A criação da venda de carne bovina em cortes
especiais exemplifica a situação. A longa trajetória
do produto, desde as tradicionais encomendas em açougues
para o churrasco de final de semana, a posterior criação
de butiques de carne e, finalmente, as vendas de cortes especiais
em supermercados, mostram novo mercado em ascensão.
O
setor de carne, especialmente o de carne bovina, suína
e de frango, representou cerca de 37% do setor agropecuário,
que, por sua vez, significou cerca de 13,5% do Produto Interno
Bruto (PIB) no país, em 1997. Vitor Nehme, economista
da FNP Consultoria & Comércio, explica que o volume
de venda de cortes especiais, com opções de
carne moída, filé a parmegiana e a tradicional
picanha, tem crescido de forma significativa nos últimos
anos, embora não existam estimativas. As vantagens
são evidentes, pois para o setor produtivo agrega valor
ao produto, e para o consumidor, garante a qualidade do produto.
Atento
ás necessidades do cliente, grande parte composta por
estrangeiros, há 36 anos a Churrascaria Bassi resolveu
oferecer nova opções de carne. E unir o tradicional,
ou seja, a fartura da carne ao melhor do que havia no país,
isto é, os cortes. Dessa forma, foram criados pratos,
com sugestões pouco usuais. Marco Bassi, diretor do
grupo, explica que o objetivo era motivar o consumo de carne.
Assim, ao longo dos anos, os frequentadores da Bassi foram
saboreando contrafilé, picanha, alcatra, coxão
mole, costela de contrafilé e steak do açougueiro,
entre outros cortes. A cada dois anos, um novo prato era integrado
ao cardápio e, dessa forma, ao paladar do consumidor.
O objetivo sempre foi valorizar o boi, garante.
Bassi é enfático ao afirmar que não existe
carne de primeira ou de segunda. É explica o sucesso
da venda de cortes especiais ao fato de que o brasileiro está
interessado em conhecer carne. Mais: também não
acredita em corte especial, mas em boi bem manejado. Quando
os cortes especiais foram lançados, o desejo de conhecer
qualidade de carne era muito grande e ainda é, afirma.
Hoje, o descrédito do cliente é a falta de qualidade
da carne, que lhe é oferecida. Atualmente, o grupo
possui seis salas grill e 40 pontos de venda, com a inclusão
de franquias. Apenas nas salas grill, oferece 70 mil porções
mensais, o que é considerado excelente movimento. Bassi
credita a dependência do sucesso de cortes especiais
a nova consciência dos criadores brasileiros, cientes
da necessidade de produzir animais bem manejados e, produtores
de carne de primeira categoria.
Essa opinião é partilhada por Stivan Wessel,
presidente da Wessel, que define o cenário dos últimos
10 anos, como o melhor qualidade de carne produzida e maior
conversão de peso dos animais. No mercado de carnes
e cortes especiais desde 1974, a Wessel detém uma linha
composta hoje por 50 tipos de cortes especiais. Desse total,
a maior parte integrava as opções iniciais da
empresa. A menor parte, com menos aceitação,
foi reformulada e apresentada de forma mais atraente. Hoje,
entre 80% e 90% da produção são compostas
por cortes especiais. Ele conta que a iniciativa em oferecer
esses produtos surgiu da desorientação dos consumidores
em como usar a carne de forma adequada.
Exatamente por isso, a Wessel criou uma estratégia
para atrair o consumidor.. Em pontos de venda oferecia fichas
com sugestões de receitas, para cada tipo de carne.
Até mesmo temperos eram comercializados nas lojas.
As fichas eram oferecidas gratuitamente, mesmo para pessoas
que não compravam a carne. Mesmo assim, o começo
não foi fácil.
Wessel afirma que o fato de o consumidor receber a carne embalada
consistia em uma novidade. Afinal, ele estava habituado a
ver o corte da carne. A reticência inicial foi convencida
com explicações diretas para cada consumidor.
Foi marcação homem a homem, lembra Wessel. Acredita
também que o fato de o nome Wessel ser bastante conhecido,
tenha minorado a dificuldade inicial. Mas a aceitação
total só aconteceu um ano mais tarde.
Ao longo dos anos, poucos cortes foram acrescentados. O objetivo
continua sendo o de ofertar o corte da melhor maneira possível.
Por exemplo, para estrogonofe, a carne em pedacinhos; para
vitela, em cubos; e para bifes, carne fatiado. Naturalmente,
o corte especial exigiu algumas mudanças tecnológicas,
mas especialmente no manejo. Wessel explica que a carne requer
extremos cuidados de higiene. Exatamente por isso, as tampas
das mesas em que a carne é embalada são lavadas
de hora em hora. E constituem parte do manejo da carne.
Na opinião de Wessel, os últimos cinco anos,
que coincidem com o Plano Real, representam crescimento dobrado
no faturamento da empresa. Ele não é favorável
a franquias. E, há dois anos e meio, a empresa comercializa
os produtos em balcões Wessel nos supermercados Pão
de Açúcar e Sé, em 25 pontos de venda.
A decisão baseou-se na possibilidade de crescimento,
sem a necessidade de montar novas lojas. Ainda assim, o balcão
Wessel em cada supermercado é operado por um funcionário
da empresa, durante sete dias por semana e 24 horas por dia,
que responde pela reposição e supervisão
total daquele ponto.
O grupo Bassi também comercializa produtos em supermercados,
e para isso escolheu o Grupo Pão de Açúcar.
Bassi conta que a iniciativa exigiu investimentos em tecnologia.
A carne, antes de embalada e acondicionada em bandejas, recebe
tratamento especial, que permite ampliar o prazo de consumo
para 12 dias.
Ambos, Wessel e Bassi, não hesitam em confessar o motivo
da colocação dos produtos em supermercados,
ou seja, a certeza de aumento de demanda. Estudo anual realizado
pela Associação Brasileira de Supermercados
(Abras) revela que o local mais procurado por frequentadores
para compras é o supermercado, com respostas que apontam
99,3%, seguindo por padaria, 81%, açougue, 64,1%, feira,
56,7%. O desempenho das redes Pão de Açúcar
e Carrefour comprova a expectativa dos produtores de cortes
especiais de carne bovina.
O Carrefour, por exemplo, comercializa cortes especiais há
23 anos, desde que a rede instalou-se no Brasil. O objetivo
inicial era oferecer tipos de carne que melhor se prestassem
a determinados pratos da culinária. Durante a implementação
desse comércio, a rede informava sobre os cortes para
assar, grelhar ou simplesmente cozinhar.
Luis Carlos da Costa, diretor de perecíveis da rede,
assegura que o objetivo de oferecer cortes especiais era ainda
é o de aprimorar o auto-serviço. Mais: trata-se
de nova informação ao consumidor. No início,
o supermercado oferecia cortes de picanha, maminha e costela
de agulha, entre outros. Alguns foram aceitos com entusiasmo,
enquanto outros necessitaram de retoques. Hoje, a rede comercializa
150 tipos de cortes especiais, entre carne suína, cordeiro,
Vitelo, coelho. Os cortes especiais bovinos detêm 56
tipos de cortes.
A demanda mostra-se crescente e Costa atribui a fatores como
o trabalho com carne de qualidade. A rede mantém uma
lista de frigorífico fornecedores e acompanhantes.
Os investimentos em tecnologia acompanhamento rigoroso de
abate. Os investimentos em tecnologia permitiram instalar
um aparelho nos caminhões transportadores de carne,
que garante manter a temperatura em nível predeterminado
ao longo do trajeto, sem sofrer alterações.
O Carrefour mantém-se atento ás exigências
do consumidor e procura adaptar-se ao que é solicitado,
explica Costa.
O mesmo tom existe no Pão de Açúcar.
A rede, que trabalha com cortes especiais há 10 anos,
mostra que a comercialização cresceu e deve
registrar aumento de demanda. A rede classifica esse segmento,
de tendência européia, como a possibilidade de
oferecer maiores opções ao consumidor. Mais:
cada loja mantém um açougue, para satisfazer
os clientes interessados em serviço personalizado.
Mas, ainda assim, aposta cada vez mais na venda de cortes
especiais.
O entusiasmo dos comerciantes e dos consumidores mostra-se
distante da preocupação de muitos criadores,
interessados em vender, mas em receber de forma mais estruturada.
O Brasil é um país que não tem tipificação
de carcaças. Isso significa que o abate e classificação
da carne ainda guardam muitas das normas consideradas antigas
e ultrapassadas. No Mercosul, por exemplo, é o único
integrante a não apresentar legislação
específica. O Paraguai, o Uruguai e a Argentina possuem
regras próprias e, consequentemente, melhor remuneração
ao produtor de bovinos.
O assunto, embora analisado e discutido há muitos anos
por criadores, associações e governo, não
consegui consenso e soluções práticas.
Entre 1995 e 1996, Moacir Seródio, ex-assessor especial
de Antônio Cabrera ex-secretário da Agricultura
do Estado de São Paulo, reuniu produtores e líderes
do setor agrícola, para visitas a Argentina, Uruguai
e Chile, em busca de soluções.
Seródio explica que o Chile, naquela época,
já possuía legislação e o melhor
sistema de tipificação de carcaças da
América Latina. O acompanhamento de carne era feito
desde o abate até gôndola do supermercado e o
consumidor final. O sistema é simples, com várias
classificações. Até dois anos. trata-se
de um animal com classificação V.
Classificação A indica animal entre
dois e quatro dentes de leite. Classificação
C, animais desde a queda de dentes de leite a
dois dentes definitivos. Animais em U, com quatro
dentes definitivos. Já as classificações
em N e O são mais abrangentes. Em N, qualquer
animal que não tenha cobertura de gordura. Isso engloba
todas as classificações anteriores,desde que
animais sem gordura. Animais em O, qualquer categoria com
cobertura excessiva de gordura. Dessa forma, a dona de cada
sabe a idade da carne que compra, garante Seródio.
Na opinião de Bassi, a tipificação de
carcaças é essencial para quem quer produzir.
E o produtor brasileiro é consciente, afirma. Ele defende
a necessidade da carne bem tratada. Isso pode ser produzido
como animal bem manejado, preço de abate de acordo
e aproveitamento correto da carne. Por exemplo, carne com
pouca gordura deve ir para a panela, enquanto carne com mais
gordura, para a grelha. O consumidor precisa aprender a distinguir
sabor de maciez. Hoje, a carne brasileira tem sabor, mas é
dura, assegura. A solução: a cruza, que garante
maciez, sabor e, principalmente, precocidade aos animais.
Ele não hesita em apontar a carne como o petróleo
vermelho brasileiro. Em cinco anos, com consciência
e manejo, o Brasil supera a Argentina em produção
de carne, garante.
Wessel concorda com Bassi sobre a necessidade de tipificação
das carcaças. Mas acredita que a iniciativa privada
superou a ausência do governo e criou estratégias
próprias de abate e preços. Mais: o país
não está habituado a encaminhamentos sistemáticos
nem possui tradição de políticas seguidas.
Portanto, o espaço foi preenchido pela iniciativa privada.
Seródio enfatiza a opinião de Wessel sobre a
falta de tradição de política ao lembrar
que, com a saída de Cabrera, o tema tipificação
de carcaças deixou de ser considerado. Ao mercado de
cortes especiais, com tipificação ou não,
resta futuro promissor. Nehme assegura que as expectativas
são de crescimento acelerado, com a possibilidade de
representar parcela significativa do mercado de carne bovina
em geral. Isso significa que os demais segmentos do mercado
de carne devem perder espaço.
|