O
salto qualitativo que a pecuária de corte vem apresentando
nos últimos quatro, cinco anos é um fato incontestável.
A incorporação de novas tecnologias que chegaram
para auxiliar o pecuarista não só no processo
de produção, mas, na gestão das ações
dentro da fazenda, propiciaram uma virada de trezentos e sessenta
graus no ciclo de produção da carne. Animais
que eram abatidos com três anos, três anos e meio,
hoje vão para o abate com no máximo 30 meses.
Em propriedades onde o uso de tecnologias já é
uma realidade, isso ocorre em média aos 24 meses.
Agora, dentro desse contexto extremamente favorável
para a produção, um fato ligado à comercialização
da carne depõem contra à cadeia de produção.
O ano mal começou e uma queda de braço entre
frigoríficos e pecuaristas já estava sendo travada
para saber, quem ia ficar com o lucro do confinamento. Esse
assunto que já gerou muitas discussões acaloradas,
ainda hoje, gera farpas e acusações de ambas
as partes, sem que, no entanto, se consiga chegar num consenso
quanto a um valor que possa agradar a todos.
A falta de unidade em momentos de dificuldade como esse que
a pecuária de corte brasileira atravessa, tende, normalmente,
a gerar distanciamento entre as partes. Um fato que pode ser
facilmente observado é criadores e associações
de raças, buscando desenvolver ações
autônomas para diferenciar suas carnes dentro do mercado.
Na opinião de especialistas e criadores essa é
uma tendência natural da atividade que está buscando
se profissionalizar. No entanto isso pode estar sendo acentuando
pela conjuntura desfavorável para os preços
do boi gordo, problema que vem desde o ano passado.
Não existem números que possam dar a medida
exata do crescimento desse mercado. Victor Abou Nehmi Filho,
diretor presidente da FNP Consultoria, observa, no entanto,
que esse fenômeno não é tão recente
assim dentro da pecuária. Segundo ele, na década
de 1980, a CICAD, Companhia Industrial de Carnes e Derivados
de Bagé, RS, iniciou um movimento parecido com esse.
"No começo deu certo, mas com o tempo, as dificuldades
de gerenciamento não permitiram que o negócio
caminhasse", lembra.
Segundo Nehmi, a maior dificuldade que os donos de marcas
vão enfrenta ao tentar coloca-las no mercado é
produzir com pontualidade, constância e padronização,
o que ele chama de PCP. Para explicar melhor essa sigla, o
consultor faz uma citação do escritor Peter
Druncker, famoso guru das teorias da administração,
onde ele diz: "Toda vez que aparece uma nova oportunidade
dentro do mercado, abre-se uma janela enorme, por onde muita
gente consegue entrar. Mas, com o passar do tempo, o mercado
vai selecionado e apenas os melhores conseguem sobreviver.
"Em outras palavras, aqueles que garantirem ao mercado
o PCP e tiverem seu foco bem direcionado vão se sobressair
frente aos demais", declara.
Para o presidente da FNP é muito mais fácil
para um frigorífico, que possui escala de abate, selecionar
as melhores carcaças e direcionar para mercados diferenciados.
A comprovação dessa tese é que praticamente
a totalidade das grifes de carne, conta com a parceria de
um frigorífico grande dando suporte por trás,
garantindo o PCP, observa. "Os frigoríficos mantêm
uma escala de abate para esse fim que gira em torno de 10%
do total de abate. O ideal é que esse número
gira-se em torno de 20%, assim é possível garantir
abastecimento do mercado".
Já o pecuarista brasileiro precisa deixar de produzir
boi e passar a produzir carne. Assim cada um vai poder direcionar
sua produção para atender a um mercado. Desde
que as regras e especificação técnicas,
quanto à sanidade animal, sejam seguidas, tem espaço
para todo mundo, pois existem consumidores para todos os tipos
de carne. Só para que isso aconteça na pratica
ele vai ter de mudar seu conceito de venda da carne, que ainda
está muito ligado a meia dúzia de cortes, Contra
Filé, Picanha, Filé-Mignon. "Administrar
produção é muito mais fácil do
que administrar marca". "É preciso foco correto,
pois, têm pecuarista que consegue escala e padrão,
mais peca na hora de buscar o foco, que é a mesma coisa
que público alvo nas campanhas de marketing",
conclui.
Um outro fator que precisa ser analisado é o impacto
dessas marcas junto ao consumidor. Será que o público
que consome carne conhece e diferencia uma marca da outra?.
Até onde existe uma fidelidade por parte desse público
com as grifes X ou Y? De acordo com o consultor o criador
que pretende seguir esse caminho precisa se fazer estas e
muitas outras perguntas para não ter problemas no futuro.
"O segredo de uma marca de carne não está
no campo e sim na ponta de comercialização",
conclui.
Marcos Guardabassi, proprietário de uma loja de carnes
e Churrascaria Bassi e um dos pioneiros na criação
de cortes de carne com marca própria, tem uma visão
bastante otimista da atividade pecuária no Brasil.
O açougueiro que ficou famoso em todo o país
por vender seus cortes diferenciados, diz possuir clientes
de todas as classes de consumidores, desde os mais exigentes
até aqueles que entendem muito pouco o nada sobre carne
bovina.
Na opinião do açougueiro, o que está
faltando é uma maior sinergia entre pecuaristas e frigoríficos.
Essa afirmação corrobora com o ponto de vista
de muitos especialistas e criadores importantes no contexto
da produção de carne no país. Guardabassi
diz que na condição de açougueiro e/ou
comerciante de carne, sua maior preocupação
sempre foi conhecer a cultura de consumo de carne de cada
freguês.
Segundo ele, o pecuarista brasileiro precisa trazer as necessidades
de todos os países, potenciais consumidores da nossa
carne e produzir de acordo com as suas exigências. O
conceito de vender saúde sobrepõem muitas vezes
o próprio produto, pois, o mundo quer comer carne com
baixo teor de gordura. "No mundo não existe nada
disso, pois, as pessoas comem pratos feitos com todas as partes
do bovino, inclusive nos restaurantes mais sofisticados".
"Existem incontáveis formas de se comer todos
os cortes de carne bovina, inclusive os miúdos, que
se tornam pratos saborosos e de muito bom gosto".
No que se refere ao mercado exportador de carne é imprescindível
que a cadeia se mobilize para definir políticas de
comercialização para a carne brasileira, mais
claras e, fundamentalmente apresentar o produto brasileiro.
Guardabassi elogia a iniciativa da ACNB, Associação
Brasileira dos Criadores de Nelore de criar a marca "Nelore
Natural". "Assim o Brasil vai começar a atestar
a origem dos seus produtos na hora de vende-los".
|