A
previsão de área de plantio para a safra 2010/2011
é de 48 milhões de hectares (ha) - 1,3% ou 612,2
mil ha superior aos 47,39 milhões de cultivados na
temporada 2008/2009, segundo o quarto levantamento da Companhia
Nacional de Abastecimento (Conab), divulgado em janeiro deste
ano. A produção nacional de grãos, até
momento, está estimada em 149,41 milhões de
toneladas (t), ou 0,1% (212 mil t) inferior ao volume de 149,2
milhões de t produzido em 2008/2009. A soja é
o que realmente deve impulsionar a safra brasileira de grãos,
pois segundo a Conab, houve um incremento histórico
da área plantada da oleaginosa, cerca de 2,6% (24,08
milhões de ha) - até então, o recorde
era da temporada 2004/2005, com 23,3 milhões de ha
cultivados.
Com um número maior em termos de área e a possibilidade
de isso influir numa quantidade superior de quilos por ha,
como é o caso da soja, por exemplo, os cuidados agora
se voltam ao correto manejo na hora da colheita para não
perder os grãos ao longo da própria lavoura.
"No processo de colheita da soja podem ocorrer perdas
quantitativas e qualitativas de grãos", explica
José Miguel Silveira, pesquisador da Embrapa Soja,
localizada em Londrina (PR). "As perdas quantitativas
referem-se aos grãos que caem ao solo e, portanto,
são considerados irrecuperáveis, enquanto que
as qualitativas estão relacionadas a danos físicos
(quebras), e (ou) latentes/invisíveis que afetam as
estruturas vitais do grão (normalmente o produto que
vai para a indústria) ou semente (grão que será
utilizado para a semeadura na próxima safra), causando
problemas futuros no armazenamento e na viabilidade do lote".
Há também perdas ocasionadas muito antes mesmo
de por a máquina para trabalhar. Segundo Silveira,
tratam-se das "perdas de pré-colheita", caracterizadas
pela abertura das vagens, devido a causas induzidas, como,
por exemplo, o atraso no início da colheita, ou de
ordem natural ou climática, como a ocorrência
de chuva de granizo próxima ao período de colheita,
resultando, assim, na debulha dos grãos.
"Durante o processo de colheita, com a utilização
de colheitadeiras automotrizes, as perdas estão diretamente
relacionadas à operação do equipamento
colhedor, ou seja, sua condução e seus ajustes
e regulagens. A velocidade de deslocamento da colheitadeira,
o cuidado especial com o funcionamento da plataforma de alimentação,
a regulagem do sistema de trilha em função da
umidade do produto colhido e o ajuste correto da ventilação,
são itens, entre outros, que devem ser atentamente
observados pelo operador da máquina ou pelo técnico
que acompanha a colheita", frisa o pesquisador.
Alimentação do sistema
Especificamente ao que se refere à colheita mecanizada
ou, melhor dizendo, a colheitadeira em si, é unânime
entre os especialistas e técnicos da área que
o sistema de alimentação da máquina é
o maior responsável pelas de perdas de grãos.
"Dados experimentais, reproduzidos posteriormente em
lavouras comerciais de soja nos Estados Unidos (maior produtor
mundial) e no Brasil (segundo maior produtor mundial), comprovam
que as perdas mais elevadas de grãos que ocorrem durante
a colheita mecanizada de soja concentram-se na parte da frente
da colhedora, ou seja, na plataforma de alimentação
da máquina. Aí podem ser registrados valores
entre 80% e 85% de perdas, enquanto que nos mecanismos internos
da colheitadeira as perdas situam-se na faixa de 15% a 20%",
salienta Silveira.
Em análise semelhante, Roberto Ruppenthal, gerente
de Marketing de Produto Colheitadeira da Massey Ferguson,
traça um paralelo entre a plataforma de alimentação
e a boca um animal qualquer - "é preciso entregar
o alimento de forma correta para evitar que a máquina
não se engasgue", compara. Nesse processo, Ruppenthal
também enfatiza a necessidade de devidas regulagens
tanto na máquina como na própria plataforma
para evitar as perdas. Além disso, são pontos
positivos para o sucesso de rendimento de grãos a atenção
do operador da colheitadeira respeitando a velocidade adequada
e as condições de umidade favoráveis.
Atualmente, estão disponíveis no mercado plataformas
com tecnologia que atenuam os efeitos de perdas nesse componente
frontal da máquina. Trata-se da plataforma 'Draper',
equipamento importado dos Estados Unidos e que está
em praticamente todas as colheitadeiras dispostas no mercado
brasileiro. "A partir dessa tecnologia chegamos a um
nível de perda de 0,5%", calcula Ruppenthal.
Em plena sincronia
Para Silveira, na plataforma há a ação
conjugada de três sistemas independentes, mas que trabalham
sincronicamente, e ambos sofrem a ação direta
da velocidade de deslocamento do equipamento colhedor. Esses
sistemas são (1) a barra de corte, (2) o molinete e
(3) o sem-fim da plataforma ou caracol. "O primeiro é
o principal elemento de perdas de grãos da plataforma
e, dessa maneira, deve-se atentar para a troca de navalhas
danificadas, o alinhamento dos dedos das contra-navalhas,
o ajuste da folga da barra de corte que, se não justado
corretamente, poderá ocasionar o corte irregular ou
arrancamento das plantas. Quanto ao molinete, o cuidado principal
é que os travessões com os pentes toquem o terço
superior das plantas de soja, posicionando-se de tal modo
que a projeção do seu eixo fique entre 15 centímetros
(cm) e 30 cm à frente da barra de corte. É também
importante conferir se a velocidade de trabalho do molinete
está um pouco superior à velocidade de deslocamento
da colhedora". Uma excessiva velocidade do molinete pode
ocasionar queda de vagens na frente da barra de corte. Finalmente,
segundo o pesquisador, no caracol deve ser observada a altura
em relação ao fundo e a parte posterior da plataforma
de alimentação.
Modernização dos sistemas
O constante processo de evolução do maquinário,
disposto para o desempenho da tarefa de colheita no campo,
foi garantindo menores perdas ao produtor rural, saindo de
5% a 6%, há cerca de 20 anos, para se chegar hoje a
índices inferiores a 1%, segundo avalia o gerente de
vendas especiais da New Holland, Marcos Arbex. "Com o
controle automatizado do sistema de alimentação
em alguns equipamentos, hoje já disponível aos
produtores rurais, é possível fazer, por exemplo,
todas as regulagens a partir da cabine da colheitadeira. O
operador só precisará dirigir, enquanto que
a máquina controlará a velocidade e a própria
regulagem da plataforma ao terreno", afirma.
Outro componente destacado por Arbex é o molinete rotativo
que, juntamente com a barra de corte, traz a planta, direcionando-a
para frente e, posteriormente, a leva para dentro da máquina,
auxiliando o sistema de alimentação. Há
modelos equipados com sensores que fazem a própria
leitura de perdas no interior da máquina e dão
alerta ao operador para que ele faça uma troca de regulagem
ou mesmo opte por uma velocidade menor.
A modernização da plataforma permitiu que o
material colhido não tivesse muito atrito para não
ocasionar a debulha prematura das vagens ainda na "boca"
da colheitadeira. Para Eudes Veit, especialista de produtos
de mercados da John Deere, as transformações
empregadas com a plataforma 'Draper' permitiram que essa debulha
prematura não mais ocorresse. "Além disso,
a busca por maior produtividade na soja fez com que os produtores
optassem por cultivares com maior número de vagens
- vagens essas que ficam mais próximas do solo. A partir
dessa plataforma mais flexível foi possível
fazer esse corte mais rente ao terreno, colhendo as vagens
mais baixas da planta", acrescenta. Segundo Veit, o ajuste
da máquina é simultâneo, pois há
um sistema que faz a leitura do terreno e informa ao operador
para que seja feita a devida regulagem.
Para perder menos tem de ser flexível e funcional
internamente
Douglas Vincensi, gerente de Marketing de Produto Colheitadeiras
da AGCO, detentora da marca Valtra, descreve a flexibilidade
da plataforma, feita a partir de braços independentes
de inclinação com amortecimento hidráulico,
localizados por toda a extensão da plataforma. "Os
braços são igualmente espaçados e possuem
coxins de flutuação seccionados, fornecendo
uma amplitude de deslocamento de 200 milímetros (mm).
Na regulagem de mínima pressão, a barra de corte
fica totalmente flexível, aumentando a pressão
no solo. Já na posição de ajuste de pressão
máxima, a força exercida no solo é reduzida,
tornando a barra de corte mais rígida e menos flexível.
Essas regulagens proporcionam um resultado mais preciso da
cultura com menos danos ao solo", diz - e, por consequência,
há aí a redução nas perdas.
Medido em quilos por hectare (kg/ha), Vincensi diz que o Estado
do Paraná é um exemplo positivo de dados de
menor índice de perdas de soja do País, cuja
média, de acordo com dados oficiais, é de aproximadamente
de uma saca de 60 kg por hectare (sc/ha). "Levando-se
em consideração uma produtividade média
de 3.300 kg/ha, teríamos uma perda aproximada de 1,8%,
sendo que temos médias recentes de perdas pelas nossas
colheitadeiras de 30 kg/ha, o que corresponde a aproximadamente
0,9% em relação à produtividade informada",
declara.
Para Felipe Dantas, especialista em colheitadeiras da Case
IH, itens internos na máquina também fazem o
diferencial na hora do processo da colheita. Como é
o caso de um sistema opcional específico para cada
tipo de grão, como, por exemplo, a soja e o milho.
"O rotor e os côncavos são adaptados às
condições desses dois grãos, o que auxiliam
na hora da colheita", certifica Dantas.
Dentro da máquina todo um processo industrial é
feito para separar o grão da palha. Nesse sentido,
sistemas de ventilação com fluxo de ar homogêneo
e peneiras vão fazendo todo esse trabalho.
Diante dessa tarefa, outro destaque é a presença
do bandejão, que funciona como uma mesa vibratória,
estratificando o material antes da entrada nas peneiras, ou
seja, ele faz com que o grão fique na parte inferior
da massa de grãos e a palha na parte superior, resultando
em uma maior eficiência na limpeza dos grãos,
melhor qualidade do grão e também menores danos
mecânicos. "O alimentador, o rotor, o sistema de
limpeza, o manuseio do grão, o gerenciamento de resíduos
e os sistemas de força são projetados visando
otimizar o fluxo do material colhido e maximizar sua produtividade",
complementa Dantas.
Operador e medidor de perdas
Na opinião do pesquisador da Embrapa Soja, o principal
elemento de minimização das perdas de grãos
na colheita mecanizada de soja é o operador da colheitadeira.
Se estiver bem treinado e consciente do papel que representa
no processo todo, ele será o ponto de equilíbrio
e de comando entre a lavoura de soja e o equipamento colhedor.
"É dele, juntamente com o técnico que acompanha
a colheita, a responsabilidade pelo monitoramento da ceifa,
ou seja, acompanhar, por exemplo, as variações
nas condições dos grãos, principalmente
quanto ao teor de umidade, para fazer os ajustes necessários
em todos os sistemas envolvidos, principalmente o de trilha",
afirma Silveira.
Outra necessidade de monitoramento é quanto às
perdas totais de grãos, aquelas deixadas pela colhedora
na área colhida. Para esse caso, a Embrapa Soja desenvolveu
a tecnologia do copo medidor - um recipiente plástico
transparente, que apresenta uma escala graduada para quantificar
as perdas de grãos (em sacos de 60 kg por hectare),
por meio de amostras coletadas em uma armação
de dois metros quadrados (m²), tendo a largura da plataforma
de alimentação como uma das medidas básicas.
"Os grãos depositados diretamente no copo medidor
dão a informação das perdas de modo rápido,
fácil e eficiente, assinalando o nível de tolerância
de 1,0 saco como perda aceitável nacional e internacionalmente",
explica o pesquisador.
Quanto à idade da colheitadeira, para Silveira, o que
importa é o seu estado de conservação
e manutenção - estando esses em dia, é
possível realizar um trabalho de excelente qualidade.
"Erroneamente se pensa que máquinas novas podem
realizar a operação de colheita com velocidades
elevadas, acima de seis quilômetros por hora (km/h),
mantendo baixos os níveis de perdas de grãos.
Velocidades de deslocamento entre quatro e seis km/h são
recomendadas em função do funcionamento da barra
de corte da plataforma de alimentação, além
de ter-se experimentalmente, a comprovação de
uma correlação direta entre velocidades elevadas
e perdas de grãos", testifica.
Quanto à declividade das áreas cultivadas, algumas
máquinas modernas possuem sistemas flutuantes (que
mantêm um paralelismo em relação ao solo)
na plataforma de alimentação e nas bandejas
do sistema de limpeza, que possibilitam maior eficiência
nestas condições específicas.
O futuro das colheitadeiras
Altas produtividades, na maioria das vezes, estão associadas
a maiores volumes de material vegetal que devem ser processados
por quase todos os sistemas da colhedora, segundo Silveira.
Atualmente, pelo emprego do corte, toda a planta é
trabalhada pela máquina, o que requer elevados gastos
de energia, principalmente no sistema de trilha. "Em
um futuro não muito distante, com sistemas colhedores
mais sofisticados, quem sabe possamos poupar energia nas colhedoras
e processar somente o produto que nos interessa - no caso,
o grão de soja. E aí poderemos usar velocidades
de trabalho mais elevadas, o que não se aplica à
realidade atual", conclui o pesquisador.
Os especialistas recomendam
1) Treinamento contínuo e intensivo dos operadores
de máquinas, quanto à prevenção
das perdas de grãos no processo de colheita. Para isso
há cursos de regulagem de máquinas e de treinamento
e capacitação de mão de obra oferecidos
pelas próprias montadoras;
2) Manutenção, revisão e regulagem das
máquinas, como os mecanismos de trilha, separação
e limpeza da colheitadeira;
3) Monitoração, por parte de técnicos
e operadores, da colheita durante todo o tempo, fazendo as
regulagens dos componentes de cada sistema da colhedora (como
o sistema de corte da plataforma, com a troca de navalha gasta
ou quebrada, o ajuste correto da correia de acionamento, ou
mesmo a substituição das guias com desgaste
excessivo);
4) Monitoramento da velocidade adequada às condições
da própria lavoura, isso garantirá o tempo hábil
para todo o processamento necessário de debulha e liberação
para fora da colheitadeira somente a palha isenta de grãos;
5) Saber que abaixo de 13% e acima de 15% de umidade do grão,
as perdas quantitativas e qualitativas se intensificam, se
não forem tomados os cuidados necessários no
funcionamento dos sistemas da colhedora;
6) Ajuste da rotação do molinete de acordo com
a umidade e adensamento de plantas, substituindo dedos por
ventura quebrados;
7) Escolha de uma semente de qualidade para o plantio, que
resultará em plantas mais vigorosas e produtivas, assegurando
o êxito no processo de produção da soja;
8) Dimensionamento do conjunto de máquinas necessário
para a operação de colheita, com intuito de
não sobrecarregar o equipamento e o operador com muitas
horas de trabalho.
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