A
tecnologia neste caso surge como uma forte aliada do produtor,
incorporando ferramentas de gestão e manejo que aceleram
o processo e diminuem os custos fixos das fazendas. Quando
trazemos isso para o contexto da agricultura familiar, onde
as propriedades são, na grande maioria, de pouca infra-estrutura
e quase nenhum dinheiro para investir, o leite figura como
uma atividade para lá de interessante. Somente no estado
de São Paulo, na região do Vale do Rio Paraíba
do Norte, são mais de 120 mil pequenos estabelecimentos
familiares que vivem da exploração leiteira.
A maior dificuldade, segundo os especialistas, está
em realizar esse trabalho de transferência de tecnologia
para o pequeno produtor. Ainda hoje, é muito comum
o produtor usar os poucos recursos financeiros disponíveis,
com material de pouca ou nenhuma eficiência, para melhoria
do seu negócio, evidencia André Luis Monteiro
Novo, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, de São
Carlos, SP, para quem essa é uma relação
de troca e que depende de um novo direcionamento no trabalho
dos técnicos da extensão rural.
E é exatamente isso que a Embrapa busca com a implantação
do projeto de transferência de tecnologia para produtores
familiares interessados na produção leiteira.
O Programa de Viabilidade Para a Produção Leiteira
conta com a parceria da Embrapa, da CATI, Coordenadoria de
Assistência Técnica Integral, vinculada à
Secretária da Agricultura do Estado de São Paulo,
além de Prefeituras, Cooperativas, Sindicatos Rurais
e do Sebrae, São Paulo, que promove atuação
em 102 municípios do estado.
O pesquisador diz que a metodologia utilizada é inovadora
e visa treinar mais de 180 técnicos agrícolas.
O intuito é propiciar a essas famílias uma melhora
na produtividade e conseqüente aumento da margem de lucro
no médio prazo. Júlio César Ramos da
Silva, médico veterinário e assistente técnico
da CATI, de Guaratinguetá, SP, diz que a maior transformação
ocorre na auto-estima dessas pessoas, que passam a enxergar
um futuro no leite, coisa que até pouco tempo não
acontecia.
O trabalho é realizado em conjunto, onde o técnico
da extensão é acompanhado por um pesquisador
da Embrapa, durante o período de 4 anos agrícolas,
que auxilia-o na elaboração e na execução
de um projeto de produção leiteira. Assim, a
fazenda vira sala de aula, para que técnicos, produtores
e seus familiares, aprendam a melhor forma de aplicar os insumos
e aumentar os resultados da produção.
Para participar do projeto o produtor deve apresentar as seguintes
características: ser produtor de leite, ter renda exclusiva
da produção agrícola, possuir, de preferência,
menos de 20 ha de área útil, ser indicado pelo
técnico da extensão e mostrar-se receptivo a
implementação de novos conceitos de produção
intensiva de leite. A partir daí, a propriedade passa
a ficar conhecida como Unidade Demonstrativa (UD), explica
o técnico da CATI. O produtor escolhido responde a
um questionário que vai mostrar sua realidade técnica,
ambiental, social e econômica. O técnico, por
sua vez, é estimulado a aplicar as questões
aos demais produtores da região que começam
a comungar das mesmas práticas do programa no interior
das propriedades. Para a fazenda modelo o técnico deve
levantar recursos que possibilite o início dos trabalhos.
Estão nas exigências do programa as análises
de topografia, composição do solo, exames de
tuberculose e brucelose nos animais para posterior identificação.
Tudo isso como condição indispensável
para que o produtor comece a participar do programa. Além
disso, o termômetro de máxima e mínima,
pluviômetro, fita de pesagem de animais e quadros dinâmico
e reprodutivo para controle do desenvolvimento da recria,
também são necessários. Esses itens são
oferecidos pela equipe do programa que capta recursos dentro
da própria fazenda. Da parte do produtor, esse deve
executar o trabalho conforme o combinado, anotando os dados
zootécnicos e econômicos, além de permitir
a visitação dos técnicos da Embrapa e
da CATI sempre que necessário.
Na fase experimental do programa os técnicos da Embrapa
realizaram testes em propriedades no município de São
Carlos e Bauru, no interior paulista. Na fazenda próxima
à unidade da Embrapa Pecuária Sudeste, que começou
no programa em 2001, a produção inicial era
de 140 litros/dia. Dois anos depois esse número pulou
para 270 litros/dia. A renda bruta da fazenda, mais que dobrou,
lembra o pesquisador, passando de R$ 22.522,00, no primeiro
ano, para R$ 55.318,93, em 2003. Esse aumento no faturamento
da propriedade ajudou elevar também a renda da família
que passou de R$ 782,00 para R$ 2.376,00, em média.
O pesquisador enfatiza que o custo fixo de produção
também subiu um pouco nesse período de R$ 0,257
por litro para R$ 0,272 por litro, no entanto, nada que comprometesse
a lucratividade do produtor. Uma das principais conclusões
dos pesquisadores é que esta é uma forma mais
efetiva de aplicar um conjunto de tecnologias que já
existiam, mas sob um novo enfoque. ´´O objetivo
é resgatar esse importante segmento da sociedade que
tem pouca perspectiva de renda. Isso porque, tão importante
quanto os resultados alcançados na produção,
é a volta da auto-estima e da esperança de um
futuro melhor para essa famílias de produtores e sua
permanência no campo ``, conclui o pesquisador.
Reestruturação
através da produção assistida
O
programa de viabilidade da pecuária leiteira, na região
do Vale do Rio Paraíba do Norte, importante pólo
de produção do estado de São Paulo, está
transformando a vida de pequenas propriedades familiares.
A falta de condições para manter o negócio
funcionando, e de perspectiva quanto à melhora do mercado
do leite, estava, simplesmente, levando essas pessoas quase
a abandonar seu negócio, lembra Júlio César
Ramos, da CATI. A fazenda São Sebastião, que
fica no município de Queluz, SP, é um exemplo
de propriedade familiar, onde a produção depende
do trabalho conjunto de cada membro da família. Mário
Bernardes de Souza, de 72 anos, proprietário da fazenda,
é produtor de leite na região desde criança,
época que ajudava o pai na lida.
O produtor conta que, antes da chegada dos técnicos
da extensão, a quantidade de vacas do plantel era exatamente
a mesma de hoje, no entanto, a produção não
ultrapassava os 75 litros/dia. A dificuldade que Mário
enfrentava para manejar o gado, que ficava espalhado nas montanhas
do vale atrás de pasto era, segundo ele, a parte mais
cansativa e demorada no trabalho diário. Marco Sérgio
Bernardes , filho mais novo do proprietário, conta
que tomou a decisão de estudar educação
física na cidade, por não enxergar futuro no
leite. O mesmo caminho seguido pelas duas outras irmãs
e o irmão mais velho, Mário Celso Bernardes,
que hoje encontra tempo, depois do trabalho, para ajudar o
pai. Mario é responsável por manejar e tratar
um rebanho de 25 vacas, sendo 18 em lactação.
Ele diz que a produção das duas ordenhas diárias
já é superior a 200 litros/dia.
O manejo ficou simplificado, ele diz, porque os animais são
mantidos numa área de apenas 4 hectares. Os piquetes
de Tifton e Cameron, ficam há poucos metros da casa
da fazenda, o que faz o serviço que antes durava até
altas horas da noite, acabar bem mais cedo. Durante o inverno,
a alimentação é feita com cana-de-açúcar,
plantada na fazenda, e uréia. De acordo com o veterinário
da CATI, a vantagem desse programa para o pequeno produtor
é que o crescimento do projeto depende das condições
de cada fazenda. O criador começa a gerar recursos
a partir do uso de seus bens. ´´Qualquer coisa
que tenha valor comercial pode ser usada para adquirir dinheiro
ou insumo para usar na produção e assim começar
seu projeto``.
Sebastião Ribeiro da Luz, filho do senhor Sebastião
Paiva, proprietários do Sitio São Judas Tadeu,
no município de Cruzeiro, SP, conta que há 15
anos trabalha com pecuária leiteira. Segundo ele, desde
2002, quando entrou no programa por intermédio da CATI,
sua produção diária saiu de 68 litros
de leite para atingir, no final de 2005, mais de 240 litros/
dia. Segundo ele, o rebanho permaneceu as mesmas 22 vacas,
sendo 18 em lactação. De acordo com o coordenador
do projeto, que acompanha mais de 150 propriedades, numa área
de 250 Km, ao longo de todo Vale, a diferença no caso
do Sitio São Judas Tadeu, está no perfil da
propriedade. ´´A maior parte das unidades demonstrativas
têm sua área de pastagem formada em condição
de baixada. Diferente do projeto do seu Sebastião,
que tem todo seu pasto formado numa área bastante acidentada``,
explica o técnico.
Dimas, como é conhecido, diz que a chegada da extensão
rural mudou a perspectiva de vida da sua família. ´´Antes,
para retirar o pouco, dependia de muito trabalho. Já,
hoje, com metade da mão-de-obra e do esforço
é possível manter uma produção
três vezes maior e sobra tempo para outras atividades,
tanto de trabalho como de lazer``.
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