desenvolvimento Sustentável para Pequena Produção Familiar, produzindo em conjunto pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e pelo Instituto Nacional de Colorização e Reforma Agrária (INCRA). Publicado em 94 e com atualização programada para os próximos meses, revela um quadro complexo, que,a julgar pelo resultado do Censo Agropecuário, de 96, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não deve revelar modificações animadoras.
Em 94, o Brasil possuía 2,5 milhões de estabelecimentos agrícolas classificados como agricultura familiar. Esses estabelecimentos ocupavam área média de 36 há, com área total de 90 milhões de há, o que representava 22% entre número e área dos estabelecimentos do país. Outras características podiam ser atribuídas á agricultura familiar, como o fato de ali prevalecer, com extrema importância, as lavouras de batata, trigo, café, milho, feijão, algodão, tomate, mandioca, fumo, arroz e soja.
Ali também prevalecida a criação de pequenos animais – aves e suínos, embora houvesse pequena participação de bovinos. A isso, somava-se o fato de a tecnologia usada, mesmo sendo inferior a verificada nas grandes propriedades, apontar, uso correto de defensivos, fertilizantes, corretivos e, principalmente, conservação do solo. Em mais da metade das atividades, a agricultura familiar conseguia rendimentos físicos superiores ou semelhantes ao da grande propriedades.
O trabalho revela que, por serem sistemas de produção intensivos, as propriedades da agricultura familiar permitiam a manutenção de quase sete vezes mais postos de trabalho por unidade de área. E, enquanto na agricultura patronal eram necessários aproximadamente 60 há para a geração de um emprego, na agricultura familiar bastavam nove hectares.
O cenário revelado pelo Censo Agropecuário/96 não mostra grandes alterações (Ver boxe), já que as propriedades familiares continuam concentrando a maior capacidade de gerar ocupação, de produzir alimentos e investimentos. Em contrapartida, o estudo revela crescimento no êxodo rural. O nível de ocupação no campo mostrou queda acentuada, entre 85 e 95/96, com redução de 5,5 milhões de postos.
Valter Bianchini, coordenador técnico do Departamento Sócio-Econômico de Estudos Rurais (Deser), organização não- governamental (ONG), com sede em Curitiba, Paraná, que reúne Sindicatos de agricultura familiar, associações, cooperativas e pastorais, acredita na redução da propriedade familiar.
Ele enumera três fatores, para explicar o fato. O primeiro, a abertura comercial e a integração do Brasil no Mercosul, quando o país tornou-se importador de produtos agrícolas. O melhor exemplo é a compra de trigo, que cresce a cada ano. O segundo, o choque causado por novas tecnologias, como hidroponia, novas variedades e estufas. Grandes modificações ocorreram também na produção de leite e na criação de suínos e aves. Ele assegura que inúmeros e pequenos produtores não conseguiram acompanhar as exigências tecnológicas.
Lembra, por exemplo, a mudança na criação integrada de suínos. Antes, os produtores eram responsáveis pelo ciclo completo. Hoje, grande parte especializou-se em determinadas fases. O mesmo vale para a avicultura, quando os antigos aviários foram substituídos por instalações modernas, com automação uso de recursos de informática.
Como terceiro fator, aponta a desestruturação das políticas públicas, especialmente a extensão rural e o crédito. Hoje, parte substancial da extensão rural é realizada por cooperativas e empresa. A somatória dos três fatores tem como conseqüência o cenário de êxodo rural. Em contrapartida, Biachini assegura que, hoje, os produtores encontram novas formas de organização para lutar pela permanência da agricultura familiar. Como exemplo, cita o trabalho realizado por sindicatos rurais, associações de produtores, cooperativas, ONGs e a Pastoral da Terra.
Lembra que recursos do Fundo de Amparo ao trabalhador (FAT), são usados no sul do país, por exemplo, para a criação de escolas com cursos supletivos para agricultores. Outra experiência bem-sucedida consiste na criação da Casa Familiar Rural (CFR), implantada por prefeituras no Estado do Paraná. Os agricultores inovam sistemas, garante.
Bianchini afirma que o sul do Brasil concentra a agricultura familiar. Maria Salete Escher, membro da Central Única dos Trabalhadores (CUT) – PR, integrante da direção do Departamento Estadual dos Trabalhadores Rurais da Cut – PR e da coordenação da Frente Sul de Agricultura Familiar, concorda com ele e explica que o país registra 5,8 milhões de estabelecimentos agrícolas, dos quais 75% caracterizados como agricultura familiar.
No sul do país – Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, eles reúnem três milhões de agricultores, distribuídos por 919 mil estabelecimentos, que representam 21% dos estabelecimentos de agricultura
familiar no país. Outras características pode ser somadas. A gestão da unidade produtiva e os investimentos são feitos pela própria família. A maior parte do trabalho é feito pela família. E a maior parte da terra pertence á família. Mais: esse grupo responde pelo processo de produção agrícola diversificada e agride menos o meio ambiente.
Hoje, é difícil viver apenas da agricultura, afirma Bianchini. Ele explica que o perfil da propriedade familiar, composto por produção de grãos, criação de pequenos animais e produção de geleias e doces caseiros, tornou-se problemática quando começou a especialização produtiva. A solução para parte dos produtores rurais pode ser encontrada no crescimento dos pólos regionais, onde verifica-se a demanda por serviços do meio rural.
Atualmente, há interligação entre turismo, lazer e agricultura, exemplo do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, e da região de São Leopoldo, na serra gaúcha. Em ambas estimula-se o turismo rural, com a criação de pousadas e passeios, além da valorização de produtos agrícolas, como geléias e conservas. Já a opção de outros trabalho para os produtores rurais consiste nas confecções de camisetas, no interior dos municípios.
Bianchini garante que a agricultura é o principal setor de renda sem grande investimentos. Logo, a agricultura familiar tem grande potencial. Para isso, no entanto, torna-se necessários maiores investimentos em assentamentos, em educação, saúde, ampliação de recursos e incremento da extensão rural e pesquisa. Salete reforça a importância estratégica da agricultura familiar, ao garantir que o segmento responde pela manutenção e recuperação do emprego, potencialização e contribuição para a redestribuição de renda, além de proporcionar a segurança alimentar para o país, pois reponde por produtos que compõem a cesta básica. Defende ainda a necessidade de inserir a agricultura familiar no cenário hoje liderado por produtores de grandes extensões de terra e os integrantes do movimento dos sem terra.
Com esse objetivo, criou a Frente Sul de Agricultura Familiar, que atua em aproximadamente 200 municípios do Paraná. A iniciativa nasceu durante 0 3º Encontro da Agricultura e o 2º Encontro da Juventude Rural, em Francisco Beltrão, no Paraná, em março deste ano. A Frente, que reúne cooperativas de produção, cooperativas de crédito, associações de agricultores, ONG que trabalham com agricultura familiar e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), pretende acompanhar e fortalecer a realidade desse segmento, observar as demandas e discutir as reivindicações com os governos municipais, estadual e federal.
Salete afirma que o movimento enfatiza a necessidade de as escolas das regiões rurais terem o ensino voltado para área técnica e metodologia de ensino que analise a realidade do agricultor. A preocupação justifica-se. Ela explica que 73% dos municípios brasileiros possuem menos de 20 mil habitantes, o que os torna ligados á agricultura. Mais: 60% dos agricultores detêm apenas entre o terceiro e quarto ano primário. Salete e Bianchini compartilham a certeza de que a agricultura familiar é viável, embora necessite de discussão política, assistência técnica e tecnologia.
Esta também é a opinião de Vitor Athayde, professor de economia rural da Universidade Federal da Bahia e consultor da FAO. Ele afirma que o Nordeste mostra um quadro de agricultura familiar oposto ao do Sul, no qual os exemplos de agricultura familiar bem-sucedida localizam-se apenas nas regiões produtoras de frutas, com assistência técnica oferecida por empresas. Esses agricultores estão concentrados nas ilhas de propriedade, como é chamada a região do Vale do São Francisco, onde se produzem frutas, e também a região do Rio Grande do Norte,, que se caracteriza pelo plantio do melão.
Ali, o agricultor pode alcançar renda mensal de até 20 mil, enquanto a maioria esmagadora dos demais agricultores do NE consegue apenas um salário mínimo ou uma cesta básica. Athayde credita essa situação a algumas especificações. Inicialmente, o fato de o Ne englobar nove Estados – Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e maranhão, com heterogeneidade, já que a região convivem vários ecossistemas como os da Zona da Mata, do Agreste, do sertão e dos Cerrados. Como conseqüência, a agricultura familiar é heterogênea, com tecnologia atrasada e dependente dos recursos naturais dos ecositemas.
Outra especificação consiste no fato de os agricultores necessitarem manter a combinação da agricultura familiar com outras atividades, muitas vezes não-agrícolas, situação que Athayde classifica como estratégia de subsistência. Na prática, isso significa migrações temporárias, para trabalhos em cidades próximas. Ou mesmo em propriedades de grande extensão localizadas na mesma região de origem do agricultor.
O fato de a agricultura nordestina apresentar a renda média mais baixa, entre as demais regiões do país – sul, sudeste, centro-oeste a isso, o fato de o NE apresentar população rural em número mais elevado que o restante do país, onde prevalecem populações urbanas. Soma-se a isso, a característica, verificada ainda hoje, conforme Athayde, de dependência e dominação econômica, com a presença do coronelismo. Ainda como especificação, ele cita o confronto da existência das ilhas de prosperidade com o restante do cenário. Athayde lembra que a ocupação que resulta da administração pública é a que mais cresce atualmente. As iniciativas de projetos como os do Banco Mundial e instituições semelhantes associados ás prefeituras, ONGs, associações de moradores e empresas de integração têm contribuído para a oferta de empregos para parte da família que vive de agricultura.
A expectativa para a atualização do relatório FAO/Incra, não é animadora. Ele acredita que o cenário atualizado mostrará um quadro com maior participação da renda oriundas da Previdência Social. Em muitas regiões, a seca causa o êxodo. E a população que resta á composta por idosos e crianças. Ele espera que os que agricultores que se mantiveram na agricultura, desde 94, apresentam, no novo relatório, maior escala de produção.
O panorama do Norte do país, especialmente o Estado do Pará, não difere muito do traçado por Athayde, já que a agricultura familiar necessita de tecnologia, investimento e capacidade de se unir, para a formação de associações de produtores e cooperativas. Antonio Cardoso, professor da Universidade Federal do Paraná diretor do Centro Agropecuário e do Núcleo de Estudo Integrados sobre Agricultura Familiar, ambos integrados á universidade, acredita que, embora descapitalizado, esse segmento encontra-se no início de um processo de evolução.
A agricultura familiar na região é caracterizada por propriedades que concentram a produção no plantio de mandioca, arroz, feijão, milho, pequenos pomares e pequenos animais. Como há oportunidades de trabalhos não-agrícolas nas regiões, a alternativa consiste na produção para autoconsumo. Para a situação, contribui a inexistência de infra-estrutura, estradas, transporte e eletrificação rural. Logo, o acesso para escoamento da produção, saúde e educação torna-se difícil.
Cardoso assegura que o padrão tecnológico é baseado no tradicionalismo, como as derrubadas e queimadas ou produção da farinha de mandioca, sem casas de farinha tecnificadas. Os produtos são habitualmente comercializada com intermediários, já que cooperativas, ainda em número reduzido, e associações não cumprem esse papel. Deve-se considerar também o analfabetismo da maioria dos produtores. Iniciativas como a Casa Família Rural, com metodologia francesa e espalhadas na região, desde 95, e a Escola Família Agrícola, baseada em experiência italiana, e difundida há dois anos,entusiasmam Cardoso na tentativa de reverter esse processo. Na opinião dele, a assistência técnica, tecnologia, crédito e comercialização são fundamentais, para o crescimento da produção na agricultura familiar. No início dos anos 90, os produtores começaram a se interessar pelo cultivo de pimenta, caju e cupuaçu.
Perfil Pouco Alterado
O censo Agropecuários/96, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que os números encontrados não apontam perfil substancialmente diferente do quadro traçado pelo relatório FAO/Incra sobre pequena produção familiar, publicada em 94. Assim, os estabelecimentos menores de 10 há ocuparam área de 40,7% da mão-de-obra; os de 10 há a menos de 100 há, 39,9%; os de 100 há a menos de mil há, 15%; e os acima de mil há, apenas 4,2%. Portanto, a observação do conjunto de estabelecimentos com áreas inferiores a 100 há revela que as pessoas ocupadas nesta área representam cerca de 80% do pessoal total ocupado na atividade agrícola.
O texto do Censo é claro, ao afirmar que, mesmo na situação de adversidade dos últimos anos, os estabelecimentos de produção familiar ainda se mantêm como sustentáculo da atividade produtiva agrícola do país e do suprimento alimentar da população brasileira. Revelam-se ainda os maiores investidores e constituem as unidades de produção que mais geram ocupações/empregos na área rural.
De fato, entre R$ 7.722.635 mil investidos entre 1º de agosto de 95 e 31 de julho de 96, em terras, instalações e benfeitorias, plantio de culturas permanentes, veículos, máquinas e implementos, os estabelecimentos inferiores a 100 há responderam por 38%, ou seja, R$ 2.952.157 mil. Aos estabelecimentos entre 100 há e mil há coube investir 35%.
Outros dados completam o quadro, considerado sempre o mesmo período. Por exemplo, em relação ao total de 4,9 milhões de matrizes bovinas adquiridas, 39% da compra foi realizada por estabelecimento, com áreas inferiores a 100 há, e 40% a propriedade entre 100 há e mil há. As áreas superiores a mil há e inferiores a 10 mil há, adquiram 22% das matrizes.
Já na compra de matrizes suínas, cujo total foi de 7,9 milhões de cabeças, as áreas com menos de 100 há compraram 90% do total. E os estabelecimentos, entre 100 há e mil há, 9%.
No setor de avicultura, o panorama mostrou-se semelhante. A compra de 98 milhões de dúzias de ovos para incubação coube aos estabelecimentos inferiores a 100 há. E 8,6%, aos estabelecimentos com áreas entre 100 há e mil há. Na aquisição de pintos de um dia, ou dois bilhões de cabeças, os estabelecimentos com áreas inferiores a 100 há responderam por 82% e os estabelecimentos de área total entre 100 há e mil há, apenas 16%.
Do total de investimentos realizados em prédios, 53% foram feitos por estabelecimentos com áreas inferiores a 100 há. Esses mesmo estabelecimentos responderam por 43% do valor dos investimentos em instalações e outras benfeitorias. Aos estabelecimentos entre 100 há e mil há coube investimentos de 34%.
Como conseqüência, os resultados sobre quais ao propriedades que detêm maior valor de produção animal e vegetal também foi dominado por estabelecimentos menores. O ano base 96, alcançou R$ 47,8 bilhões. Os estabelecimentos inferiores a 100 há responderam por 47%, ou seja, R$ 22,2 bilhões. Os que estavam entre 100 há e menos de mil há, por 32% do valor, ou seja, R$ 15,4 bilhões. Já os estabelecimentos entre milha e 10 mil há, com 17% e R$ 8,3 bilhões. E as áreas acima de 10 mil há, por 4% ou apenas R$ 1,7 bilhão. O quadro muda totalmente se analisam as propriedades que recebem financiamentos. Na safra, 95/96, por exemplo, entre 1.708.054 estabelecimentos inferiores a cinco há, que representam 38% do valor total dos estabelecimentos agrícola do país, somente 16.497 tiveram acesso ao crédito, o que representa 0,9%.
Já 1,8% com acesso ao crédito foi composto por produtores com estabelecimentos entre mil há e 10 mil há, que concentraram 26% do valor total dos financiamentos daquele ano. Os 0,7% dos produtores que acessaram o crédito possuíam estabelecimentos acima de 10 mil há e que obtiveram 6% do valor total financeiro.
O Censo Agropecuário revela ainda que o nível de ocupação no campo mostrou queda acentuada, entre 85 e 95/96, com redução de 5,5 milhões de postos. Em 85, as pessoas com ocupação no campo somavam 23,395 milhões, número que baixou para 17,931 milhões, em 95. Na verdade, esse total equivale a somatória de 70, quando a área rural brasileira mantinha 17,582 milhões de pessoas ocupadas no campo.
Produtores confirmam a importância da Tecnologia
Aos 38 anos de idade, Nivaldo Wuaden ocupa posição privilegiada na agricultura familiar do país. Dono de área de apenas 16,8 há. Em Peritiba, no oeste de Santa Catarina, Estado que concentra pequenas propriedades familiares agrícolas, o produtor alimenta planos ambicioso para o ano 2000. Nesse pequeno espaço de planeja produzir 600 toneladas de fruta 1,2 suínos de 100 hg cada, 180 mil frangos com peso médio de 2kg, um milhão de alevinos de carpa e três toneladas de mel, produzidos por 50 colméias.
A história de Wuaden reflete a importância da mescla de tecnologia e trabalho. Filho único, recebeu a Granja Wuaden do pai, em 79, com cultivo de milho e criação de suínos, em tecnologia tradicional. Percebeu, então, que a permanência na agricultura exigia muito mais. Disposto a alcançar o sucesso, resolveu cursar o colégio agrícola de Videira, Em Santa Catarina, entre 78 e 80, para descobrir como modernizar a propriedade. No ano seguinte, assumiu as inovações. Hoje, ele assegura que o curso técnico sugere a realidade, comprovada, no entanto, pela prática.
O produtor conta que o trabalho inicial constitui em observar as potencialidades da granja. A água, por exemplo, permitiu um tanque de 3 há, hoje com 800 mil alevinos de carpa. Para aproveitar o clima da região, o agricultor criou uma área de fruticultura, composta por 1 há de pêssego; 2,5 há de uva para mesa; 2 há de ameixa; 2,5 há de laranja; e 3 há de tangerina. Para a polinização, mantém 20 colmeias, com produção de 40 kg cada.
Ainda de acordo com o modelo bem-sucedido de pequena propriedade, ele cria 50 matrizes de suínos, para ciclo completo, ou seja, cria e engorda. Os machos são suínos da Embrapa e as fêmeas resultado da integração com a Sadia. A empresa garante a compra dos animais terminados, entregues entre quatro meses e meio e cinco meses, com peso em torno de 110 kg.
O processo de integração com a Sadia também é utilizada na criação de aves. A empresa fornece os pintinhos de um dia e ração. As aves são mantidas em aviário climatizado e entregues, entre 30 e 48 dias, conforme a necessidade do mercado, com peso entre 1,5 kg e 3 kg.
Wuaden trabalhava no campo com o pai e a mãe, até que se aposentarem. Há dois anos, recebe a ajuda de seis pessoas, que trabalham em regime de parceria. Ele conta que, ao longo dos 20 anos, teve auxílio da extensão rural, de órgãos como a Embrapa, cooperativas e da própria Sadia.
Participou de cursos sobre citros, piscicultura, uva e vinho, suinocultura e fruticultura de clima temperado. Acompanhou seminários e congressos. Orgulhoso, conta que sempre procurou informações e dedica 30 dias por anos a cursos.
Atualmente Wuaden vende os peixes para engorda. Comercializa as frutas na região sul do país, após embalar na propriedade. O produtor assegura que pretende ampliar a produção de frutas e de peixes no futuro. A receita do sucesso? Ele não hesita em responder, trabalho e dedicação.
Elgomar Knopp compartilha a opinião de Wuaden. Proprietário de 20 há, em Pasto do Pilão, região a 20 km de pelotas, no Rio Grande do Sul, ele produz leite, com vacas inseminadas artificialmente, além de milho, cebola, cenoura e, no futuro, o cultivo de couve flor e trigo. Aos 47 anos de idade, ele e a esposa, com dois anos a menos, trabalham no campo e contratam um empregado, apenas em situações de necessidade.
A experiência dele começou também há praticamente duas décadas, quando comprou o Sítio dos Pinheiros, ocupado apenas pela soja. Em 82, auxiliado pelo trabalho de extensão rural, adotou a conservação do solo, com análise e formação de terraços, a cultivar milho.
Quatros anos mais tarde, iniciou a produção de leite, com apenas duas mestiças, que produziam 12 litros/dia ambas. Em 87, plantou pasto e azevém e aveia. E, no ano seguinte, começou a fazer inseminação artificial e silagem. Hoje, o sistema de inseminação, feito por ele, é usado em 11 vacas, classificadas como PC, de origem holandesa. O plantel é formado também por suas novilhas, com mais de um ano de vida; uma novilha, com menos de um ano de vida; e três terneiras.
Ele conta que, em setembro, pico da produtividade, a produção alcança 4.500 kg com nove vacas em produção. E, em março, o pior mês, 2.400 kg, com sete vacas em produção. O leite é comercializado com uma empresa da região. Atualmente, Knopp faz rotação de pasto, com azevém e aveia no inverno e pasto italiano, no verão.
Os animais recebem silagem e concentrado, preparado na propriedade. Para isso, o produtor usa parte do milho que planta e compra apenas farelo de soja sal e mineral. O concentrado é oferecido na base de um kg para cada três litros de leite produzido.
O milho ocupa 10 há da propriedade. A produtividade alcançada gira em torno de 2,4 mil kg/há. Em mais uma área de 1,3 há, o produtor conduz uma experiência de pesquisa com plantio em espaçamento diferenciado, cuja produtividade alcança cerca de 7 mil kg/há. E reserva também mais 1 há, para o plantio do milho usado na silagem. Todos o cultivo é feito em plantio direto.
Para atender ás necessidades dos gado de leite, Knopp reserva 2 há, para cultivo de cenoura. A produtividade alcança 13,2 toneladas por há. E também planta 1,2 há de cebola, com produtividade de 17 toneladas/há, comercializada com depósito particulares.
Os planos do produtor incluem plantio de couve-flor em 0,40 há e de trigo, em 3 há, para ser oferecido ás vacas comercialize o milho e obtenha para maior entrada de lucros.
Knopp sempre foi atendido pela extensão rural. Sem esse trabalho, eu não estaria mais na agricultura, afirma. Há 10 anos, ele participa do Grupo de Integração de Desenvolvimento Econômico e Social (Gides), idéia de técnicos da Emater. O grupo é composto por 10 produtores da região, que se reúnem uma vez por mês, quando convidam técnicos e palestrantes.
Em outubro, a reunião foi realizada na propriedade de Knopp o tema, plantio direto. O Gides resultou em 23 grupos, que formam Conselho do Grupo de Integração de Desenvolvimento Econômico e Social (Congides), com sede em Pelotas.
Knopp define a situação da agricultura familiar como difícil, já que o custo é elevado e os preços obtidos não acompanham alta dos insumos. A solução, na opinião dele, é unir a prática do campo á tecnologia, para alcançar qualidade na produção. Sozinho, o agricultor não consegue esse resultado. Ele precisa da assistência técnica, enfatiza.
Pronaf tornou-se importante parceiro
O ingresso do Brasil no sistema de economia globalizada provocou impactos diferentes nos diversos setores de atividades. Um deles, a agricultura familiar, foi fortemente afetado devido, principalmente, ás condições de competitividade que prevalecem no modelo e, sobretudo, na comercialização dos produtos. Atualmente, decorridas quase 10 anos de vigência do chamado neoliberalismo, ainda existem dúvidas sobre as possibilidades econômicas e sobrevivência desse segmento nos moldes tradicionais. Como forma de apoio, o governo federal criou, em 1995, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
O programa é formado por quatro linhas de ação identificadas como pontos de estrangulamento para o desenvolvimento econômico do agricultor familiar: negociação de políticas públicas com órgãos setoriais; financiamento de infraestrutura e serviço nos municípios; financiamento da produção agrícola; e capacitação e profissionalização de agricultores fa-miliares, com a destinação de recursos a órgãos públicos de pesquisa e extensão rural. Concebido como instrumento de transformação do ambiente institucional brasileiro, o Pronaf busca fortalecer os movimentos sociais através de sua construção flexível, orientados. Idealizado como política em constante processo de aperfeiçoamento, o programa tem como meta atender o agricultor familiar, com sua eficiência dependente do quadro sociais e político de cada município.
A economista e pesquisadora do IEA- Instituto de Economia Agrícola, Yara Maria Chagas de Carvalho, e a engenharia agrônoma Cati-Coordenadoria de Assistência Técnica Integral, Vera Lúcia Kuhn, fizeram uma avaliação da agricultura familiar, em São Paulo, e observam que, para o Pronaf se mostrar eficiente, tem, não só, de enfrentar as restrições financeiras, próprias do momento atual, mas também o corporativismo de diversos órgãos envolvidos, que buscam adequar o programa ás suas linhas tradicionais de atuação, como por exemplo, o clientelismo na distribuição de verbas do legislativo federal e oportunismo de órgãos estaduais e municipais para receber o dinheiro sem comprometimento com os agricultores familiares.
Programa beneficia 48 municípios no Estado de São Paulo
Para o município obter recursos, é preciso ser selecionado e aprovado pelo conselho nacional do Pronaf, ter conselho municipal de desenvolvimento rural (CMDR) e apresentar um plano municipal de desenvolvimento rural (PMDR). O dinheiro é negociado ano a ano pelos órgãos e entidades parceiras. O Estado de São Paulo e os municípios participam, cada um, com 20% a 40% da verba necessária, exceto onde já esteja atuando o Programa Comunidade Solidária. Nesse caso, o percentual é de até 20% para o município. O PMDR deve ser elaborado com a participação dos agricultores familiares e, segundo especialista, esses planos têm mostrado baixa qualidade técnica e pouco envolvimento do público alvo.
Em São Paulo, o Pronaf atende 48 municípios atua como linha auxiliar do Feap que, segundo elas, está especialmente voltado para público que o programa federal não tem sido capaz de atender, ou seja, os produtores sem acesso direto á terra ou carentes de maior subsídio. O Feap-Fundo de Expansão da Agropecuária e da Pesca, foi criado em 1959, pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Foi ratificado em 1990 e reorganizado em 1992 e, até 1997, atendeu quase que exclusivamente assentados em projetos de reforma agrária.
No trabalho de avaliação da agricultura familiar das varas regiões do Estado de São Paulo, Yara e Vera constatam, em linhas gerais, que o crédito caro e a queda de preços tiveram um impacto negativo sobre esse segmento de produtores. O Mercosul, acrescentam, prejudicou principalmente os produtores de cebola que não têm como competir com o produto argentino. As medidas econômicas, desde julho de 1994, reduziram a renda da agricultura regional como um todo e, mais fortemente, a do agricultor familiar.
A estabilidade econômica reduziu preços e aumentou os custos de produção, principalmente da mão-de-obra, que subiu quatro vezes. A reação do setor inclui alterações tecnológicas, buscando reduzir o custo de produção, ampliação do nível de assalariamento da família e procura por novas alternativas mais rentáveis.
Projeto é bom, mas ocorre o risco de virar discurso
Apesar disso, ambas afirmam que os esforços dos governos federal e estadual para definir uma política de fortalecimento desse tipo de agricultura têm o desenho condizente com as necessidades do segmento. Entendem que há indícios de que o Pronaf vem sem aperfeiçoado gradativamente, como a proposta inicial previa, e as novas linhas de crédito mostram essa busca. Porém, em São Paulo, questões políticas levaram a três coordenações diferenciadas, com claros reflexos sobre a realização dos trabalhos. Para elas,deveria haver estratégias que permitissem maior envolvimento de técnicos comprometidos com o setor que fossem voluntários para participar do órgão gestor. Além do mais, apontam que o baixo volume de operações de crédito no Estado, a falta de continuidade e a desarticulação dos cursos de capacitação aos técnicos dos municípios selecionados com o cronograma de elaboração dos PMDR´s são evidências de descompassos que exigem um grande comprometimento do órgão gestor na busca de soluções criativas aos gargalos existentes. Mesmo assim, a gerência do programa em São Paulo apresentou resultados favoráveis, assinalam.
Yara e Vera comentam sobre as políticas públicas do Pronaf, que as condições vividas pela produção familiar nas diversas regiões paulistas são um depoimento forte sobre o quanto é irrelevante todo os esforços intelectual e política de formulação do programa se não forem estabelecidos os canais de revindicação dos beneficiários, com relação ás políticas macroeconômicas. Esta necessidade é ainda maior quando são levadas em conta o quadro de incertezas que paira sobre a economia internacional e seus reflexos no País. Lembram, ainda, que se o componente técnico á mudança de mentalidade que envolve o planejamento participativo, não for assumido com seriedade, há o risco de ver um programa bem elaborado torna-se, mais uma vez, um discurso político.
Exigências bancárias, um entrave para a obtenção de crédito
As técnicas do IEA-Cati argumentam que pesquisa junto aos agricultores mostra que a disponibilidade de recursos para o crédito ao segmento está muito abaixo das expectativas e que o comprometimento do governo estadual deve ser avaliado em termos de solução encontrada para o problemas da garantia exigida pelos bancos. Neste aspecto, citam que a estratégia de fomento dos fundos municipais de aval não têm sido efetivamente considerados pelas administrações da União e dos Estados, que também colocam num segundo plano a viabilização de um fundo estadual. Porém, admitem que as novas linhas de financiamento aprimoram a abrangência do atendimento, mas não permitem a superação do maior gargalo, que é a exigência de garantias.
Para elas, o programa deve começar a pensar a elaboração de projetos regionais e até locais, voltados para o atendimento de situações emergenciais associadas a produto em que as condições de concorrência exijam uma transformação tecnológica impossível para o público do Pronaf, pelo menos no curto prazo. Esse enfoque, acrescentam, deve privilegiar áreas predominantemente agrícolas e onde a agricultura familiar tenha base numa única atividade porque são estas as situações mais precárias. Paralelamente, quando as atividades não agrícolas são importantes e existe alto grau de urbanização e de renda per capita na região, é possível a existência de um mercado local que pode ser estimulado se solidarizar com os produtores familiares.
Yara e Vera assinalam, ainda, que a estrutura fundiária regional tem impacto sobre as possibilidades de viabilização econômica da agricultura familiar. Uma região onde predomina esse tipo de produção agrícola, como Jales (SP), atrai iniciativas espontâneas de proposição de Alternativas com mercados já identificados. No extremo oposto, destaca-se a importância dos laços solidários em comunidades com estrutura fundiárias duais ou com predominância de pequenas áreas, mas arrecadadas, que promovem o fortalecimento do segmento voltado para o mercado local. As regiões onde prevalecem propriedades médias, exceto Franca (SP), caracterizam-se pela importância da atividade agrícola voltada para a economia regional. Nestes casos e, geral, o mercado para novas alternativas deve ser procurado fora dos limites da região, Elas observam, também, que alguns técnicos parecem ter dificuldades para diferenciar agricultores familiares dos demais e, em conseqüência, fazer um diagnóstico claro dos problemas.