Agricultura

A vista do lado de dentro da porteira

Os negócios da agricultura brasileira vão bem, obrigado! Em 1999, o País deve encerrar a safra com um recorde na produção de grãos e com melhoras nas divisas internacionais. No entanto, o produtor ainda encontra dificuldades para garantir a continuidade de seus plantios. O endividamento do campo é grande e impede a introdução de tecnologia nas lavouras. Uma situação preocupante que coloca em xeque um potencial produtivo do Brasil e deixa rastros negativos nas finanças de uma safra para outra.

Infelizmente, ganhos de colheita não se traduzem em riqueza para o campo. Com dívidas rolando ano – a – ano, o agricultor ainda sofre com saldos nada favoráveis ao avanço de suas lavouras. Produtor de café desde 1950, o dono da Fazenda Jequitibá, em Santo Antônio de Posse (SP), Ralpho Fonseca Ribeiro, diz que não há dúvidas de que, após a desvalorização do Real, toda cultura exportável ganhou terreno. Somado a isso, neste anos, a plantação a que se dedica foi beneficiada com o tufão que atingiu a América Central, o terremoto na Colômbia e as pragas que infestaram as plantações da África. Países importantes na oferta internacional do café, que, com a colheita prejudicada, não representarão grande concorrência frente a safra do Brasil, apesar de estar projetada para um máximo de 24 milhões de sacas, 10 milhões a mesmos que o registrado no ano passado.

A queda na produtividade do café é normal, tendo em vista que trata – se de uma lavoura bianual, ano forte, ano fraco. Mas não é isso que preocupa Ribeiro. Com 400.000 pés de café, ele não hesita em afirmar que o maior problema da agricultura vem da falta de uma política estável de, no mínimo, 10 nos para o setor. Sem financiamentos a longo prazo, os agricultores vêem – se reféns dos juros bancários e de securitizações que não permitem o encerramento das dívidas. “Para o setor ganhar fôlego, seria necessário um escalonamento de pelo menos 30 anos. Ninguém está pedindo para não pagar, mas precisamos de condições para que isso seja viável. É perfeitamente possível a agricultura caminhar tranquila, desde que sem essa herança nas costas.” O estopim de todo esse rombo na economia dentro da porteira foi a indexação do Plano Collor, que segurou os preços dos produtos agrícolas e liberou os juros e a correção monetária.

Motivo que fez muitos fazendeiros deixarem as plantações e outros venderem suas terras. Para enxugar custos e concentrar esforços num único local, Ribeiro, que, em sua melhor fase financeira, contava com 1,4 milhão de pés de café, distribuídos em quatro propriedades (três em São Paulo e uma no Mato Grosso), optou por ficar com apenas os 412 hectares da Jequitibá. Além disso, depois da geada que afetou seu cafezal em 1994, decidiu iniciar o plantio de laranja. Já está com 33.000 pés em produção, outros 8.000 entram em regime de colheita nesta safra e mais 15.000 devem ser plantados numa área onde há seringueiras. Para este ano, espera – se uma colheita de 60.000 caixas.

Dessa forma, não deposito todos os ovos somente numa cesta”, ressalta, lembrando que a escolha pela laranja ocorreu em função de também ser um produto de exportação. Atualmente, o custeio da Jequitibá gira em torno de R$ 500.000,00, excetuando os gastos com a colheita, que variam de R$ 100.000,00 a R$150.000,00. No ano passado, a fazenda registrou um faturamento de R$ 780.000,00 e desembolsou R$ 156.000,00 para acertos de suas dívidas. Uma realidade que se estenderá por muitos anos, caso o governo não tome a frente e baixe uma medida que assegure a rentabilidade da agricultura no bolso do produtor. Nos cálculos de Ribeiro, uma propriedade pode dispensar, no máximo, de 5% a 6% de sua movimentação financeira para pagar empréstimos. Atualmente, ele entrega aos bancos 20% de seu volume anual. “Há sete anos não compro um único trator ao contrário de outros tempos que adquiria dois ou três por ano. Agora, só faço reformas.”

Dívidas no Centro – Oeste

Em Goiás, a realidade não é diferente. Há 32 anos trabalhando com as culturas de soja e milho, num esquema rotativo entre as duas lavouras, o proprietário da Fazenda Alvorada, em Jataí, Zair Jorge Assad, diz que o segmento está parada, aguardando as definições que viabilizarão o próximo plantio, que se inicia em Setembro.

Para a colheita que termina neste mês de abril, a projeção é manter os mesmos índices da safra passada, com 30mil sacos de milho e 20 mil de soja. “Se as multinacionais não reduzirem os valores dos insumos ou o governo não estabelecer patamares comercias adequados à nossa realidade, as plantações serão altamente prejudicadas.” Como ainda faltam cinco meses até o início do próximo plantio, Assad acredita que há tempo para uma definição em favor dos agricultores.

Afinal, não há dúvidas de que a mudança cambial melhorará a performance das exportações brasileiras e melhorará a balança comercial. Mas, por enquanto, nada garante que o campo se beneficiará da atual situação do Real frente ao dólar. “A desvalorização representou, mas é preciso organizá-la para equilibrar toda a cadeia produtiva”, alerta o agricultor que, desde 1986, com a instituição da correção monetária no crédito rural, deixou de adquirir maquinário em sua propriedade. De lá para cá, ainda vieram os Planos Collor, Bresse I e II, Verão, Real, que provocaram a descapitalização do produtor rural, intimidando a tecnificação no campo. Durante esse período, Assad contraiu uma dívida que, atualmente, vale entre 70% e 80% de seu patrimônio, o que impede a liberação de financiamentos. Há três anos, partiu para a securitização no Banco do Brasil, mas até agora, não conseguiu amortizar uma única parcela. “Nas minhas contas, já paguei a dívida duas vezes, mas o grande problema é o descasamento entre os Planos, que age contra às condições dos agricultores.”

No que se refere à troca do Câmbio, Assad comenta que, num primeiro momento, a desvalorização do Real levou euforia aos agricultores, mas em seguida, provocou ansiedade para tentar se adivinhar as perspectivas para o próximo plantio. A saca de soja que, em 12 de Janeiro, foi comercializada a US$ 10,20, hoje está cotada a US$ 7,40. No mesmo período, o milho baixou de US$ 6,00 a saca, para US$ 3,40. “Nossa rentabilidade encontra – se anulada, pois baixaram apenas os preços dos produtos agrícolas. Os insumos tiveram reajustes plenos, quando todos sabem que somente parte de suas composições é importada. Então, se respeitadas as proporções, os adubos e inseticidas, por exemplo, teriam sofrido aumentos significativamente menores”, comenta Assad.

Cancro preocupa na laranja

O aumento do dólar também levou incertezas para o cultivo de laranja. Os aumentos dos insumos e defensivos já alteraram os custos, que devem piorar ainda mais em função das altas dos combustíveis. À busca de segurança, alguns produtores chegaram, em anos anteriores, a comercialização a safra de agora antecipadamente. A boa notícia é que as transações foram fechadas na moeda norte – americana, o que trará vantagens a esses citricultores. Quem ficou de fora, prefere não arriscar perspectivas de preços e produção para a colheita, que se inicia em Junho. É o caso do proprietário da Fazenda Natangela, em Bálsamo (SP), Valdir Verturan, que possui 70 mil pés de laranja, em 370 ha, e entre 110 mil e 120 mil caixas por ano. “O momento é de apreensão e expectativa”, resume, lembrando que outro fator preocupante para o setor são as altas incidências do cancro cítrico.

Só para ter uma ideia, nos primeiros 45 dias de 1999, foi detectado 1,5 ano/dia nos pomares do interior paulista. Trata – se da maior incidência dessas lesões na fruta, desde 1992, quando a doença passou a ser analisada estatisticamente. Mesmo assim, calcula – se um incremento de 15% na produção total da próxima safra em relação à do ano passado, que atingiu a marca de 310 milhões de caixas. Para garantir a continuidade de tal produtividade, o produtor ressalta que é fundamental as fábricas de sucos remunerarem os produtores de tal forma que permita o trato e a manutenção adequados aos laranjais. “Há duas ou três safras, as indústrias vêm sinalizando essa preocupação, mas é preciso que tal atitude permaneça, pois a cada safra forma – se uma guerra fria na comercialização.”

Apesar de ainda não ter um balanço exato de quantos os custos de produção aumentaram, Vertuan afirma que , seguramente, já ultrapassam US$ 1,80, com vendas entre US$ 2,50 e US$ 5,30, dependendo do momento da comercialização. Mas nem sempre foi assim. No final da década de 80 e início dos anos 90, a caixa da laranja chegou a custar entre US$ 0,80 e US$ 1,30. Uma época de extremo desestímulo ao setor, que provocou sério endividamento dos produtores. Vertuan não representa um piores casos. Sua dívida é inferior a R$ 80 mil e está em negociação na Cooperativa (Coopercitrus), de Bebedouro. “Só falta sentarmos para terminarmos os ajustes, mas, com certeza, será feito da melhor forma possível”, comemora o produtor.

Cana mantém índices de 98/99

Na cana – de – açúcar, a situação também respeita a regra do restante da agricultura: alta produtividade e pouco respaldo governamental. Na Cia. Energética Santa Elisa, de Ribeirão Preto (SP), a produção deste ano deve repetir o desempenho de 1998: sete milhões de toneladas de cana esmagada; 10.356.447 sacas de açúcar cristal de 50 kg; 132.653 metros cúbicos de álcool anidro; e 247.207 m3 de álcool hidratado. Tudo isso, de acordo com o presidente da empresa, Maurílio Biagi Filho, sem tratos culturais e sem adubação.

“O que prova que, dos pontos – de – vista climáticos e agronômicos, teremos uma safra ótima. Em termos econômicos, talvez represente o pior resultados do setor.” Segundo dados da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), a safra 99/2000 de cana – de – açúcar na região Centro – Sul do País deverá manter o volume registrado em 98/99, com esmagamento de 269,5 milhões de toneladas. O corte, que inicia no mês de Maio, deverá apresentar os resultados das boas chuvas do segundo semestre do ano passado e se estenderam até o último Fevereiro, condição ideal para o bom desenvolvimento da cultura. Afetada pela baixa em seus produtos, as usinas que utilizam a cana – de – açúcar como matéria – prima também exigem uma postura mais firme do governo. O excedente de dois bilhões de litros de álcool disponíveis no mercado fez baixar pela metade o preço dos produtos em dois anos. Enquanto em 1997 pagava – se R$ 0,44 para o álcool anidro, usado com aditivo nos combustíveis, hoje esse valor ronda a casa dos R$ 0,22.

Para o álcool hidratado, usado direto na bomba dos postos, a situação ficou um pouco mais complicada, passando de R$ 0,41 para R$ 0,17, no mesmo período. “A parte mais cruel dessa história é que tal decréscimos não beneficiou ninguém. No caso do hidratado, até que houve um repasse parcial da baixa ao consumidor. Mas no anidro, não. A gasolina só subiu de preço. É uma prova de que o dinheiro saiu da cadeia produtiva e foi parar em outro lugar”, pontua o executivo.

Todo esse desarranjo no álcool fez bagunçar o mercado do açúcar, que, em meados de março, era comercializado, na Bolsa de Londres, num dos menores índices de sua história: US$0.7 libra/peso, o que soma US$ 154.320 a tonelada. No Brasil, o saco de 50 kg apresentou uma queda de US$16,01, em 1993 e 1994, para US$$ 9,50, em 1998. Considerando uma produção para o consumo interno de 170 milhões de sacos, houve uma perda de US$ 1.106.7 milhões. Em termos gerais, esses números apontam uma perda média de 25% da safra 98/99, US$ 3,47 bilhões, em relação a anterior. De acordo com Biagi Filho, o setor privado fez sua parte, mas aguarda decisões estatais. “A moral de tudo isso é que nós ainda somos muito passivos à essa realidade.”

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