FÁBIO
MARTINS MERCANTE*
A
cultura da soja apresenta uma elevada demanda por nitrogênio
(N), devido aos altos teores de proteínas (cerca de
40%) encontrados em seus grãos. Estima-se que sejam
necessários em torno de 240 kg de N para a produção
de 3.000 kg ha-1 de soja. As fontes de N capazes de suprir
tal demanda restringem-se aos fertilizantes nitrogenados e
ao fornecimento pelo processo de fixação biológica
de nitrogênio atmosférico (N2). Considerando
o baixo aproveitamento dos fertilizantes nitrogenados pelas
plantas (em torno de 50%) seria necessária uma quantidade
estimada de 480 kg de N para a obtenção da produtividade
mencionada.
Essa quantidade de N seria equivalente a 1.067 kg de uréia,
o que tornaria a cultura da soja economicamente inviável
no Brasil. Por outro lado, o processo de fixação
biológica de nitrogênio (FBN) resulta da transformação
do N2 em amônia (NH3), intermediado pela enzima dinitrogenase,
presente em determinados grupos de bactérias. No caso
da soja, a simbiose ocorre com bactérias das espécies
Bradyrhizobium japonicum e B. elkanii, sendo capazes de formar
uma estrutura especializada (nódulo) nas raízes,
onde captam o N2 atmosférico, que, após a sua
transformação, poderá, então,
ser utilizado pela planta. Em troca, a planta fornece à
bactéria energia obtida através da fotossíntese.
Assim, forma-se uma perfeita associação, sendo
planta e bactéria mutuamente favorecidas.
Contudo, a elevada demanda de N pela cultura da soja exige
um eficiente funcionamento do sistema simbiótico com
bactérias fixadoras de N2, capaz de garantir o suprimento
desse nutriente nos diferentes estádios de desenvolvimento
da cultura e, conseqüentemente, a obtenção
de elevados índices de produtividade. De outro modo,
um sistema simbiótico ineficiente exigiria a aplicação
de fertilizantes nitrogenados, podendo prejudicar a nodulação
e a FBN. Além disso, deve-se considerar os graves problemas
ambientais provocados pelo efeito potencialmente poluidor
do nitrato lixiviado no solo, resultante do uso indiscriminado
de fertilizantes nitrogenados, como tem sido verificado em
diversos países da Europa.
Neste sentido, a pesquisa brasileira vem produzindo trabalhos
significativos para a maximização da eficiência
simbiótica na interação entre soja e
estirpes de rizóbio, visando à obtenção
de incrementos na produtividade da cultura. Embora os estudos
tenham demonstrado elevada eficiência dos inoculantes
microbianos para a cultura da soja, alguns questionamentos
têm sido levantados, incluindo o possível aumento
do rendimento de grãos da cultura com a utilização
de adubações nitrogenadas complementares ou
com a reinoculação da soja.
Em Mato Grosso do Sul, como em outras regiões do país,
têm sido conduzidos diversos ensaios a campo para avaliação
da eficiência simbiótica das estirpes de Bradyrhizobium
recomendadas pela pesquisa, visando identificar a estirpe
e/ou a combinação de estirpes mais eficiente
nas condições edafoclimáticas locais,
além de verificar os efeitos da aplicação
de doses de adubo nitrogenado na cultura da soja. As avaliações
da "Rede Nacional de Ensaios de Inoculação
da Soja", em Mato Grosso do Sul, têm sido conduzidas
nos campos experimentais da Embrapa Agropecuária Oeste,
nos Municípios de Dourados e Ponta Porã.
De modo geral, os resultados obtidos no período correspondente
às safras de 1996/97 a 2004/05 demonstram que a reinoculação
pode proporcionar ganhos no rendimento de grãos da
soja, tanto no sistema convencional como no Sistema Plantio
Direto, podendo atingir aumentos de até 22%, reforçando
a recomendação dessa prática, que deve
ser efetuada a cada cultivo de soja no Brasil. Além
disso, deve-se salientar que a inoculação das
sementes promove a formação de um grande número
de nódulos na coroa da raiz principal da planta, que
são os mais eficientes e de grande importância
para o estabelecimento do processo de fixação
biológica de nitrogênio.
Contudo, freqüentemente surgem dúvidas sobre a
necessidade de aplicação de fertilizantes nitrogenados
na cultura da soja como complementação ao uso
de inoculante, para atingir rendimentos elevados. Neste sentido,
diversos ensaios foram conduzidos nas principais regiões
produtoras de soja do país e em nenhum dos locais avaliados
foram demonstrados aumentos significativos no rendimento de
grãos das plantas devido à aplicação
de doses de "arranque" ou dose "starter".
Deve-se salientar ainda, que, em mais de 50 ensaios de inoculação
conduzidos pela "Rede Nacional de Ensaios de Inoculação
da Soja", o tratamento com soja não-inoculada
e recebendo 200 kg ha-1 de N (cerca de 445 kg ha-1 de uréia),
parcelados em duas vezes, não resultou em incremento
no rendimento em relação ao tratamento só
inoculado. Além disso, a adição de fertilizantes
nitrogenados, em qualquer outro estádio de desenvolvimento
das plantas, tem-se mostrado desnecessária, devido
ao fato de não contribuir para o aumento significativo
da produtividade da cultura da soja, além de prejudicar
a nodulação e o processo de fixação
biológica de nitrogênio e aumentar os custos
de produção.
A importância econômica da tecnologia de inoculação
das sementes de soja no país pode ser evidenciada pela
economia no uso de fertilizantes nitrogenados para a cultura.
A adubação com uréia, por exemplo, resultaria
em um gasto de, aproximadamente, US$ 3 bilhões, se
forem considerados os 21 milhões de hectares cultivados
na última safra.
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Fábio Martins Mercante é engenheiro agrônomo,
PhD, e pesquisador da Embrapa.
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