O
surgimento de laboratórios de análise de rebanho
leiteiro está contribuindo para uma nova realidade
no setor: a busca da qualidade. Uma iniciativa que vem estimulando
algumas indústrias realizarem pagamentos diferenciados
ao pecuarista que entrega o produto dentro das especificações
estabelecidas em cada companhia. Dessa forma, já não
basta ter volume é preciso zelar por todas as etapas
de produção, numa atenção contínua
ao trabalho de higiene, controle de mastite e melhoria genética
no rebanho. Ainda permanecem as tabelas de preços por
quantidade, mas passam a valer resultados de análise
sobre as características do leite de cada fazenda.
De acordo com o médico veterinário, professor
Adjunto do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal
do Paraná (UFPR), Newton Pohl Ribas, há casos
de pecuaristas que vêm sendo remunerados em até
20% e 25% do valor básico estipulado pelo lacticínio.
É transferência de renda, na qual se beneficia
quem fornecem os melhores índices de qualidade, pontua.
Ribas
também responde pela coordenação do Programa
de Análise de Rebanhos Leiteiros do Paraná,
criando pela Associação Paranaense, criadores
de Bovinos da Raça Holandesa (APCBRH), que desde o
início da década de 90, vem desenvolvendo um
trabalho de monitoramento da qualidade leiteira, que hoje,
representa a avaliação de algo em torno de 12
mil amostras/mês abrangendo um total de seis mil propriedades.
Tudo começou em 1986, quando a APCBRH firmou um convênio
com a Universidade McGill, de Montreal, Canadá, com
o intuito de trazer ao Brasil programas de análise
de rebanhos leiteiros baseados norte-americano para
se ter uma idéia, somente na região de Quebec,
aproximadamente 400.00 amostras de leite/mês são
encaminhados para esses testes. O contrato durou três
anos e, a partir daí, a Associação lançou
um projeto piloto para a realização das análises.
Com recurso de US$ 360,000.00 do Canadá, adquiriu dois
Analisadores Infra-Vermelho, que examina os índices
de gordura, proteína, lactose e sólidos totais,
com capacidade para até 300 amostras de leite/hora,
e um Contador de Células Somáticas, apto a contabilizar
um máximo de 500 amostras/hora.
Em constantes avaliações com o laboratório
da APCBRH encontram-se empresas como a Clac (Cooperativa de
Laticínio de Curitiba), Grupo Batávia, Cativa
(Cooperativa Agropecuária de Londrina) e Fleischmann
Royal Nabisco. Um interesse orientado pela necessidade de
mercado, que de baixa competitividade. Nesse sentido, basta
observar a contagem de células somáticas do
Canadá, que, depois de 30 anos de monitoramento, consegue
chegar a 250.000/mililitro em praticamente 90% de seu rebanho
com os resultados do trabalho Paraná, cuja média
atinge 550.000/mililitro. Vale dizer que nossas análises
representam apenas 3% da produção leiteira do
País e o acompanhamento tem caráter espontâneo,
o que coloca a situação nacional em condições
mais precárias. Diante disso, ainda temos informando
que, no Canadá, o prazo de validade do leite pasteurizado
é de 22 dias, enquanto no Brasil, tempo para a comercialização
não pode ultrapassar 48 horas.
Exemplo concreto de que a melhoria do leite traz benefícios,
a Fleischmann Royal Nabisco, há três anos, antes
de iniciar seu programa de qualidade, conseguia um prazo de
validade de um ano para seu leite condensando Glória.
Com o trabalho junto aos pecuaristas, iniciado em 1996, os
resultados estão visíveis nas prateleiras: hoje
o mesmo produto estendeu sua vida útil para 15 meses.
Um das significativos fatores percebidos na fábrica
foi a redução da acidez que, passou de 16º
D. (Dornic) para estabelece o Serviço de Inspeção
federal (SIF), do Ministério da Agricultura, que determina
o ideal entre 15º D e 18º D para esse teste na indústria,
ressalta o coordenador de Produção da companhia
Sandro de Marchi Javarez.
Mais
laboratórios
Assim,
com uma política voltada para a qualidade, muda-se
até os rumos que vinham sendo traçados em termos
de genética. O pecuaristas acostumado a fazer o melhoramento
com a orientação de sempre aumentar o volume
terá de refazer suas estratégias. Somente no
Paraná, em 15 anos, o índice de gordura dos
rebanhos do Paraná baixou de 3,60% para 3,30%. No mesmo
período, o percentual de proteína caiu de 3,40%
para 3,11%. Uma realidade que, na opinião do professor
da UFPR, reflete o estímulo genético voltado
apenas para quantidade. Acontece que a indústria nunca
incentivou o contrário, a busca pela qualidade. As
multinacionais instaladas aqui sempre fizeram esses trabalho
em seus país de origem, mas não no Brasil. Com
as fábricas adotando a idéia do pagamento diferenciado,
o produtor terá um estímulo real para investir
em quesitos antes não reconhecidos economicamente.
No entanto, é preciso mais que o interesse da indústria.
O Brasil ainda encontra-se com falta de laboratórios
de análises de gordura, proteína, sólidos
totais e células somáticas: Rio Grande do Sul,
com base na Universidade de Passo Fundo; São Paulo,
com equipamentos na Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz
(Esalq/USP); e Minas Gerais, com aparelhos na Embrapa/Gado
de Leite. Para que todo o universo leiteiro nacional tivesse
acesso ás análises seriam necessários
no mínimo, mais dois laboratórios, talvez um
em Goiás (GO), que atenderia o Centro Oeste,
e outro em Recife (PE), para as regiões Norte/Nordeste.
Em Piracicaba, na Esalq/USP, o Programa de Análise
de rebanhos Leiteiros e Qualidade do Leite teve início
em 1981, com o objetivo mais voltado á avaliação
do aumento da eficiência econômica da Produção,
com acompanhamento de custos, controle zootécnico e
gerencial. Há três anos, o proprietário
da Fazenda Colorado, produtora do Leite Tipo A Xandô,
de Araras (SP), Lair Antônio de Souza, fez a doação
de US$ 115 mil para a compra de equipamentos de contagem de
célula somática e componentes do leite, com
a condição de que a estrutura fosse utilizada
em benefício da pecuária leiteira. A partir
daí, criou-se o Laboratório de Fisiologia da
Lactação (Lafla), localizado no Departamento
de Produção de Produção Animal,
que utiliza a mesma metodologia de interpretação
de dados aplicada na Michigan State University, dos Estados
Unidos.
Atualmente, a instituição conta realiza análises
de cerca de 14.000 amostras/mês, atingindo algo que
mantêm o envio de material para teste estão a
Danone, Aplec, Tirolez, Sudoeste Mineiro e Nestlé.
Sobre a questão do pagamento pela qualidade, o professor
Associado do Departamento de Produção Animal
e coordenador desse trabalho na Esalq/USP, Paulo Fernando
Machado, comenta que esse diferencial significa um passo importante
para penalizar quem não fornecimento de leite. Trata-se
de um camilho sem volta, porque, cada vez mais, valem as exigências
do mercado. O rastreamento da produção agropecuária
tornou-se fundamental no mundo todo e, aos poucos, também
vem atingindo o Brasil.
Falta
popularizar
Na
Embrapa/ Gado de Leite, em Juiz de Fora (MG), o pesquisador
e responsável pelo Laboratório de Qualidade
do Leite, José Renaldi Feitosa Brito, diz que as cooperativas
e indústrias que atualmente encaminham amostras para
análises estão em fase de estudos no que se
refere á remuneração por qualidade. Será
um dado a mais para os critérios de pagamentos. Uma
maneira bastante eliciente de incentivar o pecuarista a apostar
na atividade.
Segundo ele, tal esquema faz o reconhecimento econômico
em toda a cadeia, pois o leite melhor rende mais na fábrica,
resultando num produto industrializado de características
mais apuradas. A prestação de serviços
no laboratório Embrapa/Gado de Leite começou
em agosto do ano passado, sendo que a inauguração
oficial aconteceu em abril de 1999. O mês de julho fechou
com um total de análise em 10.000 amostras, um índice
que até o final do ano deve chegar entre 20.000 e 25.000.
Ainda não é possível traçar uma
média das condições do leite nacional,
pois a participação nos testes de qualidade
baseia-se em muitos rebanhos de elite e fornecedores, de indústrias.
Falta uma maior popularização, ressalta Brito.
A maior quantidade de teste por qualidade está no Serviço
de Análise de rebanhos Leiteiros (Sarle), da Universidade
de Passo Fundo (UPF), no rio Grande do Sul. Em funcionamento
desde 1997, seu Laboratório computa avaliações
de 42.000 amostras/mês, em função da região
apresentar o mais alto índice de conscientização
por parte das indústrias. Apesar disso, ainda os equipamentos,
comprados por R$ 500,000,00 com recursos do Banco do Brasil
e da própria universidade, estão trabalhando
com menos da metade de sua capacidade, instalada para atender
até 90.000 amostras mensais.
De acordo com o Professor do Departamento da Faculdade de
Agronomia e Medicina Veterinária da UPF e coordenador
do Sarle, João Walter Durr, o diferencial no preço
por qualidade é uma maneira de se agregar valor ao
leite. Para ele, ganha a indústria, que consegue resultados
melhores com seus produtos, e o pecuaristas que deixa de comercializar
água e passa a vender qualidade. Nem tudo que é
branco é leite. Assim, no quesito contagem de células
somáticas, por exemplo, premia-se a integridade daquelas
que possuem integridade na produção, castigando
os que permitem que a ação bacteriana degrade
o leite.
Das empresas que realizam análises no Sarle, destaque
a LG, que acompanha de perto o trabalho de todos seus fornecedores
que contam com sistema de resfriamento na propriedade
pré-requisito para entregar leite á companhia.
Com isso, desde de maio de 1997 vem fazendo pagamentos diferenciados
em função dos índices de gordura, proteína
e células somáticas.
Visão
da Danone
Junto
ao Laboratório de Fisiologia da Lactação
(Lafla), da esalq/USP, desde junho de 1997, a Danone encaminha
para análises cerca de 2.000 amostras mensais.
Atualmente, a companhia capta em torno de 12 milhões
de litros de leite por, mês, oriundos de 400 fornecedores
do Sul de Minas Gerais e Nordeste de São Paulo. Segundo
o chefe do Departamento de Aprovisionamento de Leite da Empresa,
Durvalino Miguel dos Santos, o Objetivo desse trabalho é
oferecer aos fornecedores subsídios para que possam
monitorar e melhorar o nível de sanidade do rebanho.
Nos países onde a pecuária leiteira encontra-se
desenvolvida, o pagamento diferenciado por qualidade é
uma prática normal. No entanto, no Brasil, esse processo
está em fase de implantação e ainda há
critérios bastante divergentes, comenta.
Assim, a indústria encontra-se na etapa de fortalecer
sua atuação nas propriedades, com treinamento
para ordenhadores e às demais áreas envolvidas
na atividade. Nesse sentido, os técnicos da Danone,
juntamente com os pecuaristas, vem implementando programas
de melhoria a partir das particularidades de cada fazenda.
"Acreditamos que iniciar pagamentos diferenciados em
função da qualidade, sem que antes os funcionários
estejam devidamente treinados e tenham domínio sobre
o assunto possa causar falsas expectativas. Primeiro queremos
solidificar esse trabalho e, a partir daí, colocamos
em prática um projeto concreto que ofereça um
estímulo ao produtor, justifica Santos o fato
de a empresa ainda não ter adotado os critérios
de gordura, proteína e contagem de células somáticas
em suas tabelas de preços.
Política
definida para pagamento
As
bacias leiteiras de Cerqueira César (SP) e Carambeí
(PR) estão com uma proposta de remuneração
estabelecida pela Fleischmann Royal Nabisco, detentora da
marca Glória. Desde que introduziu o sistema de coleta
a granel, no segundo semestre de 1996, com a única
proposta de reduzir custos para continuar competitiva, a companhia
vem percebendo a necessidade de melhorar a qualidade sua principal
matéria - prima: o leite. O primeira passo foi premiar
os produtores que compraram a idéia da
empresa e iniciaram a instalação de tanques
de resfriamentos.
De acordo com o engenheiro agrônomo e supervisor Técnico
Henrique Costales Junqueira, a iniciativa de pagamento diferenciada
começou com o parâmetro que denomina QVR (Qualidade,
Volume e Resfriamento), que valorizava , por exemplo, o pecuarista
que armazenava o leite em tanque de expansão. Passamos
a verificar que os produtores não são iguais
e necessitávamos de uma metodologia que os diferenciassem
na hora da remuneração.
Diante disso, a Fleischmann Royal Nabisco criou um patamar
de preço mínimo por litro, bonificando o leite
com a origem desejada pela companhia. No entanto, segundo
o zootecnista e supervisor de Campo do Núcleo de Atendimento
ao Produtor ( NAP) da região de Salto do Itarará
(PR), Fernando Eduardo de Souza Netto, o sistema não
incentiva quem estava na base a crescer. Não havia
consciência do produtor de que poderia melhorar seus
rendimentos. Resultado: aumentamos o preço base e passamos
a descontar de quem não atingia os índices que
estipulávamos. Em vez da bonificação,
o que o produtor mau qualificado perdia na remuneração.
A mudança deu certo, pois criou-se a oportunidade do
pecuarista reclamar, despertando o interesse para a qualidade.
Atualmente, a indústria conta com parâmetro para
os testes de alizarol, temperatura, crioscopia, lactofiltração,
redutase, gordura e volume. Desde fevereiro deste ano, os
produtores estão sendo informados das condições
do índices de contagem, sólidas totais, proteínas,
lactose e contagem de células somáticas, que
entrarão nos critérios de pagamento a partir
do início do ano 2000. Os testes estão sendo
realizados pelo Programa de Análises de Rebanhos Leiteiros
do Paraná, da Associação Paranaense de
Criadores de Bovinos da Raça Holandesa.
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