Pecuária

Quando o gado vira um “sobrevivente”

Os setores envolvidos na cadeia produtiva da carne, que incluem criação, pesquisa e extensão, passando por consumo, mercado varejista, normas e regulamentação, e, terminando na exportação, enfrentam hoje o inverno, ou seja, o momento mais delicado do ano. Entre maio e outubro, meses de seca nos pastos, os pecuaristas preparam-se para a perda de peso dos animais e, ao mesmo tempo, para arcar com conseqüências econômicas como no atraso na idade de abate dos animais, com menor fertilidade e atraso na entrada de reprodução das novilhas.

Frente ao cenário, a opinião de especialistas em nutrição animal é a mesma. Ou seja, a solução para os pecuaristas consiste em manejo adequado de pastagens, oferecimento de suplementação mineral, protéica, energética e intensificação no manejo dos animais. Sabe-se que este período do ano implica num quadro formão por menor disponibilidade de forragem, com baixo teor protéico, baixo teor de minerais e, conseqüentemente menor assimilação. Complica o quadro, o aumento de fração fibrosa, redução de energia e de consumo de forragem.

Rubens Pinheiro de Souza, assistente-técnico da Tortuga, empresa que oferece suplementação para animais em crescimento, reprodução e acabamento, explica que, desde 1998, são realizados diversas reuniões entre os setores envolvidos na cadeia produtiva da carne, para discutir informações produzidas pela pesquisa em melhoramento genético, reprodução animal manejo das pastagens e dos animais, nutrição animal e qualidade da carne bovina, com o intuito de aperfeiçoar o desenvolvimento da cadeia produtiva. “Atualmente, o maior objetivo consiste em conseguir aumento na eficiência da produtividade animal”, explica.

Souza garante que a perda de peso do animal na seca é considerada normal, embora apresente índices variáveis, muitas vezes no mesmo pasto, no mesmo rebanho e, até mesmo, na mesma categoria animal. Para isso contribuem diversos fatores, entre os quais a qualidade do solo na propriedade, a idade da planta e do rebrote, o manejo do pasto, a época do ano e o número e peso dos animais por há . “Para que os objetivos da criação sejam atingidos, é preciso planejamento”, assegura.

O passo inicial pode ser a classificação dos animais por peso e por categorias. Souza sugere aos pecuaristas duas pesagens. Uma na entrada do período da seca, entre maio e junho. E outra, no início das águas, em novembro. A diferença entre ambas representa o ganho de peso diário, basta dividir o peso ganho no período pelo número de dias. “Observa-se, portanto, que apenas uma decisão acertada, permite dois resultados”, afirma. Na opinião dele, o ideal é que o pecuarista estabeleça objetivos por categoria – bezerros, garrote, novilha, vaca, boi e touro.

Outra sugestão do técnico consiste em lembrar que a estação das águas e a da seca não são marcadas por períodos com a mesma intensidade. Devem ser considerados o início, o meio e o final da seca, por exemplo, e as características que definem essas nuances. “Por exemplo, até 60/70 dias iniciais do inverno costuma haver nível bom da pastagem”, explica. E “somente mais tarde, verificam-se as quedas de proteína e de energia, além da piora da fibra”. Já o período de meio da seca, os animais classificados, que não serão enviados para o abate, devem receber suplementação de manutenção, assim como no final da seca. A solução para o período de inverno, portanto, é montar uma equação composta por pastagem, estação do ano e objetivo para o animal.

Ele lembra que outras medidas de manejo auxiliam no combate à seca dos pastos. Uma delas consiste em oferecer suplemento proteinado, mistura que reúne concentrados, protéicos, uréia e sal comum. Na primeira semana, os animais devem receber o suplemento na base de 1.1, com o mineral utilizado na propriedade. A partir da segunda semana, o proteinado pode ser oferecido à vontade. E uma semana antes de terminar o período seco, voltar à base de 1.1, com o mineral.

Souza garante que o manejo do cocho é fundamental. O correto no período de inverno, para a manutenção dos animais, consiste em manter entre 10 cm e 12 cm de cocho por unidade animal, em cocho coberto, e colocar o proteinado três vezes por semana, no mínimo. “O cuidado deve ser maior do que no período das águas”, garante ele. Em semiconfinamentos, para animais com mais de 400 kg de peso vivo, a sugestão é fornecer concentrado entre duas a três vezes por dia, com espaço de cocho de 30 cm a 40 cm disponível por animal. Ele recomenda não colocar 100/120 animais por dia. E, finalmente, para animais com peso menor, aconselha a terminação em confinamento.

Lauriston Bertelli Fernandes, diretor-técnico da Premix, empresa que produz suplementação mineral e mineral aditivada para todas as categorias animal, também aconselha os criadores estratégia de suplementação na seca, como forma de minimizar a perda de peso dos animais. A mais simples é composta pelo oferecimento do sal mineral e uréia. Outro conselho consiste em oferecer suplemento protéico-mineral, na base de 200g a 300g/animal/dia, para animais adultos. E, para ganhos moderados de peso, suplementação protéico-mineral na base de 200g a 300g/animal/dia mais entre 700g e 1Kg de farelo energético por animal/dia, também para animais adultos.

Fernandes explica que, se o criador conseguir oferecer ao animal pasto seco mais 1Kg de mistura por dia, o desempenho pode resultar em ganho de peso entre 250g e 350 g de peso vivo por dia. “A base de alimentação deve ser o pasto. Convém lembrar que a suplementação não é feita para corrigir qualidade do pasto”, assegura. Exatamente por isso, recomenda alguns cuidados. Por exemplo, no período das águas convém fazer manejo diferido, ou seja, deixar pastos com mais sobra de massa, para acomodar os animais e suplementa-lo na seca.

Ele assegura que o pasto seco fornece aproximadamente 360 g de proteína/animal/dia. Para a manutenção de peso, o animal necessita de 460g de proteína/dia. Portanto, se um animal com 400kg de peso vivo ingerir 200g de suplementação protéica, com 50% a 60% de proteína bruta, receberá entre 100g e 120g de proteína suplementar. “O animal necessita de pastejo pleno, com folhas, mesmo no período da seca”, garante.

Portanto, o criador deve atentar para três condições básicas de manejo. Primeiro, observar a taxa de lotação de cada pasto. Segundo, optar por suplementos com teores de proteína e consumo esperado adequados. E, terceiro, atentar para a qualidade do suplemento. Define-se a qualidade, quando o suplemento apresenta equilíbrio melhor entre proteína oriunda de uréia.

As sugestões para o manejo do suplemento, que deve estar sempre a disposição do animal, são simples. Fernandes aconselha manter o cocho bem localizado, ou seja, em locais por onde os animais circulem com frequências. Isto é, próximo da dormida ou das aguadas. Para suplementação de até 300g/animal/dia, o ideal é manter 6cm lineares de cocho. Já entre 300g e 1Kg/anima/dia, entre 15cm lineares de cocho. O cocho coberto é superior ao descoberto, que exige compensação de freqüência na salga. “O correto é salgar em dias alternados”, explica. Convém manter cochos elevados do solo, entre 40cm e 50cm, para evitar contaminação de estrume.

Fernandes lembra que os criadores brasileiros empenham-se em apartar os animais por categoria, mas muitas vezes oferecem um tipo de suplementos para todo o rebanho. “dessa forma, tratam animais com necessidades nutricionais diferentes da mesma maneira”, afirma. Para que o animal responda de maneira correta é necessário adotar o programa de suplementação que melhor se adeqüa às necessidades.

Essa opinião é compartilhada por Dante Pazzanese Lanna, professor do Departamento de Nutrição e Crescimento Animal da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALO), da Universidade de São Paulo (USP), Lanna explica que “a precocidade é uma característica de baixa herdabilidade. E pode ser considerada como ditada pelo meio”. Ele garante que um bovino, com as mesmas características genéticas, pode ser abatido aos quatro anos ou 12 meses, com os mesmos 450 kg. Essa diferença de tempo é conseqüência de manejo alimentar.

Exatamente por isso, Lanna aposta no confinamento de parte dos animais, como manejo na seca, para, dessa forma, liberar o pasto para o restante do rebanho. Sugere também tirar parte dos animais que pastejam no verão, para garantir áreas de vedação. Ele lembra que, durante o inverno, o crescimento do pastejo é, entre oito e dez vezes mais lento, em razão da falta de temperatura ideal e umidade, entre outros fatores. Na opinião do professor, os pastos de braquiárias decumbens e brizantha são os mais indicados, o oposto dos pastos de panicum e de capim elefante.

Depois de vedar parte dos pastos entre março e junho, para formação de volumosos, o criador deve oferecer suplementação aos animais, com sal proteinado. Convém lembrar que os volumosos formados na área diferida apresentam-se fibrosos e com baixo teor de proteína. A suplementação implica no aumento do consumo e da digestibilidade da forragem. O manejo da seca deve considerar também as categorias. Os animais mais carentes de suplementação são as vacas em gestação e lactação, bezerros e novilhas e novilhos em crescimento, as vacas secas e os bois de engorda.

Lanna acredita no sucesso da criação à visão integrada do pecuarista. Isso significa escolha e manejo correto de forrageiras; criação de uma estação de monta, para parição das vacas entre outubro e novembro; e escolha de suplementação. Em relação ao uso de ração, o professor conta que a ESALQ oferece aos criadores o programa computadorizado “Ração de Lucro Máximo – RLM”, comercializado pela Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (FEALQ), capaz de calcular a ração com otimização de custos. Basta que o criador introduza dados, como a raça dos animais do rebanho a serem alimentados, o peso médio do lote, as condições nutricionais anteriores e qual o ganho de peso desejado. O programa responde apontando as exigências das categorias.

A adequação às condições da propriedade é à base de trabalho da Socil Guyomarch, empresa que trabalha com suplementação nutricional para animais em crescimento, adulto e em produção. Antônio Maringoni, diretor-técnico, assegura que “não existe receita única para soluções em propriedades. Cada caso é um caso”. Isso porque as propriedades apresentam níveis variados de tecnologia e objetivos diferenciados. Enquanto alguns produtores buscam ganho de peso para animais criados para abate, outros tornam-se selecionadores.

Ciente da importância do pasto, a empresa realizou pesquisas em pastagens localizadas nas diversas regiões do país, à exceção do Rio Grande do Sul e Amazônia. Os resultados permitem avaliar a queda de proteína e de energia. Mais: se necessário, a empresa tem condições de orientar sobre manejo de gramíneas. Na opinião de Maringoni, o criador deve estar atento a critérios básicos como rotação de pastagens, manejo e sanidade para obter bons resultados.

Exatamente o tripé formado por nutrição, manejo sanitário e genética melhorada é apontada por José Luiz Bianchi, gerente-geral da Divisão de Nutrição Animal da Manah, empresa que oferece suplementação de linha mineral, protéica e núcleo mineral-protéico, para cria e recria e engorda de animais, como fundamental ao sucesso de qualquer criança. Ele garante que, hoje, o interesse dos produtores concentra-se na produção de carne por há, com destaque para as taxas de fertilidade e de abate. Atualmente, a taxa média de fertilidade dos rebanhos é de 60%. O ideal seria oscilar entre 80% e 85%. A suplementação na seca pode ser apontada com um dos elementos fundamentais, para evitar a perda de fertilidade nas matrizes. A isso deve somar-se a prática da adubação da pastagem, cultura como qualquer outra, e que não costuma receber esse tratamento.

Bianchi acredita que o manejo em sentido amplo, composto por inseminação artificial, estação de monta, touros melhorados, desmame correto e adubação de pastagens, indiquem o caminho para o sucesso na criação. Mais ainda: com o crescimento de protéicos, o pecuarista tem condições de promover o ganho de peso dos animais na seca e evitar o estrangulamento da atividade. Sabe-se que o animal ganha peso durante oito meses das águas e perde nos quatro meses se seca. O conselho do técnico para os pecuaristas é separar o rebanho em categorias e utilizar produtos específicos que colaborem para o melhor desempenho dos animais.

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